O titã Sérgio Britto chamou um time de músicos para participar de “Purabossanova”, o seu quarto trabalho solo. Lançado no final de 2013, o disco conta a presença de Luiz Melodia, Rita Lee e da cantora argentina Eugênia Brusa e é um apanhado de músicas leves, em português e espanhol. E por mais que todas essas influências possam ser o indicativo de um trabalho heterogêneo e de muitas caras diferentes, Britto acredita que finalmente encontrou aqui a sonoridade que identifica a sua carreira solo: “É algo que me diferencia do Titãs” – conclui.
O lado MPB do integrante dos Titã foi o assunto principal da conversa que tivemos com Sérgio Britto. Os melhores momentos a gente reproduz aqui embaixo:
O “Purabossanova” tem uma sonoridade parecida com o seu último disco, o “SP55”, mas é bem diferente dos outros dois primeiros, lançados em 2000 e 2006. Você acha que encontrou uma linguagem própria agora?
Eu acho que sim. Isso até foi um caminho que eu segui, como você bem disse. Essa linguagem própria já estava presente no disco anterior, mas agora está muito bem realizada. O “Purabossanova” é um disco mais rico, em termos de instrumentação, e as canções estão mais bem acabadas. Eu cheguei no ponto que eu queria chegar, que é algo que me identifica como artista solo, que me diferencia dos Titãs. Uma linguagem que me permite continuar explorando, de alguma maneira, as outras influências que eu tenho.
Por que você incluiu no disco algumas regravações em espanhol?
Eu tenho uma vivência disso, que é bastante pessoal. Eu fui alfabetizado em espanhol, eu morei no Chile dez anos acompanhando o meu pai. Enfim, eu falo a língua e conheço alguma coisa do pop latino também. Eu acho que no Brasil se conhece muito pouco do que se faz na América Latina. Então, fazer arranjos e versões de canções que eu acho bacana, que ninguém conhece aqui, é sempre um exercício bom para mim, como músico.
Em meio a tantas participações femininas no “Purabossanova”, tem uma participação do Luiz Melodia. Ela tem algum significado especial?
Quando eu pensei no meu disco solo, eu pensei nas vozes como se fossem instrumentos. Para mim, as vozes femininas funcionam muito bem dialogando com a minha. Mas no caso dessa música em especial, “Como Iguais”, eu queria dividir com um cantor. Tenho uma admiração muito grande pelo Luiz Melodia, como compositor e, principalmente como cantor. Eu acho que ele é o melhor cantor do Brasil! Ele canta incrivelmente bem e eu também acho que essa música se encaixa perfeitamnete na voz dele.
O “SP55” falava um pouco da sua vida em família. O “Purabossanova” fala sobre alguma outra parte específica da sua vida?
Eu acho que ele fala sobre várias outras coisas. Ele fala sobre igualdade, como na música “Dois Iguais”, e muitas outras canções são sobre decepções amorosas, sobre morte. Ele não tem tanto esse ambiente da família, mas tem muito do que eu penso.
Para deixar o “Purabossanova” com uma cara ainda mais brasileira, você acabou fazendo uma versão de “Canção de Exílio”. O que esse poema representa para você?
Eu acho que é um pouco disso que eu falei antes. Eu, de certa maneira, vivi o exílio. Eu acompanhei o exílio do meu pai durante dez anos e isso é uma questão que faz parte da minha vida, de verdade. Eu acho que o exílio faz você olhar para o país de uma outra maneira, talvez com mais amor, mais carinho e tal. Indo mais longe, esse é um dos motivos pelo qual a minha música tem elementos brasileiros. Então, eu tenho vários motivos para colocar esse poema no disco. Além disso, “Canção de Exílio” é um texto célebre, talvez o poema mais parodiado da história da literatura brasileira. Ele tem um milhão de versões e de paródias, para falar sobre um monte de assuntos. Para mim, ele é uma coisa muito bem resolvida e eu achei que seria bacana musicá-lo. Ficou muito legal e eu incluí no disco.
A busca por uma identidade própria, recorrente em “Purabossanova”, também poderá ser um caminho para o próximo disco do Titãs?
Eu acho que o Titãs já conseguiu fazer isso mais de uma vez. O “Cabeça Dinossauro” é uma marca nossa, quem ouve aquilo sabe que é um álbum nosso, porque tem a cara da banda. Tem outros trabalhos que poderiam ser citados, é claro, mas o “Cabeça Dinossauro” é o mais clássico. Eu acho que a gente vive nessa busca, porque quando você fica muitos anos gravando e trabalhando da mesma forma a tendência é que, numa hora, você comece a fazer um trabalho burocrático, mais acomodado. Mas agora a gente tem um desafio pela frente. Nas nossas músicas novas, a gente tem tentado fazer uma fusão, mesmo que a grosso modo, do punk rock com elementos brasileiros. Embora sejam coisas opostas, eu procuro fazer com o Titãs o que eu faço com a minha carreira solo, que é essa tentativa de integrar coisas que não parecem se encaixar.
Você acredita que hoje em dia ainda faça algum sentido classificarmos discos e músicas em estilo e tentar encontrar uma regionalidade para cada gênero?
Isso é uma questão muito interessante. Eu acho que isso ocorre cada vez menos, porque as coisas estão se misturando mais e mais. Eu acho que a regionalidade transmite apenas um “sabor”, mas não uma coisa que faça parte de um gênero musical. Ainda tem espaço para muita coisa interessante, rolar, que são as misturas mais originais, com elementos que não estejam sendo tão usados. Com a internet e a troca de informações, você pode ter coisas paradoxais, como bossa nova sendo feita no Japão. Então, eu acho que dá para achar uma música que tenha cara de lugar nenhum, que você pode mexer com os elementos dela sem que pareça própria de um único lugar.
Você acha que o rock brasileiro, aquele que começou com o Titãs, ainda pode ser chamado de brasileiro? Ou ele já extrapolou?
Eu acho que ele ainda é uma coisa muito nossa. O rock brasileiro, para mim, tem muita influência do que veio das próprias das bandas, porque elas sempre tiveram algo para dizer. Eu acho que, nesse sentido, essa característica é que dá a cara do rock brasileiro, mais politizado, com uma temática e uma abordagem mais direta dos temas. Eu acho que tem uma série de fatos aí que contribuem para a sonoridade mais agressiva, para a preocupação que o rock brasileiro sempre teve.
(Foto: Silmara Ciuffa)