“Todos os anos estava eu na praia de Itapoã junto aos pescadores, saindo para o mar nas jangadas e saveiros, ouvindo as histórias de Yemanjá. Como as ouvia, também nos mercados e feiras, no Porto de Lenha, na beira dos cais. Os negros e mulates que têm suas vidas amarradas ao mar têm sido a minha mais permanente inspiração. Não sei de drama mais poderoso que o das mulheres que esperam a volta, sempre incerta, dos maridos que partem todas as manhãs para o mar no bojo dos leves saveiros ou das milagrosas jangadas. E não sei de lendas mais belas que as da “Rainha do Mar”, a Inaeê dos negros baianos”.
Em seu livro Cancioneiro da Bahia (1978), Dorival Caymmi escreve que grande parte da sua obra é inspirada nesse ambiente praieiro de Salvador. Entre as composições que envolvem essa temática, ele destaca “O Mar”, “História de Pescadores”, “A Jangada Voltou Só”, “Noite de Temporal”, “Pescaria”, “O Vento” e “Promessa de Pescador”.
Pra falar melhor sobre as inspirações dessas músicas, ninguém melhor que o próprio cancioneiro. Usamos trechos de sua publicação Cancioneiro da Bahia para contar a história por trás das composições cheias de água, sal, areia e vento.
“O Mar”
“Tentei dar a sensação de como se renova diariamente a tragédia dos homens e mulheres dos cais da Bahia. A história de Pedro e Rosinha, o pescador e sua noiva, está contida no motivo maior da beleza do mar, tão constante quanto a desgraça dos pescadores.”
“História de Pescadores”
“[A canção] volta-se mais diretamente para o detalhar da tragédia do pescador. Seu canto de esperança ao partir pela manhã para a rude tarefa da pescada no mar alto, o adeus das esposas que vão rezar para que Yemanjá impeça o mau tempo, o temporal com o lamento das mulheres na beira do cais ou na praia. A triste cantiga da noiva cujo noivo não voltou, o motivo folclórico do velório (conservada a melodia em toda sua pureza) dos mortos e a volta no dia seguinte pela manhã da canção de esperança do pescador, canção e esperança que se renovam diariamente.”
“A Jangada Voltou Só”
“Ao mesmo tempo que mostra os pescadores morrendo no mar [a canção] fala da sua vida em terra firme, da vida desse Chico Ferreira, animador das festas de Natal e de Reis, e de seu amigo Bento, o cantor do cais, romântico, amado pelas mulheres. Um dia a janguada deles voltou só e a tristeza cobriu o cais…”
“Noite de Temporal” e “Promessa de Pescador”
“Retratam o drama dos pais dos marítimos, a velha a esperar seu filho na noite de temporal, o velho pescador a fazer promessas a Yemanjá para que salve seu filho…”
“Pescaria”
“É a descrição dos movimentos dos pescadores no seu trabalho. Esta canção praieira é tratada por mim quase como um canto de trabalho.”
“O Vento”
“[Essa canção] também possui essa característica de canto de trabalho, ao mesmo tempo que é o elogio do vento que ajuda o pescador e que pode igualmente impedir a pesca e virar o barco. O vento que tem tanta importância na vida dos marítimos, que para eles é como um deus. Um deus menor, uma das forças terríveis que Yemanjá controla.”