Bonde da Tijuca: bairro carioca é palco e inspiração musical, do samba ao pop

04/02/2025

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Por: Lucas Vieira

Fotos: Divulgação / Arquivo Nacional, Calvano e os Tatuís

04/02/2025

A Tijuca de ontem não imaginava que Erasmo Esteves viria a ser o compositor que espalharia o seu nome através da música, como cantam Rubel e Emicida na faixa “Erasmo Esteves (Tijuca Maluca)”. Situado na Zona Norte do Rio de Janeiro, o bairro é a casa de diversos artistas e movimentos culturais, além de ser fonte de inspiração para composições inesquecíveis da música brasileira.

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Erasmo Carlos nasceu em 5 de junho de 1941, e viveu no bairro durante a infância e a adolescência, época em que a paisagem tijucana era composta pelo bonde, pelas casas de vila e pelos cinemas de rua. Foi voltando da Praça Afonso Pena que o garoto ouviu o som que mudou a sua vida: o rock de Bill Haley and His Comets.

A ponte entre a contracultura e o pop em “Carlos, Erasmo” (1971)

Na segunda metade da década de 1950, o rock tomou conta da vida de Erasmo e seus amigos. Todos queriam tocar, cantar e parecer como Elvis Presley. O Bar Divino – ainda em funcionamento e decorado com símbolos da Jovem Guarda –; as esquinas do Beco do Mota, da Travessa São Vicente e da Rua Barão de Ubá eram os endereços das cantorias dos adolescentes.

Erasmo havia ganhado um violão de sua avó e aprendeu os seus primeiros três acordes com um amigo de longa data: Tim Maia. A família do autor de “Azul da Cor do Mar” morou em vários endereços na região da Afonso Pena, praça que hoje ostenta uma estátua em sua homenagem.

O Síndico deu início à sua vida musical tocando bateria e cantando na banda Tijucanos do Ritmo. Em seguida, por volta de 1957, criou o conjunto vocal The Sputniks, do qual outro membro da turma despontaria para o sucesso na década seguinte: Roberto Carlos.

O cantor capixaba morava no bairro de Lins de Vasconcelos e visitava a família na Tijuca. Além de cantar e tocar violão, ele se destacou como compositor e se tornou o maior parceiro de Erasmo Carlos. A dupla gravou as parcerias “Parei Na Contramão” e a tradução de “Splish Splash”, que inclusive foi o momento em que o amigo tijucano recebeu o seu primeiro pagamento por direitos autorais.

Outro nome da turma era Jorge Ben Jor, que morava no Rio Comprido e andava com o seu violão pela Tijuca. Também integraram o grupo os irmãos Renato e Paulo César Barros (dos Blue Caps) e Édison Trindade, autor do clássico “Gostava Tanto de Você” e integrante do The Snakes, banda que deu o pontapé inicial na carreira de Erasmo antes dele virar cantor solo e brilhar ao lado de Roberto e Wanderléa na Jovem Guarda.

Erasmo foi o primeiro da turma a dedicar uma composição ao bairro em sua discografia, com “Largo da Segunda-Feira”, faixa do LP Sonhos e Memórias 1941-1972 (1972), em que conta suas recordações da infância. Após seu falecimento, em 2022, a praça foi rebatizada de Largo da Segunda-Feira Erasmo Carlos. 

O Tremendão também lançou em 1984 a música “Turma da Tijuca”, narrando as aventuras ao lado dos amigos. Em 1976 foi a vez de Roberto Carlos falar sobre o bairro, com “Minha Tia”. Já em 1982 foi Tim Maia quem homenageou a trupe, com a faixa “Haddock Lobo Esquina Com Matoso”.

Berço de grandes paixões 

Muito antes de Erasmo e sua turma, várias manifestações musicais tiveram a Tijuca como palco. Desde o início do século XX, gravações de músicas populares homenageiam o bairro. Em 1911, o sexteto Faulhaber lançou “Furnas da Tijuca”, a gravação instrumental mais antiga. Em 1950, Waldir Calmon lançou “Um Chorinho Na Tijuca” e, em 1969, Codó incluiu “Garota da Tijuca” no LP Um Violão Muito Bom Modéstia à Parte

Nascido em Santa Cruz, o violonista Luiz Bonfá homenageou a localidade em “Bonde Tijuca” (1961) e “Tijuca” (1971). Ed Motta, que nasceu no bairro e tem conexão direta com a geração de Erasmo Carlos, tendo morado na Rua do Matoso e sendo sobrinho de Tim Maia, é autor de “Tijuca Em Cinemascope”, do As Segundas Intenções Do Manual Prático… (2000). Em 2015, Hamilton de Holanda lançou Tijucana”, no álbum Pelo Brasil (2015), tendo o bandolim como protagonista.

Já entre as músicas cantadas, um dos registros mais antigos é de 1935. A composição de João de Barro, “Moreninha da Tijuca ou Paquetá” é uma marchinha carnavalesca que foi registrada pelo cantor Almirante. Já Armando Ângelo e Chianca de Garcia compuseram uma verdadeira declaração de amor ao bairro com “Tijuca”, registrada por Iara Lex, em 1956.

Com tradição no carnaval, o bairro foi o berço do compositor Lamartine Babo, e é também local de origem de diversos blocos e agremiações. Um dos maiores destaques da região é a G.R.E.S Unidos da Tijuca, fundada em 1931, no Morro do Borel, tetracampeã do grupo especial. 

Outras turmas, outros artistas

A Tijuca também foi o ponto de encontro de artistas fundamentais para a criação da bossa-nova. No número 74 da Rua Moura Brito, foi fundado aquele que é considerado o primeiro fã-clube do país, o “Sinatra-Farney Fan Club”. 

Com reuniões semanais, shows e sessões de cinema, a associação criada em 1949 contava com visitas do próprio Dick Farney e era frequentada por nomes como João Donato, Johnny Alf e Paulo Moura. Embora não tenha seu nome associado ao clube, Tom Jobim nasceu no bairro.

Na década de 1960, uma outra turma surgiu na Tijuca. Em um casarão localizado no número 27 da Rua Jaceguai, o psiquiatra Aluízio Augusto Porto Carreira de Miranda e sua esposa, Maria Ruth, promoviam saraus que originaram o Movimento Artísticos Universitário (MAU). 

Por volta de 1966, amigos das filhas do casal, Ângela e Regina, começaram a frequentar os eventos. Entre eles estavam Ivan e Lucinha Lins, César Costa Filho, Ruy Maurity, Aldir Blanc e Gonzaguinha, artistas que ganharam força na MPB a partir da década de 1970, com o início da carreira marcada por festivais e pelas participações no programa Som Livre Exportação.

Vários artistas que marcaram a MPB sem ligações com turmas ou movimentos nasceram na Tijuca. Contemporâneo de Erasmo, o baterista Ivan Conti “Mamão”, do grupo Azymuth, nasceu no Estácio e iniciou sua carreira tocando em bailes e festinhas nos clubes tijucanos. Também da mesma época, o cantor Jards Macalé nasceu no bairro, e cita sua origem em Síntese do Lance (2021), parceria com João Donato.

Dois guitarristas tijucanos, nascidos nos anos 1980, trocaram o instrumento pelo microfone. Um deles é Pedro Luís, que integrou os grupos Paris 400 e Urge, e homenageou o bairro em Tempo de Menino (2011), canção gravada com participação do Tremendão. 

Já o integrante da banda O Beco, Wagner Domingues Costa, se tornou um dos nomes mais importantes do funk carioca após assumir nome artístico que homenageia o Morro do Catrambi, onde nasceu. Como Mr. Catra, tornou-se referência nos bailes cantando proibidões e também sobre a realidade das favelas.

A Tijuca de hoje 

Tanto a música brasileira quanto a Tijuca mudaram muito desde o século passado. O bonde foi substituído pelo metrô. Na vila onde Erasmo Carlos viveu foi erguido um prédio, mesmo destino de muitos casarões. 

Os cinemas de rua foram todos fechados, dando lugar, em sua maioria, a igrejas e lojas de departamento. Já a tradição boêmia continua, com vários bares que contam geralmente com apresentações de intérpretes de canções populares. Alguns clubes como o Municipal e o Tijuca Tênis Clube seguem funcionando, eventualmente com bailes saudosistas. A música autoral tem entre seus palcos a unidade local do SESC e o Centro da Música Carioca Artur da Távola.

A música brasileira contemporânea segue contando com tijucanos. Um dos nomes mais conhecidos é Letícia Novaes, cantora que integrou o duo Letuce e hoje se apresenta como Letrux. Outro exemplo é Ana Cláudia Lomelino, que fez parte da banda Tono e depois assumiu a alcunha de Mãeana.

Entrevista: Mergulhe no climão com a Letrux

Entre os grupos indies, as bandas Aquino e Calvano e os Tatuís são exemplos atuais. Enquanto a primeira falou de sua adolescência no bairro no álbum Os Prédios Cinzas da Av. Maracanã (2021), a segunda homenageou o local no EP Tijuca (2020), cuja capa traz uma foto da esquina das ruas Conde de Bonfim e General Roca. No underground, destacam-se as bandas de hardcore Texuga e Ventilador de Teto.

Esta matéria foi publicada originalmente na edição 154 da revista NOIZE, lançada com o vinil Erasmo Esteves, de Erasmo Carlos, em 2020.

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