#BQVNC | Wallacy Willians trocou a Igreja pelo blues

28/09/2015

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Por: Fabiano Post

Fotos: Divulgação/Branca Bawarrah

28/09/2015

A citação do escritor e poeta francês Théophile Gautier diz: “O acaso é talvez, o pseudônimo que Deus usa quando não quer assinar suas obras”. O que faz-me questionar: “Nesse caso seria, talvez, o acaso o Diabo?”

Se for… graças a Deus!

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Foi justamente ao acaso, dia desses, pesquisando algumas bandas de rock e tals, que bati os olhos na emblemática hashtag: #odiabocearense, e foi o bastante para me aguçar a curiosidade. Dito isso, fui dar uma fuçada para ler e saber do que se tratava. Foi então que me deparei com a imagem do roqueiro e bluseiro, multi-instrumentista e compositor, de 23 anos, que atende pelo nome de Wallacy Willians aka “O diabo cearense” – alcunha cunhada – perdoem a cacofonia proposital – por suas performances incendiárias e explosivas nos palcos.

Talvez a designação mais alinhada com suas tradições nordestinas fosse, ao invés do tradicional arquétipo do diabo judaico-cristão, que vem à cabeça numa hora dessas, a entidade do sincretismo catimbó, cheio de jogo de cintura, um Zé Pilintra do rock. O physique du rôle esguio de semblante aristocrático e introspectivo de Wall lembram bastante uma versão latina do trompetista Chet Baker. Coincidência ou não, Wallacy começou na tenra idade tocando trompete! O “diabo cearense” bem poderia ser o nosso Eugene Martone, personagem apaixonado pelo blues, vivido por Ralph Macchio, no drama com status de cult movie, Crossroad – A Encruzilhada, baseado no deus do blues, Robert Johnson, cuja lenda diz que teria vendido sua alma ao diabo em uma encruzilhada no Mississipi, em troca de seu sublime e olímpico virtuosismo. Mr. Johnson vem a ser a referência máster de WW.

Para esclarecer, seu nome de batismo é Wallacy William, e SIM, foi inspirado no guerreiro escocês William Wallace. Porém o “Willians”, que Wall usa artisticamente, ele “roubou” do sobrenome paterno. Dificultou?! Entendeu ou perdeu algo?!

A paixão pela música foi forjada no núcleo familiar. Wall faz questão de enfatizar a admiração, especial, que tem pela música nordestina. Suas saudosas lembranças trazem a memória sua avó, que tocava violão para ele, e seu bisavô, um proeminente sanfoneiro que dedilhava como virtuosismo “Asa Branca”. O exemplo familiar aguçou a curiosidade e apurou o gosto de WW pela música.

Histórias e divagações à parte, o que realmente interessa é que o cara é um talento natural e espontâneo, de gosto musical apuradíssimo e instinto sonoro aguçado. Ele é um autodidata virtuoso, mas somente a virtuose não basta para se manufaturar um artista. Wallacy sabe disso, e é extremamente grato aos seus colaboradores que o auxiliam a fazer sua arte.

Wall iniciou como trompetista, aos treze anos, tocando em uma banda municipal de sua cidade natal, Banabuiú, nos Sertões Cearenses. Cresceu em um lar cristão e tocou guitarra na Igreja. Foi nessa mesma época que o rock n’ roll o escolheu e o acolheu. Ganhou um violão e uma guitarra de seus pais; andava com a gangue do rock local; foi influenciado por uma banda de rock de amigos; e teve a sorte, segundo ele próprio, de ter conhecido o som, do já supracitado, um dos pais do blues, Robert Johnson, que arrebatou Wallacy com seu estilo minimalista; e o baião, poderoso, do “cabra bom da molesta”, Luiz Gonzaga. Precisava mais? A partir daí, o enfant terrible, começou a usar interferência e distorções cabulosas e barulhentas em sua música “divina”. Blasfêmia! Para o entourage celestial de sua igreja, o que ele estava tocando nas missas era uma oblata para o Diabo. Xô Satanás!

Ainda sobre excelentes influências, sua verve musical, atual, traz de arrasto feras contemporâneas como Jack White, Bombay Groovy e The Dead Weather. Foda!

Escondido dos fervorosos ascéticos e crentes, Wallacy, vivia uma vida dupla: participava de festivais independentes lá pelas bandas do Ceará, mas, quando era descoberto por algum “guardião do templo” ou dedurado, em nome de Jesus, por algum “irmão x-9”, era colocado de “castigo”, e o deixavam “de fora das atividades celestiais”.

Wallacy Willians foi possuído pelo rock n’ roll, e não criaram exorcismo para isso, ainda! Não foi excomungado, mas abandonou a Igreja. Confessou-me: “Dela só ouvia hipocrisias”, e se entregou devotamente a música. “Eu estava morto! E o rock n’ roll me ressuscitou ao terceiro dia”, me disse Wall às gargalhadas. A família o apoiou. Converteu-se a uma nova fé, repleta de música, rock, blues e cannabis. Perdemos um crente celestino e ganhamos um roqueiro, bluseiro, endiabrado e macoñero. Aleluia!

Orgulhoso de suas tradições culturais, do seu povo e de sua terra, Wall mandou um papo reto, quando lhe questionei sobre como o sul o tinha recebido: “Eu recebi o sul, o nordeste recebeu o sul… O nordeste é quem manda aqui!”. WW me disse que apesar de um pouco de preconceito a cena rock e bluseira cearense vai muito bem obrigado. “O rock e o blues vivem naquele lugar”, crava o músico.

WW com Murilo Sá e Pedro Pastoriz. Foto Branca Bawarrah

WW com Murilo Sá e Pedro Pastoriz. Foto Branca Bawarrah

Em 2011, Wall pousou em São Paulo, para ficar. Em setembro de 2014, começaram as gravações de seu primeiro disco, homônimo. Ele foi gravado, mixado e produzido pela cantora e produtora, gaúcha, de Santa Cruz do Sul, Carolina Zingler e Tomas Oliveira da Gerencia Records e masterizado por Arthur Joly na Reco-Master. Wallacy Willians foi lançado em agosto desse ano e traz sete faixas, todas absolutamente impregnadas com a força da inspiração do blues roots.

Wallacy define seu álbum de estreia como “lindo e endiabrado” que transita por sonoridades como “blues, folk, garage e punk”. Segundo o músico, o álbum é um retrato dele mesmo “em momentos de explosão e evolução pessoal”. Repleto de participações especiais, conhecidas da cena rock paulistana, como Murilo Sá, Jack Rubens, Pedro Pastoriz, Lumineiro, Barbara Mucciollo, entre outros. É um disco para ser ouvido em looping. Vou lhes confidenciar algo, meus caros, minhas caras, ouvir o rock porreta, arretado e bluseiro de Wallacy Willians é como se você estivesse numa encruzilhada pactuando e barganhando sua alma com o próprio tinhoso em troca de alguma proposta hedonista. Vade retro!

Faixas como “Bang Bang Bang”, “Dog Man”, “Oh Dad” e “The Old Vulture”, este último, um belo duo com a cantora Carolina Zingler, fazem de Wallacy Willians um belíssimo e raro espécime da categoria. É uma linda explosão de sonoridades para os amantes do rock e do blues. Ouça, aprecie sem moderações e tire suas próprias conclusões.

“Monkey Girl”, quinta faixa do álbum, foi a musa escolhida para se tornar o representante visual de Wallacy Willians. O vídeo foi produzido pela Engenho Films, com direção de Branca Bawarrah e Barbara Mucciollo. De proposta minimalista, todas as luzes são na imagem do artista, embora Wall negue isso: “A ideia nem era sair boyzinho ou vender o artista”. Seja como for, “o diabo cearense” interpreta ele mesmo com o violão em punho, cantando e requebrando tal qual um Elvis da caatinga. No clipe, Wallacy e os parceiros, o cantor e compositor Murilo Sá e o batera Mariô Onofre, cantam, tocam, bailam e se divertem ao som de “Monkey Girl”.

Assista abaixo:

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28/09/2015

Gaúcho, de Porto Alegre, vivendo a 15 anos no Rio de Janeiro. Colaborador da Vice Brasil e autor lusófono do portal de mídia cidadã Global Voices.

Fabiano Post