Duda Beat, Otto e Céu lembram histórias marcantes com o carnaval 

25/02/2025

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Por: Ariel Fagundes

Fotos: Nino Andres Biasizzo, José de Holanda, Rafa Rocha

25/02/2025

O Carnaval possui uma licença poética, não é um momento como os outros. O êxtase coletivo da “festa da carne” sugere aventuras e fiascos, sorrisos, lágrimas, suor e beijos. No transe da música alta, dissipados no calor humano da multidão, esquecemos da vida e lembramos de viver. 

Trazemos aqui artistas que participam do disco Orquestra Frevo do Mundo, Vol. 1 para dividir algumas histórias que viveram em outros carnavais. Passeie por ladeiras psicodélicas, enfrente travessuras com água, confira maquiagens épicas e duetos lacrimogêneos nos relatos a seguir:

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Céu

“Eu sempre fui aquela paulistana clássica, que, nos feriados de Carnaval, ou saía para o mato ou ficava na cidade, geralmente fantasmagórica e chovendo. Mas, desde que [Pupillo e eu] iniciamos uma relação juntos, meus carnavais mudaram bastante e vivi tudo o que você pode imaginar pelas ladeiras de Olinda, pelas ruas do centro antigo do Recife. Amo o Carnaval de lá. Psicodelia com consistência. Cores, plumas, brilhos e fantasias com música mesmo, tambor, história, naipes afiadíssimos, ritmos, cultura brasileira na veia. Amo. Vivi muitas aventuras e as pessoas começaram a me ver nas pipocas dos shows dos blocos com aquela cara: “Olha lá mermão, Céu de novo aqui… haha”.

Tulipa Ruiz

“Sou madrinha do bloco Acadêmicos do Baixo Augusta, em São Paulo. Vi o bloco pequenininho, descendo a Rua Augusta até a Praça Roosevelt, e a cada edição o número de pessoas aumentava e ficou tão grande que o trajeto do bloco migrou para a Consolação. São milhares de pessoas, se pá um milhão. Todo ano eu canto “Efêmera” e, esse ano, cantei com Elza Soares a música que fiz pra ela, “Banho”. Isso me marcou. Os encontros de cantoria no Carnaval são inesquecíveis. Cantar com Paulinho Boca no seu trio elétrico em Salvador também foi maravilhoso. Pedi para ele cantar “Mistério do Planeta”, que não estava no setlist, e, quando ele começou a cantar, eu chorei. Olhei pro lado e o Guilherme Arantes, que também era convidado do trio, estava aos prantos. Afe. Esse ano também foi muito especial cantar no bloco da Orquestra Frevo do Mundo, com Pupillo. O frevo pernambucano tem uma potência absolutamente astralizadora.”

Duda Beat

“Meu carnaval de 2019 foi especial. Com menos de um ano de carreira, eu ia cantar na maior festa do país com a mulher que era minha referência de talento, carisma e força popular. Cheguei a Salvador, me arrumei bem linda, fiz cabelo, make e, como se fosse local, atravessei Salvador de mototáxi pra chegar no bloco mais cheio da cidade. Mesmo sendo uma novata com pouca visibilidade, a equipe da cantora me aguardava e rapidamente eu estava em seu camarim no primeiro andar do trio elétrico. Só tínhamos nos encontrado uma vez antes disso, mas fui tratada com a alegria e o entusiasmo que são sua marca registrada. Me abraçou, elogiou e perguntou: ‘precisa de alguma coisa, Dudinha?’

Ao ver minha imagem naquele espelho, enxerguei uma pessoa descabelada pelo capacete da moto, com maquiagem desfeita pelo vento. Então perguntei se ela emprestaria seu maquiador para dar um tapinha no meu visual. Foi aí que ela disse: sente na cadeira que eu mesma vou cuidar de você. Rabo de cavalo, maquiagem cuidadosa e até cílios postiços. A minha beleza daquela apresentação foi assinada por ninguém menos que Ivete Sangalo, tá, querida? Isso tudo minutos antes de ela subir no trio e se apresentar por seis horas seguidas. Juntas cantamos “Alô Paixão” e “Me Abraça”, além da minha canção “Bixinho”.  Mais do que o deslumbramento de estar ali, cantando com ela, observando de perto seu poder de conduzir a multidão, foi a lição de generosidade que ela me deu. Esse será sempre um Carnaval inesquecível.”

Otto

“Disto, nunca mais me esqueço. Eu fiz show em Recife, saí de manhã pro Carnaval da Bahia, virei, voltei de manhãzinha pra Pernambuco e fui pra Olinda fazer show. Era trabalho e Carnaval. Realmente, eu passei três dias numa função muito bonita, que é a de cantar. E lá em Olinda, teve uma hora que eu digo: ‘Cara, eu vou morrer no palco’. Mas é Carnaval, você não morre. Então, segura. Sabe? Então, foi um momento de muito trabalho, mas de muito carnaval. E é isso que muitos músicos fazem, que é uma maratona, e eu me lembro dessa em que eu saí 10 da manhã pra Salvador, não dormi, fiquei acordado, pra pegar o trio elétrico pra fazer Barra-Ondina, quando eu vi era três da manhã, o voo partia às cinco, voltei, e tô aqui vivo pra contar a história. Esses são os carnavais que a gente passa.    

Siba

“Meus primeiros carnavais foram na rua, nos subúrbios de Olinda. Não tinha orquestra, nem música propriamente. E se limitava a encher de água suja umas bombas de pressão que construíamos com canos de pvc, cabo de vassoura e restos de sandália Havaianas. Saíamos na rua para melar quem quer que fosse, especialmente quem ia trabalhar nos ônibus. Às vezes arriscávamos molhar gente que passava andando indefeso pelo bairro e muitas vezes tivemos de correr pra se resguardar nas casas dos amigos pulando o muro. Contando hoje nem parece bonito. Mas era divertido, e muito.”

Almério

“A primeira vez que saí fantasiado, eu era criança, na cidade de Altinho, interior de Pernambuco. Foi uma aventura, no interior tem esse costume de sair de papangu, e ninguém pode saber que é você, então me vesti de papangu escondido e saí pelas ruas falando e gesticulando para as amigas, amigos, tias, minha mãe, colegas de escola, jurando que ninguém estava me reconhecendo. Pela tradição, você tem que andar a cidade inteira, num entra e sai de ruas e becos, de baixo de sol ou chuva. A trilha sonora era sempre muito frevo de orquestra tocando nessa época, pense numa lembrança boa! Eu adorava brincar de molhar também, mas papangu é proibido molhar, então passava pela turma do molha molha soberano e contente pulando de alegria! Uma farra!”

Henrique Albino

“Eu nunca brinquei carnaval. Carnaval pra mim é uma invocação da minha identidade como pernambucano, e minha contribuição é compor, fazer arranjos pras orquestras de rua, reger, ensaiar e tocar com essas orquestras. Eu me criei em Olinda, e o carnaval sempre esteve na porta da minha casa, mas minha família não gostava, achava muito perigoso. Eu tinha o sonho de me fantasiar de palhaço quando era criança, mas tinha uma história de que um homem sequestrava crianças fantasiadas de palhaço e minha mãe não deixava. 

Depois, quando eu cresci, conheci o Grêmio Musical Henrique Dias, a única escola profissionalizante de frevo, e, como eu já tocava flauta razoavelmente, me chamaram para dar aulas como voluntário para as crianças. Nem imaginava, lá é onde ensaiam a Orquestra de Maestro Oséias, Orquestra de Frevo Henrique Dias e a Banda Musical Henrique Dias. Fui logo tocar flautim na banda, me emprestaram um sax e fui tocar nas orquestras de frevo. Tive apenas uma aula de sax com o Maestro Ivan do Espírito Santo e comecei a tocar com as orquestras todas. E vivi o frevo e suas loucuras. Foram dias incríveis. Meu pai sempre me acompanhava com medo que algo acontecesse, eu tinha 14 anos. Conheci Mamão do Pandeiro, uma das figuras folclóricas olindenses, e ele me chamou pra escrever arranjos pra orquestra dele, foi o primeira chance que tive de ter um grupo pra tocar meus arranjos. E ele tem um super acervo de partituras, livros e discos, o que me serviu de material pra uma pesquisa aprofundada. 

Daí pra frente, eu passei cada dia que eu tivesse estudando e pesquisando o frevo, toquei com todas as orquestras grandes de Olinda, escrevi arranjos pra elas e me senti parte daquilo tudo. Com 22, fui o mais novo a vencer o Festival de Frevo na categoria de melhor arranjo. Hoje, por mais que eu tenha dominado a linguagem da música da minha terra, o frevo tem um lugar especial por ser a nossa música de orquestra e eu gosto muito do poder de fogo que uma orquestra tem, ela pode lhe fazer chorar, ou lhe derrubar da cadeira, ou até lhe fazer querer sair correndo. Enfim, minha história com o Carnaval é de como eu aprendi a ser o músico que sou, e pra mim a música é uma forma de viver.”

Esta matéria foi publicada originalmente na Revista Noize que acompanha o vinil de “Orquestra Frevo do Mundo Vol. 1”, lançado em 2020.

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25/02/2025

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Ariel Fagundes