Entrevista | 5 perguntas para a diretora e fotógrafa Zabenzi

04/03/2021

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Brenda Vidal

Por: Brenda Vidal

Fotos: Zabenzi/Marina Benzaquem/Divulgação

04/03/2021

Zabenzi é uma artista capaz de se apropriar do caos e fazer nosso olhar querer morar nele, mesmo que seja por 5 segundos rolando o feed ou por muito mais tempo absorvendo as vibrações de suas fotografias em seu livro Entre, lançado este ano e já com a primeira tiragem esgotada (a segunda tiragem já está em produção. Informações e compras podem ser feitas em zabenzi.com). Aos 21 anos, ela é uma das fotógrafas mais celebradas, reconhecidas e requisitadas na moda brasileira, e tem deslizado cada vez mais para a música, onde se desenvolve como diretora de videoclipes e também na autoria de capas de discos. Já passaram por suas lentes nomes como Marcelo Jeneci, Davi Sabbag, Majur, Fran Gil, Hiran e Tom Veloso.

Hiran e Tom Veloso nos bastidores do clipe “Gosto de Quero Mais” (Foto: Zabenzi/Divulgação)

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Antes de se tornar Zabenzi, a carioca Marina Benzaquem iniciou sua trajetória com uma boa millennial nascida na reta final dos anos 90: Interagindo com imagem e redes sociais, trabalhando ainda aos 15 anos com o estilista Vitorino Campos. Educada na era da poluição imagética, dos cansaços de tela, da economia da atenção e das referências mil, ela não mira escapismos. Encarando a saturação, encontra brechas e as preenche com respiros orgânicos em sincronia com o inorgânico.

Convidamos Zabenzi para uma conversa sobre o audiovisual a serviço da música, o digital e o impresso enquanto plataformas imagéticas, seu livro Entre, o porquê de produzir novas imagens em um mundo que as descarta em apenas um clique e mais. Acompanhe na sequência:

Zabenzi por si mesma (Foto: Autorretrato)

O que tem no rolo de câmera do seu celular e como é sua relação com selfies
[Risos] Olha, vai depender muito do que eu tô fazendo. Às vezes eu tô viajando a trabalho ou um pouco mais atarefada, aí, normalmente, são prints de conversas ou coisas mais práticas. Mas quando eu tô com tempo, em casa, eu tiro muitas fotos dando um zoom muito grande ou chegando muito perto de algumas coisas. São mais objetos, meu gato, minhas amigas, pedaços dos corpos delas… tem muito disso no meu rolo de câmera. E selfie… cara, eu tiro algumas selfies, mas são mais de zueira do que aquela biscoitagem pesada [risos]; eu me comunico muito com selfie no WhatsApp, acaba tendo muitas ali. No meu celular, tenho fotos desde 2015 em backup, e continua tudo um pouco a mesma coisa. Normalmente, essas fotos que eu tiro no celular [são] para projetos ou closes, coisas engraçadas na rua, mas eu tenho uma pastinha com fotos que são ‘o que eu estou vendo dentro de um carro, de um ônibus, de um avião’. Então, tem painel de carro de uber e cadeiras de avião, com aquele topinho de cabeça aparecendo, desde de sei lá quando. Eu vou juntando algumas coisas em pastinhas, organizando… vai que algum momento eu precise [risos]. Também faço vídeo de algumas dessas coisas. 

Ana Frango Elétrico (Foto: Zabenzi/Divulgação)

O cruzamento profissional entre fotografias e clipes: Como ele se desenrola na sua trajetória? 
Foi meio do nada. Eu sempre fiz vídeo para trampos de moda, mais comerciais, e também fotografei muito show no início, fazia alguns vídeos com amigos e também pra Ana Frango [Elétrico], mas eu arriscava, não ficava nada maravilhoso. Um dia o Hiran tava querendo fazer esse clipe dele, de “Gosto de Quero Mais”, e falou com o Lucas Nogueira, que fez a direção de arte. O Lucas me chamou para fazer porque eu era única pessoa que ele sabia que filmava, disse que gostava do meu olhar e que achava que tinha a ver com isso. Eu falei ‘vambora’, aí a gente fez. Foi muito íntimo o clipe, tudo muito pequeno, não teve nenhuma grande produção, e foi legal porque eu tive muita abertura pra pegar todas essa minhas experimentações que eu já tinha em audiovisual, de projetos autorais, e consegui botar isso dentro de um videoclipe, entender a música como parte desse roteiro, quase um sabor dentro dele, criando uma narrativa dentro desse contexto. No caso do clipe do Hiran, a gente decidiu por fazer algo muito aconchegante. A ideia inicial era fazer um dia com amigos, mas a gente foi mudando o roteiro para trazer algo sensual mas ao mesmo tempo aconchegante, com suor. Eu consegui total ter liberdade pra ousar onde eu queria, experimentar o que eu queria, e depois a gente sentou, viu tudo junto, e foi uma experiência muito boa. Foi meu primeiro [clipe] mesmo, um trampo que a gente construiu. Acho que na fotografia, você tem um momento muito específico, você tem quase que duas camadas dentro de dela: A luz e o modelo, e você com a câmera. Em um videoclipe, você tem que, primeiro, interagir com a música para, depois, entender como interagir com o artista e, depois, entender como é que o público vai interagir com esse clipe.

O mercado musical muda, as tecnologias mudam, o fim dos videoclipes é anunciado toda hora, mas eles se reinventam e continuam sendo um formato quase que indispensável para um artista. Por que um clipe é importante pra uma canção e como ele pode potencializar a relação do público com ela?
Acho que a gente consome muito mais videoclipes do ano passado pra cá pelo momento de agora, em que a gente não consegue ter experiência do artista para além da música que a gente está escutando. Quando eu faço esses trabalhos, eu tento muito entender a música, como ela bate, ouvir 50 mil vezes antes de gravar, isso faz parte do processo antes de criar o roteiro, para entender todas as nuances de qual é a sensação que você tem que procurar dentro desse clipe. Eu acho que te embala mais pra dentro do mundo do artista, sabe? Você entra mais no que esse artista pensou pra esse EP, álbum, single. Eu não vejo os videoclipes deixando de ter importância. Pra além dos videoclipes, qualquer material audiovisual que um artista grave, seja dentro de um desses canais que a gente conhece hoje em dia de ao vivo até programas de TV, eu sinto que tem uma potência grande nesse momento de agora porque é como a gente consegue absorver aquele artista por inteiro agora. Eu sinto que antes disso, com os artistas nacionais e internacionais que faziam poucos shows, os videoclipes continuavam a ser esse lugar de absorção mesmo do que é esse trabalho e também de ter novas possibilidades de encontrar esse artista. É um estudo mesmo, quase como fazer um curta, é um personagem que tá ali e que você tem que continuar a alimentar junto com o artista para as pessoas também chegarem no ponto onde o artista quer chegar. 

Zabenzi, o que motiva você a produzir novas imagens em um mundo que às vezes satura esse recurso? 
Eu acho que é justamente estar saturada disso. Os meios que eu procuro pra produzir meus projetos autorais, pessoais, são um pouco dentro dessa saturação. Eu acho que fazer um livro de fotos de celular já é um pouco entrar de cabeça no ‘tá todo mundo saturado, como a gente lida com isso?’. A gente não vai deixar de produzir imagem. Eu chamo o livro de bloco de notas porque todo mundo tem o seu, é isso que você falou ‘o que você tem no seu rolo de câmera?’, é um pouco o que eu teria no meu caderno alguns anos atrás, no meu diário. Eu tenho passado mais a fazer trabalhos audiovisuais, um pouco por entender a saturação e precisar de outras camadas de trabalho, de trabalhar com o corpo das outras pessoas de uma outra maneira, de trocar com as pessoas de uma outra maneira não tão imediata porque, querendo ou não, um projeto fotográfico, um ensaio, é imediato; a pessoa tá ali, naquele momento, você também, e o preparo pós e pré é muito mais rápido, não tem tantas camadas. Quando você vai fazer um videoclipe, um curta, você trabalha com cada movimento daquele corpo, e não é sobre o recorte ou o momento que você capturou, é sobre todo esse momento que você tá capturando, sobre o que a pessoa vai estar escutando enquanto ela estiver vendo aquilo, se o que ela está escutando está a atordoando ou se está deixando-a mais tranquila do que ela deveria. Isso pra mim tem sido mais interessante. Até agora eu tenho trabalhado muito com a saturação que a gente vive; tenho um trabalho que eu comecei na quarentena que mistura vídeos de arquivo com vídeos de livre domínio -que a gente não sabe, mas tem um banco de vídeos que já existem de coisas engraçadíssimas ou até mesmo surreais, da natureza, que estão aí, que já existem. A gente vive com um lixo de imagem muito grande, digo lixo no sentido de coisas que vemos e descartamos. É quase como uma reciclagem de imagens. Eu trabalho muito isso nas minhas fotografias, eu não tenho muita preciosidade de tipo ‘a fotografia foi editada de tal maneira, então ela permanece de tal maneira’. Não, eu posso, em algum outro momento, usar ela com um tratamento completamente diferente e ela atacar você de uma maneira também completamente diferente. Não necessariamente eu preciso criar algo novo, do zero, pra poder falar o que eu quero falar. Foi muito isso que a gente viu no processo do livro: As duplas tinham um par, mas elas poderiam estar em outro lugar com outro par, com outra cor, e isso dava uma outra vibração pra foto. Eu sinto que eu, até agora, tenho trabalhado meio que gostando um pouco dessa saturação, com essa forma rápida e prática que a gente tem de lidar com material, aproveitando isso e não tentando fugir do que já tá predestinado porque uma fotografia tem que acabar dentro do computador, do Instagram, de um site, alguma coisa do tipo, e as pessoas continuarão vendo-a por cinco segundos. Já que a gente tá jogando esse jogo, ainda mais no momento de agora que não tem como fazer exposição, não temos como reunir pessoas pra ver um trabalho, isso é cada vez mais interessante para mim.

Capa do disco Guaia (2019), de Marcelo Jeneci, conta com fotografia assinada por Marina Benzaquem

Miolo de Entre (2021) (Foto: Divulgação)

Em Entre, seu livro de fotografias, a correlação e invenção de narrativas imagéticas a partir das combinações de pares são inúmeras. Há também muito corpo, muito detalhe, e tudo muito orgânico, até a presença orgânica do plástico na cidade. Conta mais um pouco sobre o fio criativo do livro e como é pra você fazer do impresso o suporte das suas imagens? 
Esse projeto começou por falta de tempo. Eu faço muitos projetos autorais onde meu processo é escrever, ler e escutar coisas, juntar esses fatores, criar um projeto, e o Entre começou muito nesse lugar de não ter tempo para executar esse método, sabe? Esse momento de ter calma, de criar um projeto do início ao fim, então, ele foi indo. Eu comecei tirando essas fotos com um celular, e não pensava muito na hora de juntá-las, era realmente sobre vibração. Depois, quando a gente foi ver tudo impresso e debater cada uma, a gente foi entendendo que têm certas categorias. Mas tudo começou muito despretensiosamente, através de um aplicativo que eu baixei no celular e aí eu ia rolando, e botava uma foto, botava a outra, aí às vezes ia, às vezes não ia. Esse momento todo foi onde eu consegui também exercitar o meu trabalho porque, de uma certa maneira, eu comecei a conhecer mais as texturas, as cores, os materiais e a vibração do que acontece quando você bota uma foto num corte x ou y, junto de uma foto z. É quase como se eu tivesse entrado completamente nisso. Foram quase cinco anos fazendo e, também, de uma certa maneira, era o que eu [o livro carrega] muito do que eu tava vendo na hora. No início, eu tava no colégio, então as coisas não mudavam muito. Quando eu comecei a juntar algumas coisas, o tempo foi passando e eu comecei a ter um arquivo muito maior de coisas que eu ia fotografando na rua, em casa, em viagens, e eu comecei a juntar coisas que tinha feito há muito tempo atrás com coisas que eu tinha feito agora, continuando o mesmo processo.  E sabia que eu queria colocar esse projeto no mundo de alguma forma. E como a gente vive nesse momento saturado, eu tava achando que esse trabalho tava se confundindo com o meu trabalho comercial de uma certa maneira, e com as coisas que eu tava querendo fazer mais pra frente. Sentia que precisava de um encerramento, ao mesmo tempo que as pessoas precisavam entender esse trabalho de uma outra maneira. Aí veio essa ideia de fazer o impresso, de fazer um livro. Quando eu imprimi uma fotografia pela primeira vez, em tamanho grande pra uma exposição, eu cheguei em casa, e olhava para aquilo e não acreditava muito que aquela fotografia tava daquele tamanho; eu nem achava ela tão importante, mas ela ganhou um tamanho enorme, uma potência enorme, era um corpo nu enorme, foi chocante. Só que no livro foi diferente porque, além de ter uma fotografia impressa, era realmente entender o que eu fiz. Entender o que essas fotos têm em comum, da primeira até á última foto. E pode parecer o mais abstrato possível, mas quando você se atém à potência das coisas, e não necessariamente a ter um sentido, elas juntas não tem um “inteiro” na minha cabeça, não consigo te dizer uma história sobre elas. É muito mais sobre sentimento. Quem lê o livro e vê as imagens juntas tem um pedaço desse sentimento, ou  talvez ele inteiro. É muito importante para mim não perder a potência das imagens, é importante ter um lugar onde eu possa exercitar isso, que não seja simplesmente cumprir demandas ou vontades, é, mesmo sem vontade, continuar fazendo uma coisa porque ela faz parte de um processo. Ver esse livro pronto é a certeza de que, ok, faz sentido ter um processo longo, cansar desse processo, não saber o que você está fazendo, ter pausas, voltar atrás em algumas coisas. Esse livro é a prova de que dá pra construir algo inteiro, e às vezes eu sinto falta disso hoje nos materiais de fotografia que a gente vê. A tridimensionalidade tem me captado cada vez mais. Colocar a linguagem fotográfica no audiovisual, onde tem movimento, som, e tem me feito sentir mais completa.

Fotografias presentes em Entre (Foto: Divulgação)

Fotografias presentes em Entre (Foto: Divulgação)

Capa de Entre (Foto: Divulgação)

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04/03/2021

Brenda Vidal

Brenda Vidal