Entrevista | A trajetória e os próximos passos de Luccas Carlos

14/10/2019

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Peu Araújo

Por: Peu Araújo

Fotos: Divulgação

14/10/2019

Os carros sobem a Rua Augusta em São Paulo a uma velocidade bem menor do que a prevista pelos Mutantes (na canção de mesmo nome) numa tarde invernal de agosto. É segunda-feira e o trânsito na região não nos deixa esquecer o caos paulistano. Sentado diante da Galeria Ouro Fino — endereço importante para a moda e para a noite paulistana, principalmente a cena clubber — , está o cantor carioca Luccas Carlos. Com um Air Jordan cinza nos pés e uma garrafinha verde de Heineken de 250 ml nas mãos, o MC está à procura do novo endereço do Estúdio Baroni, responsável por manter em dia os seus dreadlocks e o de muitos artistas da música, do teatro, cinema e outras áreas. A propósito, o salão, que atendia no térreo, ocupa agora uma ampla sala no 1º andar. 

Luccas Carlos senta comigo e conta que as influências musicais vieram para sua vida por intermédio de muitas pessoas e criou assim um gosto, digamos, eclético. “Meu pai ouvia muito samba de raiz. Minha mãe sempre foi muito católica, então eu ia muito pra igreja com ela. Minha irmã era muito ligada em coisa gringa, música pop. Meu irmão mais velho me influenciou mais pra frente com música eletrônica e meu outro irmão ouvia muito rap e R&B, ouvia tudo”. Ele conta ainda que a inspiração não veio só do seio familiar: “Tinha um maluco que ficava ouvindo rock dos anos 80 e eu lembro de ficar ouvindo isso, não entender nada, mas achar maneiro.”

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Carioca criado na divisa entre a Tijuca e o Rio Comprido, Luccas Carlos, que tem 25 anos, começou cedo a entender que seu caminho seria o palco. “Eu sempre tive um ouvido muito sinistro com música, desde pequeno eu lembro que era isso que eu queria fazer”. Ele completa: “Eu lembro de sempre cantar, mas eu tinha vontade de viver de música, não necessariamente como cantor, mas viver dessa parada.”

Aos 12 anos, começou a fazer umas rimas no colégio porque, segundo ele, “as menininhas gostavam e os amigos também tavam nessa onda”. Aos 14, começou a escrever umas letras: “Parei de copiar a matéria e só escrevia cadernos e cadernos de muito verso, muita coisa”. Nessa mesma época, teve seu primeiro som gravado por outras pessoas, como relembra: “Eu fiz um pagode. Pensei numa melodia, escrevi uma parada. Mostrei pro meu irmão, que mostrou pra outro cara e um grupo gravou. Quando eu vi que consegui estruturar uma música mesmo falei ‘Pô, é isso. Vou fazer isso pra mim também”.

Esse “viver dessa parada” tem data; no dia 20 de janeiro de 2010, há quase uma década, ele gravou seu primeiro som. “Eu gravei uma letra que eu tinha feito. Fui na casa de um amigo, o Fernando, porque ele tinha um fone com microfone. Gravei, nada aconteceu com a música”, recorda.

A estirpe de cantores da qual Luccas Carlos faz parte é, em diversos casos, uma salvação para muitas músicas, principalmente no rap. Reconhecido por sua competência técnica e melódica, pode-se dizer que ele transformou muitas canções medianas em possíveis hits. “Eu vejo isso de uma forma maneirona, eu sinto que esse bagulho já ajudou várias pessoas de vários gêneros na música e acho foda ser uma referência dessa. Você ouvir de alguém que salvou uma música é maneirão, às vezes a pessoa passa a gostar de um bagulho por sua causa”.

Sua função de “refrãozeiro”, que não deve ser lida jamais como algo menor ou menos importante, o colocou em lugar de destaque no cenário atual, o levou a assinar um contrato com a grande gravadora Universal e o trouxe até este momento: a produção de seu primeiro disco solo. “Se você pegar um verso de uma música minha que tá sendo cantadinha, vai achar referências, e se você não prestar atenção, não vai entender”.

Ele, que já perdeu as contas de quantos feats fez na vida, elenca alguns nomes com quem gostaria de gravar. “Eu tenho muita vontade de gravar com o Péricles, muita. Djavan também. Seria um sonho. E imagina se acham umas músicas não lançadas do Tim Maia? Eu gosto desses bagulhos. Tem uns caras pra mim que são muito especiais e fazem parte mesmo da parada”. Ele pontua também no rap os nomes que quer estar próximo: “Marcelo D2, os caras do Racionais, eu tenho vontade de fazer alguma coisa com o Djonga. Tem um tempo que eu não faço nada com o Sain também.”

Com nove anos de carreira, o cantor é um dos nomes importantes de uma rica cena do rap baseada na Lapa e no Catete, centro do Rio de Janeiro. A reunião de nomes como BK’, Sain, Akira Presidente, CHS, Brill, JXNV$, Filipe Ret, Iky Castilho, Mão Lee, El Lif, entre muitos outros, além de protagonismo em outras áreas, como o pessoal do Ademafia que faz os vídeos de skate, colocaram o TTK (como muitos se referem ao bairro) diante dos holofotes do rap, do audiovisual, da moda e de um life style da rua. E nesse cenário, Luccas Carlos é uma das vozes mais significativas desta geração. 

Porém, o cantor denomina o que, para ele, é o principal marco desta geração. “Na minha cabeça tudo começou com o Néctar Gang. Quando apareceu, as pessoas viram que você podia ser você mesmo. Acho que foi tão pra frente que muita gente só tá entendendo agora. Em várias coisas que eu ouço, reconheço coisas que já fizemos”, afirma. De fato, o grupo que homenageia a lanchonete Big Néctar, no Catete, foi um divisor de águas para essa geração carioca – para o bem e para o mal. Luccas Carlos fala sobre como, para alguns fãs e alguns artistas, a roupa e a estética passaram a sobrepôr a qualidade do som. “A gente tem muita culpa nisso aí também, sou um cara que tem culpa nisso também. Mas eu acho que tudo muda com o tempo. Se você for assistir aos documentários, vai reconhecer que tudo o que aconteceu nos Estados Unidos há 20, 30 anos, tá acontecendo agora, aqui, da mesma forma. Música, roupa, rap, como a gente é visto pelas pessoas, hoje em dia todo mundo quer ser cantor, quer rimar. É um processo.”

Mas apesar dessa cena “quantos dols custa o outfit”, Luccas Carlos sempre foi mais conhecido por seu talento musical do que pelo tênis, boné ou camiseta que usa. Ele diz: “Eu vejo que no meu trampo o pessoal se importa mais com a música mesmo”. Sobre ela, ele afirma: “Eu quero fazer um som que eu tenha 90% de certeza que não vou me arrepender de ter feito, que eu vou poder cantar igual com 35, com 45 anos.”

O MC revela um amadurecimento sobre as suas letras e o que diz e conta ainda que já se arrependeu de versos que escreveu e faz uma reflexão sobre o tema. “A gente aprende a lidar melhor com as emoções. Você pode pensar tudo, mas não pode falar tudo. Nosso pensamento não sai da nossa cabeça. Por mais que as pessoas julguem um bagulho errado, você pode pensar, tem o direito de pensar. Mas quando você chega num certo lugar, é preciso tomar cuidado com as palavras e algumas vezes eu não tomei esse cuidado, mas hoje em dia eu tomo”, conclui.

Morando em São Paulo desde 2017, Luccas Carlos está em processo de produção de seu disco, o primeiro solo, que já tem nome: Jovem Carlos. A previsão é que seja lançado em 2020, 10 anos após sua primeira gravação, mas antes ainda vão sair alguns singles. Ele define a obra que está prestes a colocar nas ruas: “É o tipo de música que eu sempre quis fazer. Tem tudo!”. Com isso, pode-se esperar as influências dos sambas do pai, das músicas de igreja da mãe, dos ícones pop da irmã, das batidas eletrônicas de um irmão e dos raps e R&Bs do outro, as referências do Néctar Gang, do Catete, da Lapa e todo o alcance vocal que já lhe é peculiar. O jovem senhor Luccas Carlos está prestes a alçar o primeiro voo sozinho e, a julgar pelo impacto que causa nas músicas dos outros, podemos ter grandes expectativas de uma estreia de peso.

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14/10/2019

Peu Araújo

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