Você pode não conhecer Kris Gruen, mas você conhece seu pai e muitos de seus “tios emprestados”. Filho de Bob Gruen, um dos maiores fotógrafos da história do rock, Kris acabou enveredando pela música um pouco tarde. Aos trinta e poucos anos, o nova-iorquino apresenta seu segundo disco, Part Of It All, em uma turnê fora do comum, que passa apenas por Porto Alegre. Por meio de canções que aliam o violão folk a influências que mesmo ele não saberia enumerar, Kris por vezes conta histórias, noutras apenas brinca com as palavras. Ouvir isso de alguém que via John Lennon como o “pai do amiguinho” já seria bacana—de um cara que compõe belas canções e é simpático e curioso é melhor ainda.
Kris toca no domingo, 23/05, no lendário Bar Ocidente (João Telles esquina Osvaldo Aranha). Acompanhado dos Brasilianers, banda criada especialmente para a ocasião, ele executará músicas de seus dois discos, Lullaby School e Part Of It All, ambos lançados pelo selo Mother West. Ouve lá em http://myspace.com/krisgruen e confere o papo.
Eu não conhecia sua música até que um amigo meu me disse que você estava no Brasil. Gostei muito, lembra coisas das quais eu gosto, um pouco Elliott Smith…
Oh, que legal! Meu novo disco tem sido comparado com Arcade Fire, Andrew Bird, Decemberists… Se pegar só a voz, o cara com o qual sou mais comparado é Collin Meloy, do Decemberists, as pessoas dizem “Te ouvi nessa propaganda…”, e eu, “Não, aquele não era eu…”(risos).
Mas você já teve música em comercial, né?
Sim, para a campanha das Olimpíadas, “Orgulhosos Patrocinadores das Mamães”, do Procter & Gamble. A ideia era agradecer às mães por criar filhos tão fortes. Eu gostei da campanha, não gosto dos produtos. Foi a primeira vez que eu tive que fazer essa decisão, de deixar minha música ser usada para algo em que eu não acredito completamente. Eu moro em Vermont, num estado muito comunal, todo mundo ligado ao local, as pessoas votam juntas em lugares pequenos, comem comida orgânica, cultivam a própria comida. Então quando eu tomo uma decisão dessas, ela tem efeitos, as pessoas comentam, todos meus amigos dizem “Yeah, good job!”. Eles querem que eu consiga viver. Mas algumas semanas depois veio uma proposta de um comercial para um suporte de toalhas de papel, em vez de você usar toalhas de tecido no seu banheiro, você puxa uma nova a cada vez, e eu disse “Não, não vou fazer isso”. Lixo! A não ser que me paguem realmente bem, uma grana com a qual eu possa fazer uma coisa positiva e pagar as contas, eu certamente negarei.
Claro. Seu primeiro disco é de 2006, o que você fazia musicalmente nos anos que o antecederam?
Eu me formei em 1997 e não tocava nada fora bateria. Aprendi a tocar violão em 1999/2000, apenas o bastante para aprender a compor, você não precisa de muitos acordes para começar. Inclusive acredito que algumas músicas daquela época eram mais interessantes, porque eu usava menos do acorde. Agora eu uso o acorde inteiro, naquela época eu só conseguia apertar uma ou duas cordas, e todas aquelas cordas soltas criavam um acorde muito mais interessante às vezes…
Você não usava uns acordes de punk rock?
Às vezes, às vezes. Em “Memoir, uma das músicas do disco novo, tem muito mais power-acordes, mas ainda assim toco umas cordas soltas às vezes. Não sou muito de acordes caixotão. Mas então lá por 2002, juntei umas 15 músicas em um disco que nunca lancei, só para vender meu trabalho para os selos. Eu gravei aquele disco em um estúdio do selo Mother West, em Nova Iorque, que é o selo em que eu estou até hoje. Nós compramos o tempo de estúdio e durante a gravação, o dono ouviu e gostou, e me contratou para o selo. Mas a gente não lançou aquele disco, lançou o próximo, Lullaby School. Então de 2002 a 2005, quando acabamos de gravar Lullaby, o dono do selo estsva me desenvolvendo, me ensinando como fazer, porque demora para aprender a estar no estúdio e tocar com todos os tipos diferentes de músicos. Começamos a gravar em 2003, acabamos em 2005 e lançamos em 2006.
Nessa época você estava morando em NY?
Não, eu estava viajando. Vermont fica a 5 horas e meia de carro de Nova York. E se e estava com pressa, podia pegar um avião. O selo está baseado em Los Angeles e Nova Iorque, então a maioria dos meus shows são nessas áreas, mais em LA do que em NY, porque há toda uma nova cena rolando em LA, de licenciamento (publicidade). Para compositores, LA é um lugar maior que NY. Para bandas, NY é ótimo. Em LA, compositores podem se envolver com muita coisa, programas de TV, filmes…
E você trabalha como song writer?
Isso recém começou para mim, nos últimos dois anos. Eu faço música para uma empresa de licenciamento chamada Bug Music, eles compram faixas, colocam numa biblioteca musical e vendem. Mas não costumo dar músicas que estão nos meus discos, são outras coisas.
Você compõe desde 2000, mais ou menos, é algo relativamente novo para você…
Sim, é sim. Eu comecei com poesia, que é uma forma muito musical de escrever, o movimento acabou me direcionando para a música. Eu sempre soube cantar, o violão foi meio intimidante, porque eu cresci entre guitarristas monstruosos, os melhores, e eles faziam parecer tão fácil uma coisa que eu pensava ser tão difícil. Sempre pensei que não era para mim…
E como essa relação de poesia e letra funciona para ti?
Antigamente sempre começava com poema, depois ritmo e por fim música. E aí eu ajustava o poema para uma forma mais lírica. Agora acho que acontece mais o contrário, mas ter uma boa poesia é sempre a coisa mais importante para mim, porque não sou um músico estudado, é tudo de ouvido para mim. Não sei se é a opinião dos outros, às vezes as pessoas pensam que a música é muito profunda. Eu acho que a música é meu lado mais suave, mais fraco. Sou mais treinado como um escritor. Acho que se as letras não contam uma história ou têm uma mensagem profunda, então a estética tem que ser fortemente construída, como esculpir palavras. Uma música inteira pode ser sobre uma palavra, não literalmente, mas com a linguagem criando uma experiência, não precisa ser racional, mas precisa ter uma certa qualidade que leve o ouvinte de um lugar para o outro. Ele precisa começar a sonhar, ou não funciona.
Você tem uma música, “Nuschka”, sobre uma modelo fotográfica na Nova Iorque e Paris dos anos 1930. O quão importante é a cidade como fonte de inspiração?
É uma boa pergunta. Eu estava caminhando por aqui [Centro de Porto Alegre], percebendo a arquitetura, e eu não havia passado por essa parte da cidade, com os quarteirões e os prédios antigos. Eu sou muito afetado pelo ambiente, sou movido pela história de uma cidade, não tanto pela sua aura ou energia do presente, mas pelo ambiente, as formas, as linhas, os visuais de um lugar e atmosfera que ele cria. Duas músicas do meu disco novo, “Memoirs” e “Red Doors”, falam sobre crescer em NY, os aspectos doces e sombrios; tento captar um pouco da cultura nova-iorquina, dos personagens com que meu pai se ligava naquela época.
Você cresceu em NY ou em Vermont? Crescer em dois lugares diferentes também deve ser impactante…
Depois dos 4 ou 5 anos, minha mãe se mudou para Vermont. Eu não tinha pensado nisso… Sim! Esse era o conceito que nós pensamos, originalmente, para o Part of It All, seria eu caminhando através da capa do disco, de NY para a floresta, e no verso, da floresta para NY. Porque estes são os dois lugares onde eu crio. Eu crio em Vermont, que é bastante rural, e então vou para a cidade, e crio lá. Então, sim, são dois extremos. Mas eu cresci em Woodstock, também, que tem uma baita história musical. Meu pai ainda mora em NY no mesmo apartamento em que eu nasci, então NY foi mais uma constante para mim do que qualquer outro lugar. E eu me sinto muito em casa lá, mas a cidade não é um bom lugar para se viver, não é saudável para o “humano anima”. É bom para o intelecto, há muita comunicação, mas você perde contato com a terra, com o solo, o céu. A natureza é a coisa mais saudável para mim, me sinto muito mais em casa no mato do que na cidade.
Teu pai foi amigo de muita gente lendária. Há algum episódio para o qual você olha hoje e pensa “Isso foi fundamental para eu me voltar para a música”?
Quando eu estava sempre no CBGB’s, eu não sabia do significado, era só um buraco na parede, um esconderijo descoberto onde muita gente excitada e música muito poderosa. Quando pequeno, você está tão consciente, mas o poder da música realmente marcou, bandas como Blondie e Talking Heads estavam acontecendo pela primeira vez no CBGB’s quando eu era pequeno. As noites eram sempre muito longas, geralmente começavam com meu pai fotografando os shows maiores, em estádios, no Madison Square Garden, vendo o Kiss ou os Rolling Stones, mas aí, a sequência era CBGB’s, Max’s Kansas City. Ver o Blondie e os Ramones antes de eles serem gigantes, Johnny Thunders do New York Dolls tocou muito sozinho lá, David Johansen (também do NYD) era um amigo da família—lembro mais dele como um tio que como um músico. Só me dei conta depois que os sons que eu estava ingerindo tiveram uma influência poderosa na minha música. E eu posso dizer isso quando toco com outras pessoas, elas não tem a tendência natural que eu tenho de mover em certas direções, porque é o que ouvi o tempo todo.
Mas é uma coisa natural e boa?
É, mas ao mesmo tempo pode ser um problema, porque eu não estou pensando de uma forma fresca. Você tem que usar isso de forma consciente, “OK, isso é o que eu sei, mas como o que eu sei pode me levar a algo novo?”. Este é meu objetivo agora, aproveitar o potencial disso. Meus primeiros dois discos são uma exploração do que já ouvi, eu quero experimentar mais, explorar. Mas eu me lembro dessas pessoas famosas mais como amigos, porque é o que meu pai fazia, mais do que tirar fotos, ele era amigo dessas pessoas e as envolvia. Joe Strummer [do Clash] ficava com meu pai quando ia a NY, e meu pai foi amigo dele até sua morte. Tina Turner era uma amiga da família. John Lennon e Yoko Ono eram amigos da família, e quando eu era pequeno e brincava com Sean, eu lembro de John apenas como “o pai”, mais como o Sean ali, e lá está seu pai, caminhando pelo apartamento. E lembro de pensar “Oh, o pai do Sean é realmente legal, que pai legal!”. Porque você sabe, quando é jovem tem medo dos pais dos amigos, “o pai é legal ou o pai é mau?”—John era realmente legal. E aí, anos mais tarde, John estava morto e eu ainda saía com Sean, eu lembro que seu “novo pai”, o cara que saía com a Yoko, não era tão legal… (risos)
Eu li que você fez uma viagem de estudos quando jovem, para Austrália, Nova Zelândia, Indonésia…
Sim, sim… como você sabe disso?
Li em uma velha entrevista num site bastante obscuro…
Nossa, eu nem sabia que isso rolava por aí! Que incrível… na verdade foi aí que tudo começou para mim, até ir para o College eu nunca, nunca havia pensado em ser músico. Eu ia ser um escritor, ou um professor. Mas na faculdade, eu tinha um programa de rádio em que eu tocava coisas que eu gostava, como Paul Simon, Stevie Wonder, Cat Stevens. E aí, comecei a ouvir world music, coisas africanas, e de repente, comecei a ver a simplicidade com a qual você pode criar músicas muito poderosas. Aí pensei, “eu posso fazer isso. Eu quero fazer isso. Músicos como Geoffrey Oryema, Ayub Ogada, caras que pegavam um ngoni, uma kora (instrumento de cordas), e fazer música pop. As melodias mais doces. E eu pensei “eu realmente me conecto com isso”. Na época eu estava muito confuso, sem saber no que me especializar, e eu peguei um semestre para viajar pelo mundo, e me apaixonei pelo sentimento de não ter um plano. Só o que eu fazia consistentemente era ler, escrever e comer bem. No fim do dia, eu lia minha poesia para meu amigo, e ele dizia “Quando você voltar para os EUA, você precisa fazer uma performance”. Eu tocava percussão na praia, e depois eu peguei o que eu criei naquelas viagens e fiz meu primeiro show, que foi muito bem recebido. A partir daí, comecei a me aprofundar na ideia de ser um artista performático, primeiro pela oratória, poesia e imagens, e aos poucos adicionando música. Eu era percussionista em uma banda da faculdade, e um dia o professor perguntou “alguém sabe cantar?”, e eu falei, “posso tentar…”. A partir dali comecei a ser conhecido como um cantor, e me direcionei para isso. Em 1995, 1996, fiz a viagem, voltei e me envolvi no departamento de música.
E agora você vem para o Brasil e toca com gente daqui, do Uruguai, são ritmos e tempos diferentes. É algo que adiciona muito, certo?
Oh, sim. Qualquer pessoa madura se interessaria nessa ideia, de poder viajar e aprender sobre a música de um lugar, trazer sua música e ter a música do lugar levada até ele, e encontrar um jeito de compartilhar e crescer. Na verdade, toda a banda, as 5 pessoas com as quais estou tocando aqui, são todas de Porto Alegre, nunca as havia visto antes. Eles aprenderam meu disco quase à perfeição, quase me deixando um pouco triste, porque eu queria ver uma versão samba de “Part Of It All” (risos). Mas a verdade é que eles não podem impedir, a música deles escapule aqui e ali, é ótimo. No meio de “Memoir”, a música mais “punk” do disco, a gente faz um groove samba.
E eles usam violão de nylon…
Sim! Tem apenas uma música de Part Of It All com violão de nylon, Dunroven’s Farm, e o violonista não tocará essa parte! Então é muito diferente. Você sabe, o segundo marido da minha mãe foi um dos maiores guitarristas de Jazz de todos os tempos, Joe Beck. Ele foi o primeiro guitarrista de Miles Davis, e é uma profunda influência para mim. Eu ia a shows de punk rock o tempo todo, mas na minha casa, era jazz e soulmusic o tempo todo. O fato de o pai do meu irmão ser um músico de jazz fez com que eu pensasse de forma “desbitolada” desde cedo. Então embora eu pense que minha música tem a ver com o que eu escuto, vem alguém e me diz, “Sua música é muito diferente, não é música pop”. E meu irmão me ajudou a produzir Part Of It All, que acabou mais alternativo que Lullaby School. E há ritmos cruzados, em músicas como “Euphoria”, que o baterista brasileiro quase não consegue fazer. Há muitas coisas se cruzando, porque é uma música sobre os altos e baixos de uma relação, traz a ideia de quanto mais envolvimento, mais dor. Eu estou tocando um 3/4 e ele um 4/4, o baterista se confunde.