Entrevista | “O rock ficou com medo de ser contestador”, diz Rodrigo Lima, do Dead Fish

05/12/2022

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Por: Guilherme Serrano

Fotos: Divulgação

05/12/2022

Crítico da sociedade e do próprio meio musical no qual se insere, Rodrigo Lima se preocupa com a cooptação do rock n’ roll por parte da direita conservadora que esteve no poder durante os últimos quatro anos no Brasil. Em entrevista à NOIZE, o vocalista e letrista do Dead Fish projeta estratégias de contestação diante do novo governo eleito, e adianta suas inspirações para um próximo álbum.

Rodrigo Lima é parceiro do Planet Hemp em JARDINEIROS, que sai em vinil na edição do mês do NOIZE Record Club acompanhado da NOIZE #131. Na revista, ele colabora com um manual de guerrilha sonora e concede entrevista exclusiva. Assine e receba em casa!

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Após a derrota de Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais, e com o início da Copa do Mundo no Catar, muitos brasileiros estão tirando a camisa da Seleção Brasileira do armário pela primeira vez em quatro anos. Isso porque, nesse período, a Amarelinha acabou virando uniforme exclusivo do bolsonaristas, muitos dos quais foram às ruas para pedir a anulação do pleito deste ano. Mas a camisa da CBF não foi o único símbolo cooptado pelos movimentos ligados à direita: o problema chegou também na música. Neste ano, Sílvio Mendes, então candidato ao governo do Piauí pelo União Brasil, por exemplo, utilizou a canção “Apesar de Você” em sua campanha contra Rafael Fonteles, do PT, e acabou processado por Chico Buarque. Mais recentemente, o cantor também entrou com uma ação contra o deputado federal Eduardo Bolsonaro por ter usado “Roda Viva” como trilha sonora de uma postagem em suas redes sociais. Além dessas, “Que País É Esse”, do Legião Urbana, é outra canção que se popularizou entre os cânticos dos verde-amarelos, em uma confusa ressignificação de canções de protesto.

Rodrigo Lima, vocalista e letrista do Dead Fish, tem receio de que a falta de interpretação de texto incida sobre as músicas da banda e as transforme em gritos conservadores. O grupo, tradicionalmente identificado com uma ala política progressista, costuma ser bem direto nas suas letras, dando nome às coisas. A canção “Sonho Médio”, por exemplo, ironiza o estereótipo de liberal que acorda todos os dias para vencer, acumular poder e gastar dinheiro no shopping. O receio, contudo, é que o sarcasmo não seja compreendido, dando margem para outras interpretações e identificações.

“Sonho Médio é uma das músicas mais simples que eu já fiz, porque ela é toda em primeira terminação, todos os versos terminam em “ar”. Essa música é uma baita ironia, mas lá atrás, quando nos posicionamos pela enésima vez mais à esquerda, muita gente não entendeu o que estávamos dizendo. Vieram nos cobrar. E eu digo: ‘Pelo amor de Deus, não usem essa música nos seus trios elétricos escrotos’”, diz em entrevista à NOIZE.


Sempre firme em suas posturas, Rodrigo também tem um olhar cético sobre o próprio rock n’ roll, que, se antes dava voz às pautas libertárias, hoje muitas vezes apresenta discursos conservadores. Recentemente, por exemplo, Digão, dos Raimundos, defendeu a eleição de Jair Bolsonaro e criticou João Gordo por apoiar Lula. Como resposta, acabou desafiado por Jão, guitarrista do Ratos de Porão, para um duelo armado.

“Muito da estrutura do punk e do hardcore, essa coisa da rebeldia, foi cooptada. Agora os rebeldes são eles, né? Eles tomaram esses signos todos. A gente precisa tomar isso de volta e entender também que boa parte do rock envelheceu mal. Tornou-se aquele cara médio, bebedor de cerveja artesanal, com uma Harley Davidson, dizendo que é rebelde, mas é só um herdeiro da família rica local”, diz Rodrigo.

Definir o exato momento em que o contexto roqueiro mudou não é tarefa fácil. Mas é possível captar alguns sinais dessa mudança ao longo do tempo. Na estrada desde o início dos anos 1990, o Dead Fish nunca deixou de ser uma banda independente. Tanto no sentido de se manter sem o apoio de grandes gravadoras, quanto mantendo os seus discursos e críticas independentemente da projeção que o grupo tomou. Essas, no entanto, não são características comuns, na visão de Rodrigo: “Acho que o rock virou mainstream em determinado momento e ficou com medo de ser contestador. Se acostumou a ser aquele cara que está se aproveitando do sistema e que tem medinho de perder o patrocínio da marca de cereal”.

Cronista de seu tempo, evidentemente Rodrigo Lima é influenciado por esse contexto e o traduz em suas letras. E de forma inevitável, pelo menos nos últimos quatro anos, as críticas foram direcionadas à ascensão de discursos conservadores, retrógrados e antidemocráticos cristalizados na direita bolsonarista que governou o país. A partir de agora, entretanto, Rodrigo enxerga que essa contestação pode ser repensada de alguma maneira.

“Eu queria estar falando de outros pontos de vista políticos. O nosso último álbum, Ponto Cego (2019), tomara que se torne anacrônico. Mas é uma fotografia de momento. A gente não queria dar abertura para outras interpretações, não queria que as músicas fossem tocadas em trios elétricos neofascistas. Eu não queria que tivesse sido tão direto ao ponto, mas foi! Mas a gente agora pode fazer álbuns contestadores talvez da cabeça para dentro, e não da cabeça para fora”.

A mudança na presidência da república não significa, necessariamente, uma profunda alteração no contexto social e político. Afinal de contas, como relembra Rodrigo, essa ascensão conservadora não surgiu com a eleição de Jair Bolsonaro há quatro anos e não vai ser interrompida com a sua derrota no pleito de 2022. Por isso, já adiantando o seu próximo trabalho, o vocalista do Dead Fish exalta a necessidade da preservação da memória sobre o que vem ocorrendo há alguns anos no Brasil.
“Isso começou quando ‘o gigante acordou’, lá em 2013. Aí teve o Aécio [Neves] pedindo recontagem de votos, teve o Ronaldo falando que a culpa não era dele, teve o golpe na Dilma…Eu não esqueço disso tudo! Estou fazendo neste momento um álbum sobre memória. Porque eu li Marc Fischer, reli Fukuyama, que fala sobre o final da história… E quero fazer um álbum sobre a minha memória da minha existência nesse cenário”, completa.

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05/12/2022

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Guilherme Serrano