Exclusivo | Mombojó solta seu 7º clipe/single mensal: “Anjo que nasce homem”

26/04/2019

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Rafael Donadio

Por: Rafael Donadio

Fotos: Luan Cardoso/Divulgação

26/04/2019

“Eu gosto de mudança.” Depois de um bom tempo de conversa ao telefone com o guitarrista e vocalista da banda recifense Mombojó, Felipe S., nem era preciso dizer o que já está bem claro nos 18 anos de atividade do grupo no cenário da música independente: a capacidade de mutação. E como se não bastasse a criatividade demonstrada nos cinco discos da carreira, agora o quinteto nordestino resolveu inovar com o projeto MMBJ12.

Com uma nova fórmula, a ideia é subverter o processo de fazer um disco entre a casa, a estrada e a internet, e ir lançando as músicas à medida em que forem ficando prontas, uma por mês. Cada faixa sempre vem acompanhada por um clipe, que costura uma história em cada música.

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Hoje, com exclusividade pela NOIZE (assista abaixo), Mombojó lança o sétimo clipe/single, “Anjo que nasce homem”. A produção da faixa é assinada por toda a banda e tem participação especial do músico pernambucano Rogério Samico, da banda Marsa, na guitarra. Missionário José, baixista do grupo, também colabora ao piano preparado, adaptando a técnica criada pelo compositor estadunidense John Cage, em 1938, para adicionar dissonâncias ao arranjo.

De forma melancólica, mas com muita potência e acidez, “Anjo que nasce homem” fala sobre a intolerância e o ódio. A partir de um personagem, em primeira pessoa, Felipe S. faz uma autocrítica, como homem hétero, das condições de vida da sociedade atual, sem empatia, em que muitas pessoas criticam, por exemplo, ganhos de direitos sociais da comunidade LGBTQ+.

Essa mesma autocrítica acontece no clipe, mas com a diferença de que o personagem conversa com ele mesmo durante uma bad trip de ácido (LSD). Assim como todos os outros vídeos já lançados no MMBJ12, é o cineasta Luan Cardoso quem assina a produção.

As histórias de cada vídeo fogem dos roteiros tradicionais de clipes, mas se completarão, ao final dos lançamentos, para formar um média-metragem. Já as 12 músicas formarão um disco de vinil, que também será um álbum virtual, para baixar no site da banda.

Na maioridade da cena musical independente, os integrantes da banda Mombojó decidiram alternar um pouco as ordens do lançamento fonográfico convencional por dois motivos. Primeiro, pela mudança que vem acontecendo na forma do consumo de música, na qual muitas pessoas tendem a não escutar o álbum na íntegra. E, segundo, por uma questão geográfica. Os cinco músicos estão morando em três estados diferentes: Felipe S. (guitarra e voz) em São Paulo (SP), Chiquinho Moreira (teclado e vocoder) entre São Paulo (SP) e Recife (PE), Vicente Machado (bateria e voz) e Missionário José (baixo e voz) em Recife (PE) e Marcelo Machado (guitarra e voz) em Serra Grande (BA).

Mas, como já dito, eles gostam de mudança. Então, até o MMBJ12 sofreu algumas adaptações. Inicialmente, a ideia era lançar nove clipe/singles para juntar com outras três músicas inéditas e prensar o vinil. Isso foi alterado. Por causa da Data Limite, teoria do médium Chico Xavier, que diz que em 20 de julho deste ano acontecerá uma reunião de potências celestes para verificar o avanço da sociedade terrena, e, coincidentemente, por também ser a época da 40ª semana de gestação da mulher de Felipe, um décimo clipe/single foi adicionado. E será lançado exatamente no dia 20 de julho. Agora, portanto, o disco será prensado a partir da junção de dez clipe/singles com outras duas músicas inéditas.

Além disso, o nome do disco vai ser mudado no final de todo o processo do MMBJ12. Mas, sobre isso, sobre ETs, o projeto, o lançamento de “Anjo que nasce homem”, a banda, o mercado independente e outros assuntos, conversamos com Felipe S. para saber um pouco mais. Confira abaixo.

“Anjo que nasce homem” é o sétimo single lançado no projeto MMBJ12. A música fala sobre intolerância, ódio e falta de empatia da sociedade. Fale um pouco mais sobre ela.

Essa música foi composta no primeiro semestre deste ano. Era uma vontade minha de fazer uma autocrítica, como homem hétero, das condições que a gente vive, em que as pessoas tendem a criticar ganhos de direitos sociais da comunidade LGBTQ+. Ouço muitas pessoas falando sobre “mimimi”, dizem que eles “reclamam muito” e que não existe preconceito no Brasil. Eu, como cantor e compositor, quero estar do lado do movimento LGBTQ+, mas, claro, que no meu lugar. Eu pensei em uma primeira pessoa para falar sem fugir da minha condição, fazendo uma autocrítica de alguma maneira, mesmo que abstrata. É difícil ser homem hétero e questionar isso, geralmente a gente só silencia e se cala. São 500 anos de violência que a gente sofre nesse país e as pessoas não conseguem rever esse discurso.

Durante o projeto, os clipes não têm dialogado diretamente com as músicas. É o caso desse novo single também?

As histórias que acontecem dentro da sequência de imagem são um pouco paralelas as que acontecem dentro da sequência das músicas. Nesse clipe até tem uma proximidade porque um dos personagens vai passar por uma sabatina, uma autocrítica hétero cis, dentro de uma bad trip de ácido, em que ele começa a conversar com ele mesmo. Ele estava numa conversa com outras mulheres, então, depois, nessa bad trip, ele fica nessa conversa com ele mesmo.

Capa do single “Anjo que nasce homem” (Arte: Arquétipo Rafa)


Sobre o projeto MMBJ12. Como surgiu a ideia de lançar o disco dessa forma, com um single/clipe por mês?

A partir do momento que a gente estava dividido em várias cidades, ficamos pensando em um plano para movimentar as coisas. A gente estava com algumas dificuldades para organizar shows e coisas do tipo, então a gente meio que juntou o modo como as pessoas mais consomem música hoje em dia, que é recebendo música mês a mês, sem consumir disco na íntegra, e também nos aproveitamos das facilidades que as tecnologias nos proporcionam de cada um gravar na sua própria cidade. Isso foi uma coisa que nos fez criar mais. Antes, a gente estava esperando se juntar para fazer um disco. Aí, em algum momento, bateu esse estalo e a gente resolveu começar a fazer. Fomos nos adaptando para que a coisa começasse a render mais, nesse panorama de estarmos morando em cidades diferentes.

Quando surgiu a ideia do projeto, as músicas já estavam compostas ou as composições estão surgindo no decorrer dele?

As músicas já existiam antes, mas não tinham um arranjo geral. Tinham um arranjo individual, mas não tinham um arranjo da banda. Mas algumas eu criei durante o projeto também. É uma loucura e está sendo bem divertido. “Plano B” eu criei um mês antes de gravar. Foi meio pensada para fazer sentido com o filme. A gente achou que as informações das músicas estavam ficando dispersas com o filme, então eu pensei em fazer essa música.

Vocês anunciaram que vão lançar nove músicas e depois juntar com três inéditas para prensar o vinil. Como vai ser o fechamento dos clipes?

Na verdade, a gente decidiu lançar dez e depois dois clipes, para finalizar o vídeo, e não nove e depois três, como tínhamos planejado e anunciado. Eu fiquei muito marcado com a história da Data Limite, que o Chico Xavier falou que os seres humanos vão fazer contato com os ETs. E também é a data que em que minha esposa faz 40 semanas de gestação. Então, eu fiquei pilhando a galera para lançar uma música nesse dia (20 de julho), para entrar nessa onda louca, porque eu acho que dá para fazer uns paralelos legais com a loucura que a gente está vivendo agora, com o planeta meio em frangalhos, e em que os ETs acabam virando tipo uma solução de ejetar. Mas é uma música que a gente vai criar ainda. Em julho, a gente vai lançar essa décima e depois só vamos lançar as outras duas quando formos prensar o vinil. Elas vão ser inéditas. Quando soltarmos o vinil, a gente vai soltar já o filme (média-metragem) na íntegra.

Como tem sido a parceria com o cineasta Luan Cardoso, que produziu todos os clipes até agora e vai produzir os restantes e o média-metragem?

Ele já é um cara super parceiro da banda. Aí, quando a gente contou do projeto pra ele, ele deu a ideia de fazer um clipe por mês. A gente ficou duvidando, mas ele está conseguindo. Agora, aos poucos, a gente está se juntando mais, porque na primeira, “Ontem Quis”, não era nem a ideia que ele está criando, ele não tinha a ideia ainda. A ideia começou depois, no segundo clipe. Então, o primeiro ele vai encaixar dentro da história, mas, se você for ver, ele não tem o mesmo enredo dos outros, ele é mais um release da banda em formato audiovisual.

– Na canção “Ontem Quis”, o clipe mostra um pouco como os integrantes fazem para ensaiar morando em três cidades diferentes. Como tem sido a composição e produção da banda dessa forma?

Tem sido uma experiência bem enriquecedora porque é algo novo pra gente. Eu sinto que cada um tem um pouco mais de liberdade. Tem um pouco mais de surpresa envolvida, porque a gente não participa do que cada um vai fazer. Como a gente está fazendo em um tempo muito curto, não está dando tempo nem de cansar da música. Desse jeito a gente está dando mais liberdade e confiando mais no nosso entrosamento – até por ser 18 anos de banda já – e se deixando mais solto para cada um ir se enfiando na música. A gente vai trocando os sons e ideias por WhatsApp e dizendo o que cada um pode mudar. Está sendo muito legal, acho que a gente conseguiu um desprendimento positivo, alguns hiatos que a banda teve aconteceram pelo fato de a gente ficar esperando uma “situação ideal”. Eu acho que quando entrou o momento que a gente precisava se movimentar, ou então a banda ia enfraquecer muito, a gente adaptou para esse modo e começou a produzir mais. É bacana também, para não ficar tão engessado, tão dependente da “situação ideal”.

Vocês tiveram a participação do Lenine no vocal de uma das músicas, “Nunca Vai Embora”. Como aconteceu a aproximação de vocês? Como é para vocês ter a participação de Lenine?

A gente acompanha o trabalho do Lenine desde antes dos anos 2000, quando todo mundo era adolescente e tal. É uma referência da base da nossa história. Foi um presente porque a gente já estava muito empenhado fazendo uma produção com o filho dele, o Bruno (Giorgi), que a gente admira pra caramba. Em “Nunca Vai Embora”, ele chegou lá para conversar com o Bruno, dar um abraço no filho, deixar alguma coisa pra ele, sei lá, e ele é muito amigo da minha família. Ele começou a tocar na mesma época que os irmãos do meu pai, tiveram banda na adolescência juntos (Flor de Cactus), então ele contou várias histórias sobre meu avô, que eu nem conhecia muito bem. E nesse clima de proximidade, eu mesmo joguei a ideia: “pô meu, a gente está aqui, somos seu fã, não topa, não, colocar uma voz na música?” Aí ele, “claro!” Uma semana depois, a gente voltou para o Rio de Janeiro, ele gravou e ampliou pra caramba a melodia da música, porque ele tem muito domínio. Eu me senti como se tivesse composto a música do Danoninho, aquela música que qualquer criança toca. Aí ele pegou aquela mesma melodia e transformou em um Miles Davis.

“Cometa Mambembe” (Carlos Pitta/Edmundo Carôso) foi a única releitura até agora. Por que a escolha dessa música?

A gente já estava querendo tocar a algum tempo e estava chegando o Carnaval, então a gente achou que era a hora. E fluiu, foi bem bacana, principalmente nos shows no Nordeste. É uma música que eu tenho um magnetismo, sou bem viciado. Tem um bloco de Carnaval, de Olinda, chamado “Eu acho é pouco”. Quando eu ouvi a versão deles dessa música, fiquei muito encantado. A primeira versão que eu ouvi, de Carlos Moura, é uma versão bem anos 1980, mas aí quando eu ouvi uma banda de frevo tocando, bateu uma química e eu fiquei pensando que seria legal a gente fazer uma versão nossa.

Vocês falam sobre relacionamentos, saudades do mar, de amor, mas também falam do momento social e político do Brasil. Como é para vocês, como banda independente, esse cenário do país?

É muito louco, porque agora eu tenho noção quão favorável era o momento cultural que o Brasil vivia no começo do Mombojó (2001). A gente foi muito beneficiado pelas políticas culturais. Na primeira gestão do PT em Recife, a gente teve nosso disco via lei de incentivo cultural da cidade. A gente pegou uma época que tinha muito festival e muita coisa favorável. Agora é triste ver que o país, democraticamente, está escolhendo um governo fascista, ditatorial, racista. A gente está optando por isso, é mais triste até que na época da ditadura (Ditatura Militar, 1964-1985), que era uma coisa imposta, em que se lutava contra isso. Agora a gente luta contra nós mesmos. A sensação que eu tenho é que eu preciso manifestar minha opinião agora, porque se não vai ser uma omissão que vai pesar como arrependimento para o resto da minha vida.

Em uma entrevista que você deu em setembro do ano passado, você comentou sobre um possível lançamento com Laetitia Sadier (Stereolab) como uma banda, e não a junção de Mombojó com ela, como fizeram em “Summer Long” (2017). Este projeto está em andamento?

A gente está com esse plano já faz um tempo. Mas estamos nos adaptando muito à agenda dela e a possibilidade dela vir para o Brasil. Agora o Stereolab acabou de voltar, então eu acho que vai demorar um pouco mais. O processo está em andamento, a gente já tem algumas músicas feitas. Ela conversou com a gente que, quando tivéssemos um disco todo pronto, a gente tentaria negociar lançamento, para começar a fazer show.

Mombojó começou a carreira há 18 anos, de forma independente, chegaram a trabalhar com gravadora e estão novamente trabalhando de forma independente. Quais as diferenças do mercado da música independente vocês enxergam nessas quase duas décadas?

Acho que a grande diferença é que agora existe a obrigatoriedade da autonomia. A gente ainda pegou a época em que o artista tinha muita gente cuidando, você tinha menos funções. Hoje você precisa fazer quase tudo, e eu acho um movimento legal para os artistas. Quem não consegue ter essa autonomia, não consegue sobreviver, não consegue ter uma continuidade, lançar vários discos, viver de música. Eu acho que a internet tem algumas “ilhas” que dá o efeito de que alguns artistas têm público grande, mas ninguém conhece. A internet só ajudou a gente ter essa nossa “ilha” e transitar com outros artistas, e estou aí há 18 anos só vivendo de música.

E nessas quase duas décadas, quais mudanças aconteceram na banda?

O Mombojó do início era uma outra história. A gente tinha um instrumental diferente, com muitos instrumentos acústicos e, também, a gente era mais “leve”, ninguém pagava conta, éramos jovens, morávamos na casa dos pais. Algumas pessoas dizem que querem que o Mombojó volte a ser o que era. Então pague minhas contas todo mês, que eu voltarei a ser o que eu era, porque agora a minha cabeça é totalmente diferente, não tem como. Depois da morte do Rafa (Rafael Torres, morto em 2007 vítima de ataque cardíaco), logo em seguida o Marcelo Campelo saiu da banda, porque os dois eram meio que uma dupla, então entramos na formação atual, um quinteto, com voz, guitarra, baixo, bateria e teclado.

Quais são as previsões de lançamento e quais datas de shows já tem marcadas?

Dia 20 de julho a gente solta o último single, na expectativa que os extraterrestres cheguem no planeta Terra. Logo depois a gente vai lançar o vinil do Nadadenovo (2004) e fazer um show de comemoração de 15 anos de lançamento. A formação de instrumentos vai ser a mesma que era antes, violão sete cordas, cavaquinho, flauta. Do jeito que a gente fazia no começo. Depois, vamos fazer o vinil do projeto MMBJ12. Mas esse nome provavelmente vai mudar. Esse nome foi como se fosse o nome que eu escolhi para abrir uma pasta e colocar todo mês uma música. Depois que tiver com as doze músicas, vou refletir sobre elas e achar um título.

26/04/2019

rafaeldonadio@gmail.com
Rafael Donadio

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