Exclusivo | PAPISA responde Kevin Parker na canção “Homem Mulher”

13/03/2020

Powered by WP Bannerize

Brenda Vidal

Por: Brenda Vidal

Fotos: Filipa Aurélio/Divulgação

13/03/2020

“Cause I’m a man, woman [Porque eu sou um homem, mulher]/ Don’t always think before I do [Nem sempre penso antes de fazer]/ Cause I’m a man, woman [Porque eu sou um homem, mulher]/ It’s the only answer I’ve got for you [Essa é a única reposta que eu tenho para você]“. Em 2015, com esse refrão, o Tame Impala, projeto capitaneado por Kevin Parker, lançou a canção “Cause I’m a man”, single do álbum Currents lançado no mesmo ano.

*

Esses e outros versos causaram certos incômodos, principalmente na parcela de fãs do Tame Impala formada pelas mulheres. “Cause I’m a Man” foi questionada por parecer corroborar com discursos patriarcais e machistas, como os de que homens teriam permissão para errar e serem inconsequentes, apenas por serem homens. Quem também compartilhou desse desconforto foi Rita Oliva, que lidera o projeto PAPISA. Sua composição “Homem Mulher” surge das reflexões a partir de “Cause I’m a Man”, como uma resposta – aberta ao diálogo – para o artista australiano, e começou a ser performada apenas nos shows. Agora, ela revela a gravação oficial da canção; ouça abaixo:

PAPISA vai celebrar o lançamento no próximo dia 28, às 20h, em um show no Sesc Santo Amaro, em São Paulo, com participação especial de Luiza Lian. Os ingressos custam R$ 30 e mais informações podem ser consultadas aqui. Aproveitando a novidade, Rita Oliva conversou com a NOIZE sobre “Homem Mulher” e os debates sociais necessários de serem considerados quando se é um artista. Leia, ouça e acesse tudo que vem a seguir:

Rita Oliva lidera o projeto PAPISA (Foto: Filipa Aurélio/Divulgação)

Rita, você não foi a única a se sentir incomodada com os versos e, principalmente, o refrão de “Cause I’m a Man”; muita gente percebeu um discurso machista e sexista na composição. Em entrevistas da época, Kevin Parker lamentou, mas negou que a música fosse machista, disse que o termo “homem” estava mais para o sentido de “ser humano” e que, do fundo do coração, sabia que ele “não era sexista de forma alguma”. Como você entrou em contato com a música pela primeira vez? O que você achou da repercussão e dessas respostas? 
Sempre gostei do trabalho do Kevin Parker no Tame Impala, então ouvi a música quando o disco saiu. Sendo honesta, não fiquei revoltada com a música em si, não senti vontade de denunciar ou algo do tipo. Mas a frase que dá título à música me lembrou de padrões culturais que nos levam a julgar homens e mulheres de formas distintas por suas atitudes e senti vontade de escrever sobre isso. Eu consigo entender o sentido de ser humano para “homem” a que Kevin se refere. Quando eu canto “não vai dar pra eu me segurar” em “Homem Mulher”, estou falando justamente sobre instintos, algo que é comum a todos, porém, historicamente, muito reprimido na mulher. Pode ser verdade que ele não teve a intenção de se justificar por ser do gênero masculino, mas para mim, na época, a frase remeteu a uma permissão social que os homens sempre tiveram para trair dentro de um relacionamento, enquanto a mulher sempre foi duramente julgada estando neste mesmo lugar.  

Não sei se você chegou a ouvir mas, na época, a HAIM, grupo formado só por mulheres, lançou uma versão da música com uma outra sonoridade, mas com a mesma letra; o Tame Impala lançou oficialmente como uma forma de reforçar que a canção não tinha intuito machista. Esse posicionamento te convence? Por quê?
Ouvi a versão da Haim e gosto bastante dela. A verdade é que me interessa menos o julgamento em relação ao trabalho de outros artistas e mais o diálogo que podemos abrir a partir de diferentes pontos de vista. Essa foi minha intenção ao escrever a música. Eu trouxe a frase para um contexto que me incomoda expondo situações que fazem parte do comportamento humano, mas que normalmente não são ditas abertamente, acontecem nas entrelinhas. Acredito que olhando para isso podemos rever nossas próprias atitudes e julgamentos e caminhar num sentido mais equânime que beneficie todo mundo.  

Muitas vezes, quando alguma letra é contestada no meio alternativo e indie por soar machista, os artistas homens alegam que “não tinham a intenção de desrespeitar alguém”. Você acha que essa é uma discussão sobre intenções? 
Não sinto que seja uma discussão sobre intenção, salvo os casos onde a letra é abertamente agressiva e desrespeitosa. No caso das músicas que são mais subjetivas e abertas a várias interpretações, acredito que o ponto seja investigar como o machismo estrutural continua repercutindo na nossa comunicação. Não acho que o caminho da repressão seja produtivo. Precisamos da criação artística livre de censura para que esses assuntos venham à tona, possam ser revistos. Por outro lado, vai ser mais proveitoso se esse questionamento despertar no artista uma vontade genuína de entender o incômodo que causou, ao invés de entrar na defensiva. Quando criamos, e me incluo nessa, muita coisa brota do insconsciente, nossa intimidade fica exposta nas obras. E quando ela se torna pública, passa a mexer com a intimidade e subjetividade de todo mundo, e afeta cada um de uma maneira diferente. Também estou sujeita a tocar em feridas que não são necessariamente minhas – o ponto aqui é ter empatia, procurar entender a dor dos outros e sair da bolha que acreditamos ser a realidade. 

PAPISA e banda durante apresentação (Foto: Filipa Aurélio/Divulgação)

Muito se bate nas letras do funk, mas existem letras machistas em todos os gêneros nos quais homens já compuseram, né? Como você vê esse cenário na cena indie/alternativa brasileira? Você acha que seus colegas homens conseguem aliar discursos progressistas em relação à pauta feminista com suas ações e suas artes? 
A pauta feminista se tornou muito relevante no cenário indie/alternativo nos últimos anos e isso é interessante e necessário, mas não significa que a gente já entendeu o que é o machismo e todas as suas manifestações. Estamos em processo, compreendendo as nuances, ganhando mais clareza de papéis impostos para transformar crenças e comportamentos. Acredito que um dos nossos grandes desafios como sociedade, e sobretudo como ser humano, é alinhar nosso discurso às nossas ações, e ainda existe muita discrepância entre o que é dito e o que é efetivamente feito. Você me perguntou sobre a importância da intenção, lá em cima, e aqui sim, acho muito válido buscarmos a verdadeira intenção por trás de qualquer discurso progressista ou feminista, avaliando se existe um oportunismo em levantar bandeiras para proveito próprio ou se existe uma atitude real no dia-a-dia, na forma de lidar com os outros e de conduzir a própria vida que é coerente com o que está sendo dito. 

Como foi o processo de composição de “Homem Mulher”? 
A música foi escrita há alguns anos, quando eu ainda fazia parte do Cabana Café, banda que toquei por muitos anos. O Rafa Bulleto era meu companheiro de banda na época e mandou uma base instrumental para o que seria uma música do Cabana. Eu coloquei letra e melodia mas acabamos não gravando na época, então eu passei a tocar a música como PAPISA quando lancei o projeto. Para a produção da faixa, gravamos como banda em contrapartida ao processo solitário do disco. O instrumental foi captado no estúdio da Desirée Marantes, com bateria pela Theodora Charbel e baixo pela Stéphanie Fernandes, musicistas que tocam comigo há quase dois anos. O vocal gravei em casa, como no disco. A mixagem foi feita pela Alejandra Luciani e a masterização pela Florencia Saravia, a mesma equipe que finalizou o Fenda (2019).  

Show da turnê de Fenda (Foto: Filipa Aurélio/Divulgação)

Comenta com a gente alguns pontos da letra de “Homem Mulher”? O título até inspira alguma ambiguidade, isso foi proposital? Você canta a partir de um ponto de vista de um homem ou não? 
Sim, a ambiguidade é proposital. Como disse acima, estou trazendo à tona alguns comportamentos ocultos que continuamos repetindo, muitas vezes inconscientemente. A primeira parte é cantada na perspectiva de um homem. As frases “Uma mulher para casar, outra pra comer”, “Você vai fingir que eu me redimi, e eu vou te amar” remetem a um costume antigo e obsoleto onde o homem faz o que quer e a mulher aceita, em troca de afeto, muitas vezes por medo de sair do relacionamento. Na segunda parte da música, a perspectiva não é necessariamente de um homem, então brinca com a possibilidade de que os papeis sejam invertidos.  Quando canto “faz que não me quer, que eu me entrego pra você”, falo sobre a manipulação e os jogos de conquista. “Se encaixar, posso até me envolver” é sobre a liberdade sexual que existe atualmente e da possibilidade de encontros casuais levarem a um envolvimento mais profundo, ou não. “Quero uma boca qualquer, que não me deixe esquecer que eu sou um homem-mulher” fala justamente sobre nosso lado instintivo e animal que busca prazer e é comum a todos.

Capa de “Homem Mulher” (Foto: Filipa Aurélio / Arte: Thata Jacoponi)

Você está gravando uma canção que só era apresentada em shows justamente pelo sucesso de recepção do público. Quais feedbacks da galera mais marcaram você?
Sinto que as mulheres possuem uma grande identificação com a música, muita gente me fala dela, então é de fato um assunto relevante que toca em pontos sensíveis. Falar sobre isso pode ser libertador, por isso continuamos tocando até hoje no show e resolvi lançar a faixa. Fora isso, gosto da canção em si, do clima da música, de como ela flui. Por isso gravamos praticamente ao vivo, com banda, justamente para dar a sensação que temos ao tocá-la no show. 

Tags:, , , , , , , , , , , , ,

13/03/2020

Brenda Vidal

Brenda Vidal