Faixa a Faixa | Julia Branco lança “baby blue”, produzido por Ana Frango Elétrico

15/08/2023

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Renan Guerra

Por: Renan Guerra

Fotos: Sillas H. / Divulgação

15/08/2023

Cantora, compositora e atriz, a mineira Julia Branco engravidou entre pandemia e isolamento social, nesse intervalo de quase suspensão do tempo em que vivemos nos últimos anos. Com o nascimento da filha Cora, a artista trouxe novos tons para um tema recorrente em sua obra: o tempo. Soltar os Cavalos (2018), o seu primeiro disco, carrega um olhar atento sobre o seu próprio amadurecimento e sobre o tempo que despendemos ao outro, já em baby blue, seu novo disco, lançado em agosto, o tempo é visto pelos olhos da mãe, mas também pelo olhar infantil de quem redescobre o mundo ao lado de uma criança.

Com produção musical de Ana Frango Elétrico, baby blue traz composições da própria artista, ao lado de parceiros como Bruno Cosentino, Siso e Guilherme Lírio, além de uma regravação de Caetano Veloso (“Lost in the paradise”) e uma composição inédita assinada por Arnaldo Antunes e Márcia Xavier (“Infinito”). Lançado pela dobra discos, com distribuição da Altafonte, o disco, já disponível nas plataformas de streaming, ainda deve ser lançado em fita-cassete e em LP. Para a Noize, Julia Branco contou um pouco sobre o nascimento e o desenvolvimento de cada uma das canções do disco – e é interessante como cenários, acontecimentos e encontros movem essa produção. Confira abaixo o faixa a faixa:

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“In / to Cora”: introdução com vozes minhas e da Cora. Ela devia ter uns seis meses, estava com uma gargalhadinha muito de bebêzinha. Eu tenho o hábito de gravar as nossas vozes, de ter isso registrado para mostrar para ela no futuro. Achei esse áudio muito gostoso de ouvir e mandei para a Aninha. Achamos que seria uma introdução perfeita. Gosto que o disco comece com gargalhadas, com uma aposta na alegria (“meu compromisso é com a alegria”, no matter what, hehe). Me lembra também aquelas introduções das músicas do Jorge Ben, que trazem um conforto, uma proximidade… A gente brinca que é a primeira parceria da Cora com a Ana.

“Baby blue”: é nossa faixa título cremosa! Uma parceria com o Bruno Cosentino, artista que admiro muito e era doida para ter uma composição junto. Bem no começo da pandemia, naqueles meses obscuros de 2020, o Fábio Lamounier, que é músico e trabalha com vídeos, me convidou para um projeto na internet chamado “mi-ra”. Ele criava um vídeo em cima de um texto, uma música ou um poema em parceria com um artista. Eu acabei fazendo um esboço de uma canção para esse projeto, que chamei de “trocando de pele”. Chegou 2021, engravidei e, já no movimento do novo disco, mandei esse esboço para o Bruno. Lembro que contei para eleque queria que o disco soasse um pouco como Marvin Gaye, então ele me enviou uma melodia linda e novos versos que levaram a canção para outro lugar. Por eu estar grávida, trouxe outro assunto para a canção (embora na antiga versão, de 2020, tinha a frase “o mundo inteiro num grande puerpério”, coincidências loucas…). As palavras “baby blue” vieram do Bruno e eu adoro que tenha tantos sentidos. Para quem não sabe, “baby blues” é aquele momento pós-parto em que ficamos melancólicas e assustadas, por conta de uma queda hormonal (e mudança radical de vida radical). Ao mesmo tempo, o gênero musical “blues” está ultra presente nas referências que busquei para o disco. E, “baby blue”, no singular, leva para outro lugar… A cor azul, que sempre me identifiquei, está em muitas coisas. Soltar os cavalos, o meu primeiro disco, é azul. A minha mãe, quando estava grávida de mim, escreveu um livro chamado “Julia-Toda-Azul”. A a minha filha, Cora, tem os olhos azuis da cor do mar, ela é minha bebê azul. Baby também é um apelido carinhoso, né? Pra um romance, pra uma amiga…

“Fim e Começo”: uma música sobre estar grávida. De uma criança, de um disco, de um novo momento. Quando eu estava reunindo o repertório deste novo trabalho, recebi uma base instrumental do Siso, que já é meu parceiro em um single que lancei em 2020 (“A onda”). Eu já estava grávida de quase três meses, naquele auge de enjoo e alegria, de medo e empolgação, sentindo um milhão de coisas. Queria falar sobre aquele estado corporal tão absurdo e cheio de contradições, mas, ao mesmo tempo, apontar para um caminho de alegria com o refrão “eu vou me abrir / pra você chegar / o mundo todo vai parar / só pra você nascer”. Acho que “Fim e começo” tem cara de abertura de um novo capitulo, de fim & começo de ciclo, de um turning point. O meu primeiro disco é de 2018, já tem um tempinho, né? Depois disso veio uma pandemia e uma gravidez. Tudo mudou para mim. Acho que essa música fala sobre a transição de um estado para outro. Lançar um novo trabalho não deixa de ser uma forma de parir, de colocar uma nova coisa no mundo (e também de se despedir de uma fase). Sinto que essa canção traduz muito isso, além de ter uma sensação de “abrindo os caminhos”.

“Silêncio”: é a primeira música que fiz no violão! Tenho orgulho disso porque estou aprendendo a tocar um violão capenga até hoje , risos e choros. Queria ser mais constante com o estudo de um instrumento, mas ainda é complexo. Era janeiro de 2020, a minha mãe morava em Salvador, num apartamento pequeno na praia do Buracão, quase em cima do mar. Peguei o violão e comecei a fazer uns acordes simples. A letra foi vindo naturalmente, sem pensar muito – isso também foi meio novo para mim, porque sempre compus a partir da letra. Lembro que fui anotando os versos, gravando no celular e a música tinha algo melancólico. Me veio algo como “essa canção é sobre ter conversas difíceis nos relacionamentos”. Quando começamos o processo do disco, o Guilherme Lírio ficou responsável por fazer as harmonias – além de tocar baixo e guitarra nas músicas. A harmonia do Gui trouxe “Silêncio” para um outro lugar. Ela ficou muito mais vibrante, dançante e sexy. E o que o Gui trouxe foi tão determinante que percebi que ele já era parceiro da canção. 

“Tempo Lento”: faz parte do grupo de canções que começaram a nascer quando eu estava passando um período em Massarandupió, perto de Salvador. Bem no começo de 2021, naquele momento em que o mundo fechava novamente, fui para ficar um mês, fiquei quatro, voltei grávida. Comecei a fazer a música na tentativa de me desacelerar. A gente estava entrando novamente em uma fase complexa da pandemia e eu sentia uma urgência louca de produzir, de não parar, senão seria esquecida, aquela coisa. Também me lembro de estar muito angustiada (acho que ainda me sinto assim) com o excesso de conteúdo. O fato da minha geração ser uma geração do “entre” – meio analógica, meio digital – e de eu me sentir meio “sem lugar” quando a pandemia aconteceu (afinal, qual futuro seria possível diante de tanto horror?), me dava vontade de fazer um disco que refletisse sobre o tempo. “Eu sou do tempo em que tudo era lento” é uma referência à minha geração que viveu grande parte da vida sem celular, sem FOMO (fear of missing out, ou melhor dizendo, medo de perder alguma coisa). E o trecho “só acredito no meu movimento, o que é pra ser vai existir” é uma espécie de mantra pra mim mesma, que sou normalmente tão ansiosa com tudo.

“Infinito”: é uma música do Arnaldo Antunes e da Marcia Xavier. Arnaldo é um farol, referência imensa e um querido que sempre esteve perto do meu trabalho. Já cantamos juntos na banda que eu tinha (Todos os Caetanos do Mundo), já abri um show para ele e ele foi super importante no meu meu primeiro disco, pois foi uma das primeiras pessoas que ouviu, comentou. Em abril de 2021, escrevi para ele por e-mail. Contei que estava grávida, que estava prestes a gravar um disco novo e que tinha um tema do “tempo” me rodeando Ele, muito fofo, me enviou cinco canções, quase todas inéditas. Foi um delírio receber aquela pastinha com demos, as canções todas cruas, ou só na voz ou com um violão. Lembro que amei todas, fiquei na dúvida sobre qual escolher, mas “Infinito” me fisgou. É uma canção dificílima de cantar, apanhei! Para mim, é um poema e tem um “movimento circular” presente o tempo todo, nos versos, na melodia. Reflete o que vivemos no isolamento social – todo dia parecia igual ao outro, a gente sempre em casa, em looping. Depois que a minha filha nasceu, essa música trouxe a sensação do começo puerpério, em que parece também que estamos vivendo um único dia, sem pausas. Eu a acho um respiro do disco, que tem toda uma sonoridade mais “cheia”, de banda. É também uma das músicas que mais se conecta com meu trabalho anterior, a palavra no centro de tudo.

“Quase te esqueci”: há alguns anos, troco e-mails com o Caetano Veloso. Caetano é o ídolo-mor, minha estrela guia, meu farol. Nos conhecemos em 2009, no dia 2 de fevereiro, quando a minha mãe fazia um filme com a Maria Bethânia. O filme não foi para frente, mas desse encontro nasceu a faísca para formar a minha primeira banda (Todos os Caetanos do Mundo) e para iniciar um caminho profissional na música. Desde então, escrevo para ele. Muitas vezes, ele me responde, muitas vezes não (afinal, lógico, ele é o Caetano, kkk), mas das nossas trocas de e-mails já nasceram muitas coisas. De encontros a lampejos de música. Escrevi essa letra logo após escrever um e-mail para ele. Já não me lembro mais do que o e-mail se tratava, mas a música me veio a partir da ansiedade natural que sempre sinto quando escrevo para o meu maior ídolo. Ele vai me responder, vai me ler, vai me achar uma boba? As palavras da canção também vieram de um insight poderoso que tive ainda no processo de Soltar os cavalos, que tem a ver com a necessidade de relaxar um pouco para as coisas poderem acontecer. Sabe quando você está muito a fim de alguém e fica na expectativa da pessoa te ligar para sair e nada acontece? E aí, justamente quando você dá uma “esquecidinha”, a pessoa que você tá paquerando te procura? É meio isso. Fiz uma letra pensando na mágica que acontece quando a gente esquece ou quando relaxa.

“Lost in the Paradise”: quando iniciamos as gravações deste novo disco, Ana comentou que, apesar das referências iniciais serem Marvin Gaye e artistas do soul & jazz americano, tinha algo nas músicas (e nos caminhos que estávamos traçando) que era bem brasileiro. Comentamos sobre a influência de Gil, Rita Lee, Novos Baianos e Caetano, nessa fase mais 68, 69, 70. Eu e Ana adoramos muito o disco Caetano Veloso, aquele álbum branco, de 68. É um disco muito louco, cheio de referências e grandes canções e, já no estúdio, comentei com Ana sobre o meu desejo de gravar “Lost in the paradise”, canção meio lado b do Caetano, gravada somente por ele e por Gal. Ana adorou a ideia, achou tudo a ver. Me dei conta como a letra tem a ver com o assunto do disco. Tem todo aquele papo de que ser mãe é padecer no paraíso, mas, na minha opinião, tem muito mais a ver com ficar perdida no paraíso. Eu amo a versão que fizemos para essa música! Acho ela super world music, acabou ficando um pouco Marvin Gaye, a meu ver. E acho que ela marca um desejo que eu também tinha de gravar em inglês, embora seja uma música tão brasileira. “Just let me say who am I”, essa frasetem tudo a ver com a perda de identidade que a gente sente após se tornar mãe. E toda essa névoa que fica por um tempo (ainda sinto), sem saber muito onde estou, pra onde ir. Gosto também que tenha uma música do Caetano logo depois de ter uma faixa, no disco, que nasceu por conta dele.

“Fora da curva”: grande parte dessa canção broto quando eu estava em Massarandupió, um pouco antes de engravidar. Acho que essa música conversa com algumas do meu primeiro disco. Tem algo a ver com um sentimento constante que tenho de inadequação nos lugares, de me sentir meio peixe fora d’água, meio atrapalhada com a vida adulta. É uma música que fala sobre a dificuldade de se encaixar no sistema. E que também faz uma defesazinha ao sentimento de dispersão (sempre dispersa, mas atenta ao que interessa). O encontro com o Guilherme Lírio no estúdio foi fundamental para essa canção se tornar o que ela se tornou, por isso ele também se tornou parceiro dessa. Acho que a influência da Rita Lee também está bem evidente, ela é meu outro farol da música. Embora grande parte da música tenha sido feita antes de eu me tornar mãe, gosto de pensar essa canção hoje abraçando a camada da maternidade. O que é ser uma mãe fora da curva? Que não cabe no sistema? Louca da silva? Acho que é uma música de liberdade feminina, de certa forma. E, também, de abraçar quem se é.

“Ponto de virada / Carta para o futuro”: Essa foi a minha primeira canção dedicada a Cora. Não é à toa que ela fecha o disco. Quando estava grávida, fiquei tempos com essa melodia na cabeça, por um bom tempo sem letra. Quando comecei a fazer a letra, foi de uma vez. Eu adoro a expressão “turning point”, do inglês, que tem a ver com aquele momento de fim de um ciclo, para começo de outro. Normalmente as pessoas usam com relação a carreira. Turning point pode ser aquele momento em que um artista está prestes a “virar”. Um pop star? Mais conhecido? Tipo isso. Mas a gravidez também é um turning point, pois depois que o filho nascer, nada será como antes. Brinco com o paralelo filhos & discos (tô cheia de perguntas, de discos pra criar). A música mudou bastante a partir da harmonia proposta pelo Gui e por isso ele também se tornou parceiro. A ideia da “Carta para o futuro” veio depois, através de uma ideia da Julianna Sá. Acredito que os textos e as palavras faladas são uma marca do meu trabalho. E eu fiz uma carta para a minha filha, Cora, mas também para o nosso futuro.Tem uma brincadeira com outra carta, que é a “Carta aos 30 anos”, do meu primeiro disco. E eu amo que a gente fecha o disco com essa carta, porque acho que ela aponta para o meu próximo trabalho. O disco se fecha sem fechar. Ele abre para a próxima coisa que ainda não sei o que é. Meu futuro, o da Cora, o nosso. Sim. 

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15/08/2023

Renan Guerra

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