Gordon Raphael

16/03/2010

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Por: Revista NOIZE

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16/03/2010

Este NA ÍNTEGRA mostra a entrevista completa com Gordon Raphael, produtor de três discos dos Strokes, que  fala da sua trajetória – e principalmente de seu trabalho com os nova-iorquinos, donos do álbum da década que passou.

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Parte desta entrevista foi publicada com a matéria sobre a época de Is This It, presente na NOIZE #31, disponível na web e nas ruas. Aqui você conhece mais sobre o produtor e sua relação com a música, com as cidades em que viveu e com os Strokes. Raphael morou em Seatle no início da década de 1990 e, desde que conheceu a turma de Julian Casablancas e produziu o primeiro EP do grupo, The Modern Age, em 2000, acumulou numerosos trabalhos, como a produção de Soviet Kitsch, de Regina Spektor.

Uma pergunta direta: Is This It é o disco da década?

Absolutamente, absolutamente. Para mim, antes de Is This It, a guitar music, o rock ‘n’ roll, essa coisa toda estava quase acabado. Eu sabia que em Nova Iorque e em Londres havia pouquíssimos lugares para se tocar ao vivo, eram na maioria lugares para se ouvir discos e DJs e toda essa cultura. E depois que Is This It foi lançado, centenas e centenas de bandas começara, garotos tocavam guitarra, jovens que cresceram indo a raves, ouvindo techno music e acid jazz de repente começaram bandas de rock. Ainda hoje a um show em toda esquina, em cada cidade do mundo hoje à noite, e ontem, e amanhã, com bandas de rock tocando em toda cidade, em todo quarteirão. Uma coisa que posso dizer é que quando a banda tocou ‘Take It Or Leave It’ – e gravamos aquilo ao vivo – eu senti que tínhamos feito uma obra de rock ‘n’ roll monumental, que era exatamente o tipo de som que eu vivo para ouvir. O solo de Albert naquelas músicas, e o impacto vocal de Julian, me causaram um sentimento de imenso poder e liberdade que durou por anos!

Você viveu em Seatle durante a explosão do grunge, certo?

Sim, no início da grunge explosion eu estava morando em Nova Iorque, então me mudei para Hollywood e quando voltei para Seatle a explosão do grunge estava indo a toda. Então, eu vi o primeiro show do Pearl Jam, na Califórnia, quando eles se chamavam Mookie Blaylock [Nome de jogador de basquete profissional]. Eu também vi o primeiro show do Alice in Chains na Califórnia, e eu vi o primeiro show do Nirvana em New York, num club pequeno chamado Pyramid.

Você é de New York ou de Seatle?

Eu nasci em New York, mas cresci em Seatle. Tentei mudar para New York em 1988, mas não me dei muito bem e tive que voltar para casa. Tentei de novo dez anos depois e foi tudo tranquilo.

E como seu tempo em Seatle e essa experiência próxima com o grunge contribuem para sua relação com a música?

Bem, eu trabalhava em Seatle por muitos anos, como músico. Mas foi durante a grunge era que, finalmente, depois de passar por muitas bandas, eu tive meu primeiro contrato assinado, com uma banda chamada Sky Cries Mary. E foi maravilhoso, porque conseguimos excursionar e foi o máximo, porque fizemos tours por todos os EUA, e pelo Japão e Canadá, e pudemos gravar discos, e conseguimos fechar contratos de distribuição. Aprendi muito sobre gravação no porão porque finalmente tinha dinheiro para comprar equipamentos.

E a estética grunge influenciou de alguma maneira teu trabalho como produtor?

Humm, não exatamente a estética grunge, porque eu já havia passado pelo punk rock no fim dos anos 70 e início dos 80, e aquilo tinha sido como “cara, você pode fazer qualquer coisa, você não precisa ser um músico perfeito, você pode apenas se expressar, e fazer isso de maneira direta”. Para mim o grunge era uma combinação de rock pesado e punk rock e eu estava muito familiarizado com esses dois tipos de música.

As bandas que você gosta de produzir são em geral as que se identificam de alguma forma com essa filosofia?

Não necessariamente, mas eu lembro de muitas aulas importantes do punk rock que eu usei mesmo quando produzindo uma linda cantora como a Regina Spektor [Gordon produziu o álbum Soviet Kitsch, terceiro disco da soviética naturalizada americana, de 2004.] Quer dizer, ela não se parece com Soundgarden ou Mudhoney, mas no disco que produzi com ela, há algumas distorções, alguma energia e uma emoção direta que é familiar a todas aquelas outras coisas. Algo humano.

Tendo morado em Nova Iorque por tantos anos, a cena de lá sempre mantém a efervescência que a notabilizou?

Bem, era efervescente, eu não sei o que está acontecendo hoje em dia [Gordon mora em Berlim desde 2005]. Certamente no fim dos anos 70 era muito efervescente, e nos anos 60 um pouco, nos anos 80 era o máximo, e daí houve um momento nos anos 2000 que havia algumas bandas como Interpol, Strokes e talvez The Rapture e Yeah Yeah Yeahs. Por muitos anos, dos anos 60 aos anos 90, parecia que o único lugar a que um músico americano poderia ir para conseguir a atenção das gravadoras seria Holywood, em LA, ou Nova Iorque. Então todo mundo que tentava se levar a sério tentava se mudar para essas cidades. Então você tinha várias pessoas sérias e talentosas indo a Holywood e Nova Iorque ao longo dos últimos 60 anos.

O que você pensou da música do Strokes na primeira vez que foi a um show deles?

Na primeira vez que os vi eu pensei “uau, eles tem um visual muito bom e agem com muito autoconfiança, como se acreditassem que são os reis”. Gostei de ver Fab tocar bateria, porque ele estava tocando tão fisica e intensamente que parecia que ele ia arrancar sua cabeça fora a cada batida. Parecia que ele estava assassinando a bateria. Mas eu não pensei muito na música, nem fiquei muito impressionado com eles. Só que eu precisava trabalhar, e chamava todas as bandas até o meu estúdio para fazerem uma demo. Óbvio que eu aprendi a amá-los e a achar sua música fantástica à medida que trabalhava com eles.

Como foi o processo de produção de The Modern Age? Eles eram hesitantes ou resistentes à produção?

Não, eles estavam um pouco em dúvida antes de começarmos, diziam que tinham tido muita má sorte nas tentativas anteriores de gravar, e não achavam que fosse possível conseguir uma gravação boa de verdade. Eu falei para eles, quando os conheci, que se me dessem três dias, eu gravaria três músicas, e achava que ficariam felizes com elas. Eles aceitaram tentar.

Eles dizem que tinham, além dos rocks mais garageiros, músicas mais épicas. Você ouviu alguma delas?

Eles chegaram no meu estúdio, eu não lembrava de nenhuma das músicas do show, eles tocaram “Last Night”, “The Modern Age”, “Barely Legal” e eu pensei “uau, isso parece com o que eu cresci ouvindo, como podem esses meninos conhecerem essa música?”. Ninguém conhecia música desse tipo na geração deles, sabe?

E de onde essas influências estavam vindo?

Depois, ao falar com eles, vi que eles gostavam de Bob Marley. E quando saíamos em viagem, eles ligavam o rádio em estações que tocavam os hits dos 70 e dos 80 e eles todos cantavam juntos, e ficavam muito felizes de ouvir aquelas músicas, gostavam muito da música de rádio mesmo.

Você disse que não ficou impressionado com as músicas deles na primeira vez que os viu…

Quando os conheci, houve outra banda de que eu realmente gostei, e eu nunca ouvi falar deles de novo. Mas é claro que hoje estou muito feliz que eles tenham vindo pro meu estúdio.

Você vê seu trabalho com o Strokes como um acidente?

Sim, foi um acidente, porque eu fui para Nova Iorque trabalhar nas minhas próprias músicas, e comecei o estúdio, para ter uma banda, e sai à procura de qualquer banda que me deixasse gravá-la e me pagaria, para que eu pagasse meu aluguel. Então quando os conheci, eles eram apenas mais uma banda, e mesmo depois de terminar eu pensei “bem, eu gostei muito dessas músicas, mas eu acabei de gravar 100 bandas com três músicas cada e nenhuma delas assinou contrato algum, e nenhuma banda sequer lançou as três músicas”. Eu não esperava muito, especialmente porque naqueles dias a guitar music estava muito fora de moda, prestes a morrer de vez, era o que diziam os jornais.  Então eu pensei “esses pobres garotos, com 20 anos, ninguém vai ouvir sua música. E além disso, ela é tão suja que não consegue competir com a música limpa, eletrônica, super-produzida, com bateria midi, baterias de samples Bob Clearmountain, todas essas coisas que eles não queriam usar.

Você acha que The Modern Age chamou a atenção de Geoff Travis pela mesma razão que o Strokes despertou seu interesse num primeiro momento?

Eu não sei como aconteceu, só sei que James Endicott e Geoff Travis ouviram essa coisa uma vez e pensaram “uau, precisamos lançar isso”. E isso é tão raro, que alguém escute umas poucas músicas e fique empolgado assim, então o EP Moden Age foi lançado e comentado, e as pessoas amaram, e a banda começou a partir daí, toda a ação.

Houve dois momentos, do EP sendo lançado em Londres e da atenção dos EUA voltadas para a banda…

Eles fecharam com a Rough Trade, que lançou a demo original, sem mais mixagem, e então, Albert pegava pequenas caixas de CD e as levava a pequenas lojas de disco, Kims Video foi uma delas, na St. Mark Street. E ele levava os disco e perguntava “Você ficaria com três dos meus discos e os venderia, por favor?”. Então ele estava tentando vender alguns discos em lojas pequenas em Manhattan, de maneira muito indie, muito independente.

E daí para Is This It, o que aconteceu

Aconteceu uma tempestade. Os garotos foram embora e eu não ouvi nada, então esqueci deles. E então, repentinamente, três meses depois, Albert aparece dizendo, “Cara, assinamos contrato na Inglaterra com aquele disco que você gravou para a gente, e na realidade nós vamos sair em turnê por lá, porque fomos escolhidos pela NME como Song of the Week. Então vamos correr para Londres e excursionar pela Inglaterra. Eu pensei “uau, nenhuma banda com que já trabalhei assinou antes, e aqui estão eles, com uma grande tour na Inglaterra, isso é fantástico!”.  Então a próxima coisa que aconteceu foi que a mídia americana começou a escrever sobre eles. E eram revistas como a Rolling Stone, que nunca escrevem sobre jovens talentos, escrevem sobre estrelas, produções milionárias, bandas contratadas por majors. Essa banda tinha contrato com um pequeno selo indie na Inglaterra, mas não eram sequer distribuídos nos EUA. Mas estavam escrevendo sobre eles como “oh, algo está acontecendo, algo está acontecendo!”. Então eles foram pra lá de novo fazer uma tour com o Doves, e fizeram um show em Nova Iorque com eles, e todos os selos de NY estavam na frente do show com suas limusines, tentando contratar a banda naquele momento, 6 meses depois daquele EP. Fui para seu camarim e eles tinham contratos de todas as gravadoras.

E você imaginava que eles iam te chamar de novo, para Is This It?

Eu tinha esperança de que eles me chamassem, mas pensei “agora eles estão fazendo um negócio grande, eles certamente vão escolher um produtor renomado”, sabe?

De onde você tirou aquele som de Is This It, sendo ele um disco dos anos 2000 que não soa como nada da sua época?

Todo mundo que eu conhecia estava usando as novidades do ProTools para deixar o som “grande” e sobrecarregado de samples e camadas adicionais de som. Eu pensei: e se nós apenas gravássemos a banda no meu etúdiozinho, e deixássemos os sons pulando pelo estúdio, como verdadeiros músicos se divertindo e tocando uns com os outros? Eu vinha pensando em Raw Power, do Iggy and the Stooges, porque a versão original daquele disco soa como um completo caos de freak-outs estourados e mal balançados. Também estava vidrado em Skinny Puppy na época, uma banda eletrônica e gótica matadora, de Vancouver; eles me inspiraram a usar distorção nos vocais e a tornar os sons agressivos, impossíveis de ignorar.

Julian, Gordon e um rapaz desconhecido nas gravações de Room on Fire

E além do tempo disponível, que obviamente foi maior, quais foram as principais diferenças entre a gravação do EP e a de Is This It?

Nós trabalhávamos das 15h às 7h do dia seguinte, quase sempre, e as sessões eram intensas e muito, muito concentradas. Uma das principais coisas que aconteceram foi que Fabrizzio decidiu que tentaria ser mais regular na bateria, queria ter certeza que seria o melhor possível. Do tipo, “tivemos três dias para fazer Modern Age e teremos sete dias para fazer Is This It. Podemos ser um pouco mais cuidadosos”. Mas também queríamos manter o som ao vivo, todo mundo tocando ao vivo, e o barulho; queríamos manter a mesma vibe. Havia músicas em que eles queriam que a bateria parecesse eletrônica, mas sendo tocada, na verdade, por Fab. Em outras, eles queriam parecer com uma banda tocando alto e bom rock ‘n’ roll.

Quem ali era o instrumentista mais experiente?

Acho que eram todos parelho, mas Nick Valensi realmente me impressionou de cara, ele tocava coisas doidas na guitarra. Mas também aprendi a apreciar Albert porque ele tocava a base de uma forma fantástica, que fazia o som acontecer, entende? Quer dizer, Nick é óbvio, porque está voando na volta, fazendo coisas legais e complicadas, mas Albert conecta isso à bateria, e mantém tudo físico, feliz, festivo, saca? E quanto mais trabalhava com Julian Casablancas, mais eu percebia que ele era como um cantor genial, ele podia fazer coisas muito loucas. Se ele tinha que cantar o verso de uma música, eu tocava um pedaço antes, e ele cantava uma melodia completamente nova, com letras ensandecidas, como se não soubesse o que estava fazendo. E aí, assim que a parte que ele precisava gravar chegava, ele cantava ela com perfeição – ainda que estivesse tirando sarro no início, ele simplesmente se focava e cantava como louco. E seu ritmo, seu tom e sua afinação eram tão acima da média.

Você identifica o jeito de Julian cantar com Lou Reed ou acha que é muito mais que isso?

Eu acho que se você pegar Lou Reed e Bob Marley, e achasse algo no meio disso, talvez encontrasse um paralelo. Quer dizer, ele definitivamente adorava a atitude new-yorker de Lou Reed, mas as melodias do Julian são loucas, tomam conta do lugar, e seus ritmos são muito sexy. Lou Reed é cool demais, mas seu negócio é bem mais simples que o que Julian faz.

O que há de comum, de fato, entre o Strokes e o Velvet Underground é esse “sentimento nova-iorquino”?

Sim! Acho que tem um grande sentimento de Nova Iorque nas duas bandas. O Velvet Underground é interessante porque quando eles estavam fazendo sua música, ninguém gostava deles e eles não conseguiam vender discos, e eles eram muito desrespeitados até 20 anos depois tornarem-se a banda favorita de todo mundo, é uma história muito interessante.

E qual é este sentimento nova-iorquino?

É um pouco como Londres e algumas cidades com muita gente em uma área pequena. Algumas vezes pode ser muito excitante. Você cresce em Nova Iorque e pensa “nossa, é tão livre e selvagem aqui, que qualquer coisa pode acontecer”, favorece a imaginação. Muitas coisas acontecem em Nova Iorque: muita gente nunca consegue acertar, e passa por momentos muito difíceis; e algumas pessoas têm muita sorte e voam para o topo. É um jogo louco.

O quanto você acredita que a fama do Strokes está relacionada a um senso de comunidade, de estarem em Nova Iorque, serem parte de algo…

Essa é uma pergunta muito boa, porque muitos deles nem nasceram nos Estados Unidos, mas eles todos eram amigos por muito tempo. Acho que cresceram muito juntos, conheciam um ao outro por muito tempo. Este é um aspecto muito interessante de comunidade: são pessoas que tinham uma relação próxima um com o outro, mesmo no início, quando eu os gravei.

Como cada uma das 5 personalidades na banda contribuem para o que eles são, como eles são…?

Eles eram todos muito participativos nas gravações de Modern Age, Is This It e Room on Fire. Eles tinham opiniões fortes, todo mundo falava… Fabrizzio falava das guitarras, Nick Valensi falava das baterias, Julian falava das baterias… sabe, todo mundo falava de tudo, e todo mundo ouvia muito. Eles todos contribuíram com suas personalidades e opiniões.

E você acredita que não trabalhar com você em First Impression of Earth foi um passo bom? Acha que teve a ver com gravadora?

Não, não, não houve gravadora envolvida. Foi uma decisão da banda, que quis buscar algo novo, é um processo artístico absolutamente normal: já fizemos isso antes, agora vamos tentar isso. Eles estão sempre esperando fazer a melhor decisão para a banda, isso tinha que acontecer. Agora eles estão trabalhando com Joe Cicarelli, e tenho certeza que estão achando uma grande ideia. Espero sempre o melhor para eles.

O que você aprendeu profissional e pessoalmente depois de trabalhar com eles por três discos?

Aprendi tanto que não tem nem graça. Aprendi a escutar as pessoas atentamente, e não pensar que por ser produtor sei muito mais com eles. Aprendi isso com o Strokes mesmo no Modern Age. Quando alguém dizia alguma coisa, eu escutava e tentava antes de dizer não. Isso foi uma grande lição. Se eles tinham uma ideia, e eu pudesse mostrar pra eles para que eles dissessem sim ou não. Isso foi uma coisa. E acho que aprendi o que é ter amor e respeito em todo o mundo por ter produzido um disco, é algo que não havia aprendido antes, e é muito… interessante.

Qual sua faixa preferida em Is This It?

Neste exato momento estou apaixonado por “Trying Your Luck”, “Take It Or Leave It”, “Someday” e “Soma”.

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16/03/2010

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