Se desde Mansa Fúria (2018), Josyara caminhava só, trabalhando em composições e arranjos próprios, em AVIA, seu recém-lançado álbum, ela anda com muitos. Ou melhor, muitas. Afora Chico Chico, com quem colabora na faixa “Oasis (a duna e o vento)”, as demais parcerias do álbum são femininas: Juliana Linhares (em “Eu não sou prova de amor”), Liniker (que assina “Peixe-Amor), Iara Rennó (em “Seiva”) e Pitty (em “Sobre Nós” e na regravação de “Ensacado”, de Cátia de França e Sérgio Natureza, lançada em 1979).
A amiga Anelis Assumpção empresta sua “Eu Gosto Assim”, de 2014, que parece ter nascido para a voz e o violão de Josyara. “Acho essa música, no contexto do disco, excelente prelúdio, pois apresenta esse individuo-narrador. É essa pessoa que escorre no disco”, conta a baiana, em entrevista à Noize.
Lançado em abril, AVIA parte da polissemia do nome — que tanto pode ser “havia”, no sentido de existência, quanto “apressar, vir logo”, em uma expressão regional — e aposta na multiplicidade de sentimentos. Aborda o processo de se apaixonar, do encantamento à solidão. Essa espécie de “linha do tempo sentimental” pode ser notada já na primeira audição.
Deslumbramentos e desencontros
O violão de Josyara dedilha canções sobre os altos e baixos do amor. “Pra me sacar, não tem segredo”, ela anuncia em “Eu gosto assim”, que abre o disco. É um convite e um aviso para quem quiser acompanhá-la.
Somos tomados pela mão até a sensual “Seiva”: nela, a paixão transborda, escorre entre os dedos. O amor é algo que se degusta sem saciar. “Pra te beber em taça cheia”, ela canta.
Mas nem sempre o amor é feito só de bons encontros. Também há espaço para falar de crises, desencontros e mal-entendidos. Como exemplo, a sugestiva (Como pode me deixar nesta) “Festa Nada a Ver”, cuja sonoridade nos remete ao gingado promovido por Itamar Assumpção nos anos 1980.
Já “Sobre Nós”, parceria com Pitty, mostra caminhos já individualizados, o desencontro e desencanto do amor. “Um amargo ruim”. O que era taça para se beber inteira, vira “vinho barato em copo de plástico”: “Eu amo o meu igual, mas eu preciso do meu contrário/me desafiar”, canta Josyara.
Já “De samba em samba” traz, novamente, um tom solar para o disco. É o ponto-alto, com o violão sincopado e os versos: “Soprei a vela, o meu barco andou (….). Agora, posso ficar bem leve”. É quando a mensagem de autoamor fica clara. O samba, aqui, é também mais modesto, mais leve, um chorinho só.
Já em “Peixe-Coração”, os sintetizadores se misturam ao dedilhar das notas no violão. A letra, escrita por Liniker, mostra que o amor vem como sereia do mar, seduzindo mais uma vez. Cair em seu canto, torna-se, novamente, irresistível. Afinal, não é esse o sentido do amor? “A narrativa do disco vai contando o encontrar e se perder-se no outro. As delícias do amor e suas implicações”, resume Josyara sobre o conceito de AVIA.
Produzido pela própria, incluindo os arranjos orquestrados, em parceria com Rafael Ramos, AVIA já está disponível em todas as plataformas, pela Deckdisk.
Confira abaixo nosso bate-papo com Josyara sobre este novo trabalho.
Primeiro, parabéns pelo disco, está lindo! Você disse que considera este como seu álbum mais conceitual. Pode explicar como se deu o processo criativo e quais referências você buscou para este trabalho?
Obrigada! Fico feliz!! Acho que todo álbum acaba vestindo um conceito. O que Avia tem de diferente dos outros é que, neste, eu abordo um tema: o amor.
A narrativa vai contando o encontrar e perder-se no outro. As delícias e implicações disso.
Pra me inspirar, ouvi muito Tim Maia e Djavan. Eles são os grandes amantes românticos e transmitem isso lindamente em seus trabalhos. Ouvi outras tantas coisas…. a música latina intensa, inteiramente apaixonada. Tudo isso se mistura com minhas experiências e com o que gosto.
Você pensou em uma linha narrativa que se comunicasse entre as faixas? As letras passam uma ideia de força e superação. Foi algo pensado previamente?
Existe, sim, uma história. Conto os ciclos desde a paixão ao desencanto. A importância da solitude e, por fim, do novo amor.
Vejo as coisas da vida de forma espiral e isso exalta bem quando penso em ordem de música. Por exemplo, se ouvirem o disco do fim ao começo, a história é contada da mesma maneira.
Após ter trabalhado em um álbum mais intimista — pelo processo criativo solitário na composição — como foi gestar este novo projeto com parcerias, ainda que também conte com composições suas?
Foi fácil, porque essas músicas vieram de vários momentos. Elas não foram compostas para o disco. Não existiu essa pretensão.
A maravilha foi reunir os encontros ao longo desses 5 anos e cantá-las hoje.
“Quando se trata de arte, o tempo inexiste.”
Este é um trabalho calcado em parcerias femininas. Conte pra gente como foi contar com Pitty, Liniker e Juliana Linhares?
Admiro muito todas e foi natural criar com elas. Cada música surgiu em momentos distintos de minha vida. E foram muito legítimas as criações. Fico feliz demais de poder juntar tantas neste disco.
E a escolha de Chico Chico em “Oasis (A Duna e O Vento)”? Como foi esse reencontro em uma nova parceria?
Eu adoro a voz de Chicão! Acho linda, doce e muito visceral na mistura exata. Sempre pensei em cantar essa música em dueto. É uma declaração de amor mutua.
Quando comecei a gravar, logo me veio nome dele. Ficou linda e de grande importância a sua presença na canção.
Por que a escolha de iniciar o álbum com uma versão de “Eu Gosto Assim”, da Anelis? Como foi trabalhar essa faixa?
Acho essa música, no contexto do disco, excelente prelúdio, pois apresenta esse individuo narrador. É essa pessoa que escorre nas músicas.
Me identifico com tudo isso. Tem experiências próprias nas composições, mas também sinto que vai além de mim. Acho que tem algo em comum na vida das pessoas. Quem não quer conforto e ser amado nas coisas simples? Eu quero! [risos].
Recentemente, o Chico César definiu você como uma mistura dele com Baden Powell, Gilberto Gil, João Bosco e Djavan. O que você achou?
Achei a coisa mais insana e maravilhosa desse mundo! Chico Cesar é um guru para mim. Na tentativa de imitá-lo tocando violão nos Aos Vivos [álbum de estreia do cantor, de 1995], nasceu meu jeito de tocar.
Especial ouvi-lo dizer esses elogios. Me sinto honrada!