Era o início dos anos 2000 quando os dançarinos de rua de Nova Iorque perceberam que os vagões do metrô, com seus mastros de apoio, poderiam servir como boas pistas de dança sobre trilhos. A partir daí, não demorou até que surgissem grupos dedicados a essa audaciosa forma de street dance, que passa por cima (literalmente) de obstáculos humanos e desafia a lei em prol da arte.
Em uma viagem recente à Big Apple, o fotógrafo e diretor Rafael Kent viu de perto essa cena e resolveu fazer um mini-documentário sobre o assunto, que está sendo lançado hoje (veja abaixo). Gravado no último mês de junho, Litefeet – A generation in Movement traz as falas de vários dançarinos de LiteFeet e foi filmado, dirigido e editado por Rafael nos últimos meses.
O criador do filme nos contou como foi registrar esses dançarinos que se arriscam a ser presos planando por cima dos passageiros dos metrôs. Dá uma olhada abaixo.
Litefeet – A generation in Movement from Rafael Kent on Vimeo.
O que motivou você a fazer esse doc?
Cara, diferentemente do brasil eu podia andar durante o tempo todo com uma câmera na mão filmando tudo pela cidade. Sem ter medo de ser roubado ou pior do que isso. Isso faz com que a nossa cabeça mude a chavinha que existe com relação ao medo. Quando você não está preocupado com o medo outras portas se abrem na sua frente. Eu não tinha um roteiro pro que estava fazendo, estava apenas coletando imagens do cotidiano, não havia pretensão, somente o meu olhar para as coisas que via acontecendo diariamente.
Eu já estava quase voltando ao Brasil e ainda não havia um norte, não havia um desfecho e nem muito menos um assunto especifico. Boa parte do material que eu vinha fazendo era dentro do metrô de NYC, que, sabe como é, respira arte. É tudo muito antigo e bonito além de boa parte do cotidiano se encontrar realmente por ali. Eu já sabia que existiam dançarinos dentro do metrô e dos vagões mas não havia visto durante todo meu tempo na cidade, eu nem sabia que o nome da parada era Litefeet.
Mas aí como você fez o filme?
Numa sexta feira, voltando do show do Josbi (um rapper brasileiro) em Manhattan, em direção a Bushwick, encontrei os moleques. No primeiro momento, o Dree me zoou com a câmera, me abordou e perguntou se eu era profissional. Brinquei dizendo que não era mas que estava tentando. O papo foi breve, dali a alguns minutos eles começaram a dançar e eu fiquei alucinado. ALUCINADO. Abordei a galera, havia pressa quando chegamos na estação, mas trocamos alguns contatos. Eles estavam bem desconfiados. No domingo, marcamos em uma das estações, acredito que marcamos às 16h e passei umas 4 horas com eles andando pra tudo que é canto. Foi irado, perdi as contas de quantas vezes passei de vagão a vagão com o trem em movimento, como nos filmes que sempre assisti. Foi realmente uma experiência linda.
Você acumula as funções de diretor, produtor, cinegrafista e editor, como foi fazer tudo isso?
Eu venho desse mundo né? Do filmmaking, aprendi tudo sozinho com a câmera não mão. Conheço meu equipamento e sei do que ele é capaz. Depois disso as coisas ficam mais fáceis (risos). Eu sempre editei e colori meus filmes, pretendo que isso mude um dia e eu consiga trabalhar com grandes profissionais mestres em cada uma dessas etapas, mas confesso que colorir é uma das partes que mais gosto, talvez seja resquício do meu EU designer gráfico, quem sabe. Mas, o filme não é todo meu, na verdade o sound design (bem como a entrevista) foi feita pelo meu amigo Carlos Feitoza, grande músico que mora em NYC, os letterings foram feitos pelo grande broder Vidú Salles (que além de um grande designer é dono do melhor burrito de SP) e tive o prazer de ter meu filme legendado pelas queridas Aline Leitte e Priscilla Simonelli.
A segurança do metrô dificultou sua filmagem?
Cara, em momento nenhum, durante os meus 30 dias em NYC, filmando o tempo inteiro, fui abordado por ninguém. Eu achei isso sensacional, não estou roubando e nem muito menos gastando rios de dinheiro num filme. Estou querendo fazer uma coisa minha, pessoal. Em SP mesmo que você esteja com uma GoPro é capaz de alguém pedir a você a autorização ($$) pra se filmar dentro do metrô. Isso é triste sabe? Acho que por isso a gente tenha tão pouco material da nossa cidade, quero dizer, feito da maneira certa, bonito e etc. Tudo é muito precário porque o incentivo não existe. NYC respira arte pra todos os lados então é comum que existam câmeras pra todos os lados, acho que é mais comum eles lidarem com esse tipo de coisa. Bem, graças a Deus.
No seu filme, muitos passageiros dos trens parecem que nem estão vendo os dançarinos, como se fingissem que eles nem estão ali. Isso foi uma surpresa para você?
Cara, eu fiquei alucinado quando vi. Mas pra isso, acredito que deva existir uma percepção artística. Imagino o coxinha nova iorquino vindo do trabalho todo dia e cansado. Ele não tá muito a fim de ver alguns moleques fazendo estrepolias dentro do vagão. O som também é um pouco alto, mas, tipo, não é um lance que dura 40 minutos. A hora do “showtime” é curta e é muito intensa. Acredito que os turistas em sua maioria sejam a maior parte do público dessa galera. Acho um pouco triste de que eles não tenham maiores incentivos para expandir a arte deles, afinal isso é um lance super genuino. Fiquei sabendo que, dias atrás, o Pharrel e o P. Diddy levaram uns dançarinos do LiteFeet pra gravar algo em Los Angeles, um clipe talvez, e isso eu acho sensacional, eles merecem. Toda essa galera que eu conheci era de uma expressão sem precedentes. Com um brilho no olhar e de um carisma alucinante. Eu espero que eles continuem e cresçam na arte deles. Se depender de mim, irão.