Oito anos de estrada, quatro álbuns de estúdio e a mudança geográfica da Bahia para São Paulo distanciam o primeiro lançamento da Maglore do contexto atual da banda. Liderados por Teago Oliveira nos vocais, o quarteto – que começou como um projeto de Teago e viu integrante entrar, sair e voltar até chegar na formação atual – é formado atualmente por Lelo Brandao na guitarra, Felipe Dieder na bateria, Lucas Oliveira no baixo, e todos eles têm muita história na bagagem.
“A gente é uma banda cheia de cicatrizes né, a gente passou por muita coisa e se manteve. Comparado a muitos músicos e artistas que surgem hoje em dia, eu acho que a gente surgiu com muita falta de informação sobre o que era o mercado, o que era viver de música, a gente tava ali em 2009, o mundo era outro… A gente tinha outra cabeça, então o nosso som também era muito diferente. Parece que se passaram vinte anos e na verdade só se passaram oito”, relembra Teago sorrindo enquanto começamos nossa conversa por celular.
Lançado de forma independente em 2009, o EP de cinco músicas Cores do Vento deu início à discografia da banda, abrindo o caminho para os álbuns Veroz, Vamos Pra Rua, III e o mais recente, Todas As Bandeiras, que foi lançado no primeiro dia de setembro. Sobre o ritmo da banda, o vocalista aponta um padrão de repetição: “a gente tá sempre um ano lançando disco, um ano em turnê, um ano lançando disco e um ano em turnê, ou seja, sem parar.”
No terceiro disco – lançado em 2015, quando o grupo era um trio -, eles passaram a integrar o catálogo da gravadora independente Deck Disc. “Depois de muitas bolas na trave, com o III a gente começou a sentir que a coisa tava andando, que tava funcionando, que o público tava aparecendo e que a banda tava realmente nos trilhos,” comenta Teago, fazendo sua última analogia ao passado da banda em nossa conversa, que daí em diante foi toda sobre o presente, a transformação e o futuro.
Dá pra perceber uma virada de temática do III pro Todas As Bandeiras. O III era um álbum sobre sentimento enquanto Todas As Bandeiras, embora não deixe isso de lado, é um álbum mais abrangente e até mesmo político. Isso vem de uma inquietação de vocês como banda, que sente que deve assumir essa responsabilidade política, ou vem de um incômodo pessoal com o rumo que as coisas estão tendo socialmente?
Teago Oliveira: Eu acho que o Todas As Bandeiras é o mais profundamente pessoal de todos os discos da Maglore. É onde a gente bateu mais fundo na questão de liberdade individual e isso abriu uma porta pra gente expandir o diálogo e entender que isso também faz parte de uma transformação social. A gente começou a conectar todas as experiências pessoais, de viver, de aprender, de errar e de falar sobre os erros, enfim, a gente entendeu que isso faz parte de um certo organismo social e isso fez com que a gente ficasse mais político de certa forma. Não como política partidária, mas como política de liberdade individual. A gente vive em um mundo onde as pessoas estão agindo mais do que pensando, e de certa forma existe algo mágico nisso porque há uma tendência à evolução social dentro da gente. É um momento difícil e ao mesmo tempo muito bonito porque dá pra ver que as coisas estão mudando, que a gente tá dialogando, pelo menos parte da nossa sociedade tá entendendo melhor os processos. O disco faz essa conexão, a gente não separa o que é pessoal do que é coletivo, e a gente vive nessa coisa caótica, um turbilhão. E, ao mesmo tempo, é um disco que consegue ser o mais pessoal possível quando se trata de sentimento, quando fala de amor, de abandono, de erro, de reconhecer o erro, sabe? Ele é mais verdadeiro do que os outros, que têm assuntos mais leves, é um disco mais denso… A gente não quis fazer mais um álbum político pesado, mas eu adoro que ele tenha a ver com isso. Acho que conseguimos nos colocar em um lugar mais confortável porque nosso papel também não é tentar levantar uma bandeira…
Tanto que o nome do disco é “todas” as bandeiras.
Teago: É, a gente não quer falar por ninguém – a gente é analítico, sabe? Acho que tem muito mais gente que tem o dever de enviar legitimação, de estar falando na nossa frente. A gente só tá fazendo um recorte pessoal de tudo isso que tá acontecendo, e a gente também faz parte disso, sabe? Vivemos hoje um momento de contracultura fortíssima no país e a gente também tá inserido no meio.
Várias músicas do álbum falam sobre se colocar em movimento. Fazer as malas, vender o apê, sair… Seria essa uma das consequências ou uma das soluções para vencer esse cenário que a gente vive atualmente?
Teago: É você não aceitar o status atual. Eu acho que o disco tem um pouco disso, só que a gente fala de uma maneira um pouco mais lírica, menos direta. Isso tá dentro do disco, sim, apesar disso não ser o único tema que move o disco. Ele é movido por vários temas: “Você Me Deixa Legal” fala sobre essa velocidade absurda de informação que a gente vive, a vontade de ficar em casa e ficar bem, sabe? “Clonazepam” já é uma música que fala sobre crise de ansiedade, sobre como a gente lida com isso, “Todas As Bandeiras” fala sobre insurgência, “Hoje Eu Vou Sair” fala sobre você não aceitar o status de uma relação, “Jogue Tudo Fora” também fala de separação de uma forma até um pouco cômica, que é um samba que fala da separação de um casal já bem adulto, já bem vivido, que tá se separando e dialogando ali, enfim, ele passa por vários temas que estão dentro do nosso cotidiano mesmo. A gente tá velho já, de certa forma [risos], já passou por muita coisa, então a gente tem um pouco mais de liberdade pra falar sobre essas situações.
Acho que é uma questão mesmo de maturidade até, né?
Teago: Claro! Nesse disco a gente tava afim de falar sobre muita coisa, a gente tinha muito assunto pra abordar, então a gente acabou tendo que tirar duas músicas do disco. Não ia nem caber no vinil. O disco tem 10 músicas, mas tem 38 minutos. Eu queria lançar a versão cheia, de 12 músicas, mas ao mesmo tempo fica um pouco cansativo. O disco ia pra mais de 40 minutos… As duas músicas que acabaram ficando fora a gente vai lançar depois. Talvez a gente lance no ano que vem, ou talvez a gente engaveta elas e segue pra outras coisas. A gente pode até fazer um deluxe depois com essas que não entraram, uma edição sem cortes.
Massa! Ainda sobre os assuntos que vocês abordam no disco, é muito legal que vocês transformam sentimentos simples, representados por palavras extremamente comuns e nada rebuscadas em músicas ótimas, como “Você Me Deixa Legal”.
Teago: De certa forma parece até algo bobo. Se você isolar a frase fica uma música bem boba, “você me deixa legal”. Quando eu fiz essa música, tava nessa pilha de mostrar pra galera pra ver se era besta, sem sentido, e aí os caras falaram assim “bicho, tem essa interpretação pra quem não quer ouvir música, porque como se trata de uma música dá pra ver que você tá falando de uma coisa completamente diferente, você entrega isso no refrão diante de uma enxurrada de informações”. E é uma música de interpretação livre, né. Azevedo, que fez a arte, colocou uma folha de maconha. Eu não tinha tido essa interpretação, mas quando eu vi eu fiquei “putz, faz todo sentido!” – de você viver isso tudo, chegar em casa, acender um beck enorme e pronto, maravilha. É isso… Talvez tenha mais sentido do que o sentido que eu queria dar.
Pra mim, vocês usam uma linguagem coloquial que funciona bem. Inclusive a gente tá vivendo uma época em que tudo vira meme muito fácil. Vocês já pensaram em inserir a linguagem memética nas composições de vocês?
Teago: Acho que a gente tá bem próximo disso, esse ano eu tô bem memes. Eu conheci muita gente legal memística, sabe? Nesse disco quase rolaram alguns memes, mas a gente segurou um pouco a onda, até porque essas coisas são muito passageiras. Podia ser que daqui a um mês ninguém fosse entender. Mas acho que é isso, música também é isso, né? Não precisa ser entendido pra sempre isso que a gente tá falando, mas é bem possível que daqui pra frente a gente fique um pouco mais caricato nesse sentido de brincar com essa coisa dos memes e da internet né, como O Terno fez no clipe lá de “Não Espero Mais”, que é sensacional.
Por falar em memes e internet, vamos falar agora de streaming. Tudo mudou e os apps de streaming são como o novo rádio, só que agora personalizado e a gente que manda na programação que quer ouvir, e as playlists são as novas k7. Qual é a visão de vocês sobre esse novo jeito de consumir música?
Teago: Existe um antigo e um novo modelo de se fazer as coisas, e isso tá em conflito o tempo todo desde muito tempo, hoje não é diferente. O streaming eu acho uma forma muito mais verdadeira de disseminar a música, muito mais eficaz de fazer as pessoas consumirem música do que o rádio. Aí é óbvio que, no Spotify, quem tem a assinatura pode escolher as músicas e na outra modalidade, que é a gratuita, acaba tendo mesmo aquela função de rádio, que é a forma que ele tem de entregar às pessoas também suas propagandas porque afinal o mundo é capitalista. Eu particularmente acho que a gente ainda não encontrou um ponto onde a coisa fique legal pra todo mundo: artista, empresário, público… Mas a gente já começou a entrar nos trilhos nesse sentido. Sabe por quê? A nossa sociedade, o mundo em geral hoje, por mais que as coisas sejam bem plásticas e tudo depender de like – de lacre também -, enfim, por mais que tudo esteja dessa forma, acho que as coisas que se destacam são as mais verdadeiras. E eu acho que agora com o streaming as pessoas estão com um poder de escolha maior, ainda que existam fatores externos que façam com que elas sejam influenciadas também, mas é melhor do que antes. Acho que é parte de um processo, de uma época. Eu sou uma figura bem pessimista, mas nesse sentido eu tenho até um certo otimismo, sabe? De que tá nos trilhos e que vai alcançar algo legal em breve, no futuro.
É bem aquele momento de saída da zona de conforto, que vocês tanto falam no disco, né? Do movimento, do processo no meio do caminho quando se está seguindo em frente.
Teago: Processo de transformação, né. O mundo tá assim, e é por isso que tá tudo muito louco, talvez a gente não esteja reparando que tudo isso que tá acontecendo é porque transformar é sair do status quo, é mudar mesmo. E mudar chacoalha, né? Mudar machuca.
Até chegar no momento de estabilidade.
Teago: É, essa é a visão otimista da coisa. Na visão pessimista a qualquer momento alguém pode lançar uma bomba. Pode acontecer daqui a pouco do jeito que tá. Pode acontecer daqui a 5 minutinhos. Só depende de um presidente ou outro.
Pensar nesse novo modo de consumir música afeta o processo de vocês na hora de planejar o álbum? Em Todas As Bandeiras eu consegui sentir muito bem definida uma linearidade na disposição das faixas, e essa construção pode ser perdida quando o álbum chega no streaming, com pessoas ouvindo músicas soltas em playlists.
Teago: Eu acho que a gente faz meio à moda antiga, sabe? A gente não se ligou ainda neste formato digital de como alcançar mais gente, planejar de uma forma melhor, planejar pro streaming, a gente ainda não se adaptou pra essa forma de trabalhar, mas eu acho que a gente também não tem essa vontade. Se for pra ser maior desse jeito, talvez a gente não consiga, porque não faz parte da nossa verdade. A gente tá um bando de velhos ranzinzas que gosta de Elis Regina, que gosta de disco de vinil, mas que ao mesmo tempo tá no mundo, e que tá tudo mudando e a gente acompanha, e a gente adora, sabe? A gente é como um bando de tiozão que é jovem, a gente tá no meio do furacão. Então a gente meio que ainda não conseguiu encontrar um formato pra trabalhar essa coisa moderna. Pra gente ainda faz muito sentido lançar disco, lançar EP, transformar aquilo ali em algo pra ouvir do início até o fim. O modelo de criação que a gente exerce é um modelo próprio, se ele vai contra ou a favor às diretrizes de mercado… ah, paciência, né! É o nosso direito, a gente não sabe fazer de outro jeito e nem vai fazer, eu acho.
Na verdade tem espaço pra todo mundo neste furacão. Porque mesmo com esse cenário de streaming, o vinil tá insistindo, tá permanecendo e tá até crescendo.
Teago: Sim, e as coisas são muito cíclicas. Eu fico dando risada às vezes de como o mundo da música é movimental. Hoje em dia tá muito mais na moda coisas dos anos 80, acho que isso tá refletindo até nas roupas. Fico achando tudo muito engraçado porque daqui a dois, três anos a gente vai estar em outra, sacou? Mas assim, pra gente que é compositor popular, pelo menos pra mim particularmente, eu danço conforme a música. Qual roupa você quer que eu bote? Eu boto! Eu tenho que colocar essa roupa aqui pra ir pra festa? Tudo bem. A questão é de, sei lá, não é vontade de ser atual, é vontade de se comunicar da melhor forma possível, e é natural pra gente. A gente só não consegue fazer música eletrônica, nós somos péssimos pra isso, então é bem difícil que a gente vá lançar alguma música eletrônica, a são ser que a gente aprenda.
Já tentaram fazer música eletrônica?
Teago: Já tentei e saiu horrível [risos]. Não dá. Eu ainda não aprendi, mas se rolar… Se daqui a pouco der legal, a gente tá aí né, a gente gosta de tentar, a gente tá sempre mudando.