_pra ler ouvindo:
São Paulo, uma quarta qualquer no ano do fim do mundo.
Caio, sua puta disfarçada.
O mundo está uma bosta. Mata-se por tudo e por nada. Sobretudo por nada. Os livros raramente tem capa dura, as estrelas nos decepcionaram, o vermelho anda rubro de vergonha e os terremotos não vieram acompanhados de monstros assassinos. Pena, não?
Ao menos os padres mantêm o humor e a libido. Dia desses, um deles amarrou sei lá quantos balões em uma cadeira bem nojenta de plástico branco e levantou vôo. Pode rir. E, caso ele tenha realmente morrido, o receba com confetes. Vai virar santo em menos de um ano. Apostamos?
São raros, mas ainda existem os que esquartejam o amor com faca de cozinha, feito nós dois e aquele Príncipe Socialista. Mesmo esses andam cansados e, muitos, estão brincando no tobogã do inferno, aquele que vai para baixo e avante.
Mas, sempre existe um mas, como a humanidade tem fortes e bravos anjos da guarda, ninguém desistiu por completo. E alguns, ainda dançam sozinhos em pontos de ônibus. O que faz com que, por merecimento, conheçam resultados de encontros. E você sabe de que tipo de encontros eu falo.
Aquele que é uma pequenina epifania e que, de quando em quando, muda o mundo. Ou aquilo que chamamos de mundo e que, na verdade, é só o que existe a nossa volta. O mundo é uma estátua viva, quem disse isto?
Que nos interessa saber quem disse o que repetimos? Rio aqui e você ri comigo ai de cima. Um bad carma ao menos para algum fetichista da dor. Este encontro, não me interrompa mais Caio, por favor, deixa eu contar este encontro. Foi assim, quase comum, um homem encontrou outro e uma rave no meio e um piano e mais outro homem e um computador e outro e uma guitarra e personalidades e microfones e noites em claro e palavras e um som que de primeira é música eletrônica.
Música o que? Não espante, querido, não enlouqueci. Este encontro deu sim em uma banda cheia das modernidades que você detesta. O que salva são uns detalhes que fazem com que quem a escute com atenção possa fitar pedacinhos de buraco negro e olho a nú. O nome é uma homenagem bonita. Cérebro Eletrônico, aquele que faz tudo, mas é mudo, lembra disso?
No começo, no começo do encontro, eles não funcionavam bem todos juntos ao mesmo tempo. E funcionar bem junto ao mesmo tempo é fundamental em uma banda. Mas era um daqueles encontros e por ser um daqueles encontros, deve ter contado com ajuda externa de algum fantasma bêbado ou um anjo boêmio e eles, os moços, insistiram, resistiram, inventaram vontades e juntos uniram letra, melodia, som. Quase sempre nesta ordem.
E fizeram da música eletrônica, canção. Não duvide, Caio. Nem me interrompa. Isso existe. Eles fazem. E não tem graça alguma. Porque o riso não permanece. Nem a lágrima. O que fica é o ritmo. No peito. E nestas de descobertas e quereres, eles viraram assunto. Das mesas e das filas de cinema e dos chatos e dos legais e das jovens cabeças e velhos pescoços e dos modernos da Augusta e dos espanhóis. Sim, porque eles fizeram cantar Barcelona. Em meio a tascas, tabernas, tapas e danças e gritos de si. “Si para quê?”, tu me pergunta. E eu te digo: para o devaneio.Que é o que importa. Gostas da frase?
Falei que você ia gostar deles. Quem faz o quê? O coletivo, meu amor. Embora cada um tenha uma especialidade bonita, tudo junto é que vira música. Porque você sabe bem demais que inventar som para palavra é atirar flechas. E um índio nunca está só na caça.
O sol está nascendo, a rosa amarela abriu um botão delicado que vou matar para acrescentar a este pacote. Escute o CD com calma. Use botinhas. Na primeira vez, escute lavando louça. Na segunda, alto, altíssimo e em silêncio. Somente na terceira audição, coloque o fone, saia para caminhar no centro desta cidade cinza e feia e que, como toda feia, trepa bem e se torna inesquecível.
Pegue a nuvem sem trovões, eles não vão ser necessários, querido amigo. Porque você estará cantando alto música de melhor qualidade. E o futuro.
Com amor e a mesma saudade, Eu.