Como diz a sabedoria popular do futebol um bom time começa com um bom goleiro e a boa banda de rock começa com um baterista possesso como Nicão Magalhães, um gigante que começou a botar o Hangar 011 abaixo na noite de ontem (20/9) no centro de São Paulo já na contagem pra primeira pedrada dos Selvagens à Procura de Lei: um, dois, três, quatro e logo seus dois braços pareciam três e quatro e seis e todos os braços levantados de uma multidão de jovens enfurecidos que mais do que qualquer outra multidão ainda acredita nos solos de guitarra, essa linguagem quase centenária de transmitir mantras da liberdade do gênero rock ali tão bem entoados por Gabriel Aragão e Rafael Martins, e vendo aquela pequena multidão de pouco mais de 200 jovens de 16 a 25 anos cantando todos os versos e se jogando em moshes e rodas punk sem maldade e mandando fotos pras namoradinhas que não puderam ir eu logo lembro daquilo que a Luciana Genro disse pro Gentili sobre ideologia e a verdade é que os Selvagens e o público desde sempre fiel dos Selvagens mostra que ainda é preciso acreditar, que ainda existem bandas mudando as nossas vidas, que a música boa pode melhorar a educação das pessoas e que não existe educação sentimental mais bonita do que descobrir sentimentos entre riffs de guitarra e refrãos que preenchem todo o ar desse galpão improvisado que é também os nossos pulmões.
Havia três anos desde o primeiro show dos fab four de Fortaleza no Hangar. Naquela época existia somente o Aprendendo a mentir (2011), disco que foi tocado na íntegra na noite de ontem e que, verdade seja dita, funciona melhor assim mesmo: ao vivo. A gravação é como um jpg em boa resolução. Só indo até o show para descobrir todas as camadas, todas as cores e toda a energia que flui de músicas como “Mucambo Cafundó”, que já nasceu clássica como são os clássicos de Ultraje a Rigor e Camisa de Vênus, “Amigos Libertinos”, “Sobre Meninos Elétricos e Mães Solteiras” e “Aprendendo a mentir”. O disco é caso de disco de estreia de grande banda. Ainda bastante cru, cheio de energia e pecando nos excessos — mas mostrando que tem muita coisa boa ali e que um bom produtor podia muito bem ajudar os Selvagens a esculpir essa matéria sonora.
Foi isso o que aconteceu no segundo disco, distribuído pela Universal. E quando surgem os primeiros acordes das grandes canções do Selvagens à Procura de Lei (2013) — “Juventude Solitude”, “Despedida”, “Sr. Coronel”, “Massarrara”, “Enquanto Eu Passar Na Sua Rua” — conseguimos enxergar no ar a evolução da banda. “Vamos viver até os quarenta / Mude os planos e volte pros anos sessenta” (“Juventude Solitude”) são versos que representam essa multidão que canta junto e que quer cada vez mais. E aí vem “Despedida” e o gigante Nicão Magalhães sobe para os vocais incorporando o velho Tim e mata no peito a dor de cotovelo fazendo trovejar dentro do Hangar “Mas você me convenceu” enquanto a banda faz coro: “Eu não queria partir”.
Os Selvagens à Procura de Lei estão, neste momento, em estúdio, refinando o material para o terceiro disco. E quem tem acompanhado dos bastidores diz que vem por aí um disco dos grandes. A previsão é que o trabalho saia ainda este ano.
Portanto, se tudo der certo, 2014 vai ficar marcado como um grande ano para o rock brasileiro: é Selvagens, é disco novo d’O Terno, é Cachorro Grande se reinventando. Amigos, o rock ainda vai salvar este país.