Com influências de Madonna e Lady Gaga, novo pop dialoga com a subversão e empoderamento


Por:

Julia Ribeiro de Lima

Fotos: Divulgação/Pam Martins

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Madonna sobe ao palco. As notas de “Like a Prayer” começam a soar. A multidão vai à loucura enquanto a cantora americana mistura sensualidade com imagens da Igreja Católica. “Ela não me representa”, é dito inúmeras vezes por espectadores que veem de longe. E não, o ano não é 1989, mas sim 2024.

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O palco é montado nas areias de Copacabana, onde 1,6 milhão de brasileiros assistem, vidrados, à maior apresentação da carreira da rainha do pop, que tem o espetáculo transmitido pela maior emissora aberta do país. Naquela madrugada de 4 de maio, diversas influenciadoras, com outros milhões de seguidores, vieram a público criticar uma cantora que, aos 65 anos, seguia fazendo o que acreditava desde o começo da carreira.

“Não existe nenhum feito profissional que justifique dar palco para uma figura como ela”, declarou Luciana Tranchesi, uma influenciadora com quase 1 milhão de seguidores nas redes sociais. Aplaudida por vários e criticada por outros, ela é apenas uma das diversas vozes que se revoltaram ao ver Madonna, como em toda a sua carreira, pedir por mais direitos ao público LGBTQIAPN+ e expressar que uma mulher pode — e deve — ser quem ela quiser.

“A verdade é que isso acontece em plenos anos 2020 porque temos uma plataforma onde todo mundo pode expressar seus preconceitos”, afirma a pesquisadora musical Thabata Lima Arruda. “Se a Madonna fosse para Copacabana na década de 90, nós veríamos o show na Globo e acabou. Era só desligar a TV.”

Foi esse o caso que aconteceu, por exemplo, quando Madonna e Britney Spears se beijaram no palco do VMA de 2003. O momento icônico chocou a audiência, que via Spears como a menininha sexy e inocente, que acabara de terminar um dos relacionamentos mais queridinhos do pop.

Naquela apresentação, Christina Aguilera também foi beijada por Madonna, mas teve a cena cortada para mostrar a reação de Justin Timberlake, ex de Britney. Sim, os tabloides falaram disso por semanas, mas a forma como as informações chegavam era completamente diferente da era que vivemos hoje.

Corte seco para o Rock in Rio 2024, onde Luísa Sonza deixava espectadores de passagem chocados com seu “banho de sangue” durante uma performance, subvertendo tudo que entendemos como mulher no pop. Enquanto uns ficavam abismados, os fãs celebravam a postura da artista. “Tudo é político em sociedade”, comenta a cantora Duda Brack. “E a arte, como ferramenta de construção, ideologia, estilo e cultura, sempre será uma peça importante neste tabuleiro porque faz barulho.”

De barulho, o cenário do pop feminino entende bem, e Thabata garante que isso não é de hoje: “O pop sempre teve essa posição onde pessoas experimentam algo para além de só a música. É uma experiência completa — um vídeo, um show… e, atualmente, as redes sociais transcendem ainda mais isso. Não é só a música, é quem é aquele artista.”

Para a pesquisadora, na era digital, a vida pessoal de uma artista — quem ela é, o que ela posta, veste, com quem convive, o que diz — pode atrair muito mais fãs do que apenas a música. “O leque de identificação se expandiu e é muito mais fácil angariar pessoas que se identifiquem com aquilo.”

O pop questiona – e provoca

O contato com os fãs é ponto-chave para criar uma base sólida, mas que, ao mesmo tempo, é difícil de unificar com outras bases. “A gente não consegue cravar quem é o artista pop do momento”, comenta Tabatha. “São vários nichos que existem, mas que, ao mesmo tempo, que bom que existem. É legal termos opções.” Fato é que, quando alguém fura a bolha do Twitter, chega a grandes palcos, programas de TV e pula de mídia em mídia, a chance de incomodar é maior. De questionar, também.

“Ao mesmo tempo que fazemos barulho, comunicamos, influenciamos, transformamos com a arte, o mercado também usa isso a seu favor”, comenta Duda, que usa como exemplo o empoderamento feminino na sociedade como um dos pontos-chave de questionamento. “Muita gente fez dinheiro com o empoderamento feminino, mas agora, nos tempos conservadores que estamos vivendo, muita gente está deixando de fazer dinheiro.”

No meio da dança estão as artistas que não têm medo de preservar suas ideias ao viver fazendo o que amam. “Eu teria muito mais passabilidade se fosse uma garota ‘comportada’, mas o preço seria alto”, comenta a cantora. “Teria que performar algo em que não acredito, mas, se não acredito, como convenceria as pessoas de que aquilo é real?”

E então, voltamos ao começo, onde, em pleno 2025, pessoas têm plataformas para falar o que realmente acreditam — sem filtro, sem medo. “Vivemos em uma sociedade que não aceita se algo foge do imaginário que ela criou”, pontua Thabata. A mulher artística imaginada pode cantar, pode dançar, desde que aborde os temas certos.

A partir do momento em que ela quebra a normatividade e pontua coisas ditas como tabu — como uma cama suja de sangue, remetendo talvez à menstruação, algo tão comum entre nós, mas que ainda segue um tabu —, ela é duramente criticada. “Neste caso da Luísa no Rock in Rio, fiquei chocada porque estavam com muita raiva dela.”

Fora do país, outras artistas também dão o que falar por suas posições tão claras — seja Sabrina Carpenter explorando abertamente sua sexualidade em músicas e coreografias, seja Chappell Roan, que viralizou ao apontar um dedo para um fotógrafo que gritava com ela durante um tapete vermelho. Quem está errado? As cantoras por se posicionarem ou a sociedade que, como citado anteriormente, não consegue conviver com algo para além do imaginário tradicional?

“A gente precisa que essas artistas falem de forma direta no palco e que desafiem o conservadorismo — seja a própria Sabrina, que usou uma camiseta escrita ‘Jesus era um carpinteiro’ no palco do Coachella [após a polêmica do clipe ‘Feather’, gravado em uma igreja], ou a Olivia Rodrigo, que se posicionou em um discurso potente a favor do aborto durante seus shows nos Estados Unidos”, destaca a pesquisadora. “O conceito é bonito, mas ele é subjetivo e precisa estar aliado às falas.”

O mercado musical não é algo descolado da sociedade e, em tempos conservadores, essa sociedade vai, sim, se refletir na indústria e no público, que se incomoda ainda mais com as mulheres — que foram tiradas de suas posições do lar e colocadas sob os holofotes. “A relação do controle de mulheres é histórica e sempre vai causar estranhamento, cabendo justamente a elas, a nós, quebrar esses paradigmas”, conclui Thabata.

Por:

Julia Ribeiro de Lima

Fotos: Divulgação/Pam Martins

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