Resenha | Warung Day Festival foi uma experiência e tanto

22/04/2019

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Por: Bruno Barros

Fotos: Gustavo Remor e Ebraim Martini/WDF

22/04/2019


Passados alguns dias de recuperação, do retorno à casa e da reorganização da vida, subo aqui algumas notas sobre o Warung Day Festival (WDF). Conheci o festival por conta da presença de DJ Koze. O alemão é dono de uma abordagem musical muito particular, forjado entre o rap e a música eletrônica como elemento de re-construção, é dos meus favoritos. Desde que o escutei, lá em 2013, aguardava a oportunidade de vê-lo ao vivo. Ao saber que Koze estaria em Curitiba, passei a organizar minha a ida, pela primeira vez à cidade.

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Além de Amygdala (2013) e Knock Knock(2018), discos seus que me acompanham, meu carinho por KoZE se estende no agradecimento a ele ter me apresentado Mndsgn, em sua melancólica e inspiradora mix para a série Dj Kicks (2015).

Foto: Gustavo Remor e Ebraim Martini para WDF.


A apresentação de DJ Koze seria suficiente para me deslocar até lá, mas de bônus ganhei um grande festival a mais para a conta. O Warung Day Festival, assim como o nome entrega, é uma celebração, criada há seis anos, a partir da experiência do club localizado na Praia Brava, em Itajaí, em Santa Catarina. Em atividade desde 2002, o Warung Beach Club é uma instituição responsável por solidificar o cenário eletrônico, não só de Santa Catarina, mas da região Sul do país. A proximidade facilita o acesso para públicos dos três estados do Sul, o que permitiu aos idealizadores traçar uma nova rota para o desdobramento que é o festival da marca.

Assim como em SC, o local escolhido na capital paranaense contempla a relação com a natureza. Ao chegar na estonteante Pedreira Paulo Leminski, tive a real dimensão do que vivenciaria ali, algo pra mim inédito. Em termos de estrutura, o festival não perde em nada para nenhum outro do gênero em que já estive no país. Em termos artísticos, o line up apresentou uma escalação de respeito, com músicos que compõem os maiores festivais de música eletrônica no mundo. Caso do próprio Koze, escalado para o Sónar Barcelona em julho próximo e que, nesse final de semana último, se apresentou no grandioso festival holandês DGTL, em Amsterdã, assim como Anna e Rødhåd presentes no line up do WDF 2019. Rødhåd que também integrou no ano passado a versão brasileira do DGTL, em São Paulo, em uma apresentação pesada em b2b com Daniel Avery, e Gerd Janson, que se apresentou com Prins Thomas também no DGTLSP (sdds~).

Foto: Gustavo Remor e Ebraim Martini para WDF.



Não que seja necessário qualquer tom comparativo, e a ideia aqui é justamente o contrário, mas apenas a fim de situar quem está chegando agora. Para além disso, o WDF é uma experiência única. Um festival de nível global, pensado para atender a uma demanda de público ao mesmo tempo de que de criação e estabelecimento de uma rede local. E nisso, não há gringo que alcance. O festival é muito bem amarrado com seu público. Segundo a organização, 13 mil pessoas compareceram à Pedreira Paulo Leminski no último dia 13. Além dos já citados, Renato Ratier, Eli Iwasa, Joris Voorn, Gabe, entre outros djs brasileiros e internacionais garantiram 12 horas de som, em três pistas simultâneas. O público em sua maioria paranaense tem forte identificação com a marca e não só sustenta como realiza a passagem do templo (como o Warung Beach Club é conhecido) em Curitiba como o melhor dia do ano naquela cidade.

Também conforme a organização, do total de público, 4.000 pessoas vieram de outros estados brasileiros e países. “Minas Gerais, Nordeste, Acre, para citar alguns no Brasil. Australia, Europa, Nova Zelandia, Americas Central, do Norte, Latina. Nos chama atenção pela diversidade de localidades”, me contou o diretor de produção do WDF, Patrik Cornelsen, em uma conversa rápida e intensa na sala de imprensa do WDF.

Foto: Gustavo Remor e Ebraim Martini para WDF.


Cornelsen falou ainda do crescimento orgânico do festival, revelando o equilíbrio como norteador das ações.“O crescimento do WDF é orgânico. O que eu considero muito positivo. Uma coisa é você fazer alguma coisa forçada. O segredo de tudo é o equilíbrio. Por algum motivo, se tiver um desequilíbrio no festival, seja um artista muito forte em uma certa pista, ou um artista muito fraco, ou um erro de circulação ou de sonorização, vai gerar problema, insatisfação”, pontuou. “Conseguimos fazer um equilíbrio entre o melhor que existe em termos de sonorização e iluminação, as estruturas mais modernas que temos disponíveis dentro do país, também dentro de um orçamento”, disse.

O empresário curitibano à frente da Planeta Brasil Entretenimento, realizadora junto das empresas T2 Eventos e Warung Beach Club do WDF, destacou a busca pela equalização do retorno do investimento. “Uma coisa é você fazer um festival com verba sobrando, outra é trabalhar dentro de uma meta pra fazer fechar a conta. É diferente de um festival com enormes patrocinadores, em que se investe milhões e mesmo com prejuízo de bilheteria não é aquilo que fecha a conta. Diferente de nós que precisamos fazer uma coisa que funcione. O que considero um dos motivos do WDF estar onde está, na sexta edição. Ou seja o cuidado não só com a produção e a entrega, mas sempre atrelado a uma realidade.”

Com mais de 20 festivais realizados, Patrik apontou a relação com o público do WDF como fator chave de segurança do empreendimento. “Um festival é uma soma de fatores, de experiências, de vivências que fazem o público comprar um conceito e não só um artista. E hoje nós temos a tranquilidade de lançar o festival sem atrações anunciadas e ter uma venda expressiva porque o público sabe que não vai vir qualquer coisa e já sabe o que esperar por trás da entrega disso. Algo que viemos construindo ao longo destes seis anos”.



Em minha primeira passagem no festival e na cidade, sem nunca ter ido ao templo antes, pude ver in loco todo esse movimento. Cheguei ainda antes do início das apresentações e observei ao longe uma multidão chegando logo que o acesso foi liberado às áreas de som. Algo bonito de se ver e que, aos poucos, ia me ressituando em meu “não lugar”. Sim, pois imagine uma maioria vestida de preto e você, de vermelho. Conforme o habitual do gênero musical, a quase totalidade de pessoas brancas e você, negro. E ainda nesse caso, uma maioria aparentando ocupar uma classe social diferente da sua. Não que isso tenha me gerado algum problema, até porque frequento festivais de música eletrônica desde 2012 e sei o que encontrarei dentro da norma. Mas refletindo e organizando os pensamentos essa semana, encontrei um texto de Thiago Torres que contempla muito esse sentimento. No texto, o estudante de ciências sociais da USP, reflete sobre o lugar de quem contraria a lógica e que a partir da informação busca livre circulação. Pega a visão, por aqui.

A vivência de festivais e grandes eventos também estimula e versa com minha preguiça social a, sempre que possível, não ficar rodando, pois na ânsia de ver 12 apresentações, na maioria das vezes não contemplamos meia dúzia com qualidade e atenção. Por isso, com o anúncio da separação dos artistas por palco, optei por me concentrar no Garden, que, além de Koze, trouxe Phil Mill e Barbara Boeing, Caio T e Gui Scott, Gui Borato e Gerd Janson. Ainda que a circulação do festival muito bem organizada estimulasse, nem às tentações de ver Eli Wasa e Renato Ratier eu cedi. Então ali permaneci.

Foto: Gustavo Remor e Ebraim Martini para WDF.



Abrindo o festival, a dupla prata da cidade, Phill e Barbara, fez um set de disco, groove, com uma pesquisa de música brasileira dos anos 80, 90 e atual, em uma sintonia afinadíssima. O público que chegava estava em número baixo ali, mas muitos saudavam a dupla da Alter Disco, festa curitibana que movimenta o cenário local desde 2012. A maior parte do público que chegava optou por Eli Iwasa, que fazia as honras na pista Pedreira Stage.

Depois da apresentação dos curitibanos, conversei com Phil Mill. Extasiado, ele falou sobre a importância da apresentação. “O Warung é uma instituição, que sempre está trazendo musica boa pra todos os gêneros pra todos os nichos. Olha o Gerd Janson e o DJ Koze que se apresentarão no Garden. São DJs que, na minha estima, são muito referência’” me disse o DJ de 31 anos. Phil lembrou da importância do Warung em sua formação enquanto artista. “Claro que, depois, você acaba desenvolvendo e achando o seu nicho, indo, voltando. Mas é muito legal participar do festival e tocar no Warung, em que 15 anos atrás eu participava como espectador e em que, agora, eu toco. Ano passado, com a Bárbara, a gente tocou pra 2.000 pessoas no Garden do Club. Agora poder tocar no festival aqui em Curitiba, que é a minha cidade, é maravilhoso” comemorou.

Foto: Gustavo Remor e Ebraim Martini para WDF.



De volta à pista, onde o que me interessava era ver o fluxo entre os sets e a harmonia, cheguei ao final do set da dupla de gopers Caio T e Gui Scott. A tempo de ouvir as duas últimas músicas, com um público bem maior de quando eu havia saído, já bem empolgado, com o giro alto. A entrega de uma pista quente para Gui Borato.

Um dos djs de maior projeção e importância do Brasil, Borato não deixou barato. Transitando com excelência entre um fino techno e a house music, sem deixar ninguém parado, ao mesmo tempo que atentos à sua apresentação. Pontos altíssimos foram quando o DJ tocou a música “Avante” do produtor brasileiro L_cio, e suas músicas “Azurra” e “618” pra finalizar o set deixando um gostinho de quero mais. Esse mesmo gosto de quero mais pairava sobre a pista que receberia a segunda parte das apresentações do dia. Cada set até aqui teve duas horas de apresentação e, os seguintes, Gerd Janson e Koze, cada um com três horas para jogar.

Nessa hora, minha experiência no festival foi alterada com uma boa surpresa. Ainda que minha credencial de imprensa desse acesso à área vip, não utilizei para isso. Também abri mão de conversar com outros artistas, a fim de entender pela vivência o fluxo da pista. Foi então que encontrei Matheus, um jovem de 21 anos, morador de Navegantes, em Santa Catarina. Mais do que “uma fonte” para a matéria que eu estava construindo, se tornou um parceiro para curtir a festa.

Ele me contou sobre sua organização para o festival. Viajou de carro até Curitiba acompanhado de um amigo mais quatro amigas em um segundo carro. Seu amigo, Amauri, estava ali por perto, mas namorando com uma das meninas. Como a namorada de Matheus não gosta muito de música eletrônica, não foi para o festival. Então ele estava meio avulso, uma vez que as meninas estavam em circulação nos outros palcos.


“Chegamos cedo para ver a apresentação da brasileira Eli Iwasa, uma artista de respeito e que é sempre bom presenciar” me contou Matheus. Sobre o set de Eli, ele apontou que começou bem calmo e com músicas muito sentimentais. “Passando dessa parte, ela foi mudando a atmosfera da pista e foi transitando para músicas mais dançantes e animadas, puxando mais ainda a atenção do público”. O ápice, me disse, foi quando ela tocou a música “Takadoom” do Jenia Tarsol, colocando todos para dançar. “E conseguiu introduzir para dentro do seu set podendo assim conduzi-los para onde quisesse e assim ela nos levou para um set techno um pouco mais denso e melódico finalizando assim” disse Matheus, que me confessou ter chorado em determinado momento do set de Eli (S2).

Estudante de engenharia elétrica, Matheus produz música eletrônica, ainda para si mesmo e, tal como o Phil de 15 anos atrás, frequenta e tem no templo em Itajaí uma referência de formação. Lado a lado, nos postamos para ver o alemão Gerd Janson. Gerd foi decisivo para sua ida ao festival. Como nunca havia visto ele, a expectativa era grande. “Presenciar pela primeira vez no WDF, no Garden, com a energia do templo na Pedreira Paulo Leminski, tornou tudo mais especial”, me disse logo na abertura do set de Gerd em meio a uma atmosfera que o surpreendeu pela linha de deep house. “E quando menos esperava, estava dançando disco, ouvindo vocais de respeito, transições para o techno e retornando para o deep house com excelência. Duas tracks pilares de seu set foram ‘Tim’s Symphony’ do Younger Rebinds, que foi tocada com outra track com um vocal repetitivo que encaixou muito bem, e a track ainda não lançada ‘Skin’, do Glowal, deep house forte e aclamada atualmente por muitos. Foi um set incrível, e esperamos que Gerd esteja em breve presente em nosso querido club em Itajaí para mais um grande baile”, sintetizou o catarinense em uma das resenhas que seguimos durante a semana.

Pois então, na sequência o outro alemão: DJ Koze. E, se fui até lá para vê-lo, o que tinha vivenciado até ali já teria bastado. Qualquer coisa que se pudesse colocar pra ouvir, eu ficaria de boa. Mas não, era o DJ Koze. Ele começou uns dois minutos depois de Gerd encerrar. Na primeira hora, manteve um techno cadenciado em constante. “Magical Boy” esteve nessa primeira hora, que foi seguida por passeios ao house com o techno como centro/sentido. Em um desses passeios, óbvio, “Pick Up”, long & delicious version, aquecendo coração, pé e cabeça. Em um dos passeios misteriosos ele apresentou uma versão de “Ai ai ai” de Vanessa da Mata. Como habitual, tudo desconstruído pelas suas edições.

Foto: Gustavo Remor e Ebraim Martini para WDF.


Koze estava sério, visivelmente concentrado aos detalhes de sua performance, teve no arco íris desenhado algo mais reto. Explorou menos gêneros que se pudera esperar. Como habitualmente, não jogou muitos dos seus números registrados em disco, e sim edits de sons que, ali, alcançava a tudo e todos. E nesse clima, algo manso, leve, que foi indo e teve seu fim. E, se teve um set que deixou gosto de quero mais, foi esse do Koze. Foi intenso e verdadeiro. Mas seria interessante tê-lo visto flertar mais com o hip hop. Claro, em três horas é difícil ampliar tanto o recorte, por isso aguardo a próxima. Se bem que caso ele tivesse tocado “Planet Hase” não sei onde teria parado.

O WDF já confirmou sua sétima edição para abril de 2020, esteja atentx. Um festival que vale se programar e ir. Se programar, sim (!) Tem a viagem pra quem não é Curitiba, nosso caso. Tem toda a permanência no festival. Eu, que não estava bebendo álcool, apenas em água gastei pouco mais de r$100,00 (cada garrafa por R$10). Imagine para quem for tomar doses e cervejas?

Vida longa ao Warung Day Festival! Que se mantenha em equilíbrio e ativo. Seis anos são um ativo importante e sólido estabelecido. Que a organicidade do crescimento se dê cada vez de forma mais abrangente em termos artísticos e de abertura e formação de públicos. Toda ausência é uma possibilidade de abertura. Mais uma vez, obrigado pela oportunidade.

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22/04/2019

Bruno Barros é produtor de conteúdo independente. s.brunobarros@gmail.com | @labexp
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Bruno Barros