Entrevista | Silva transitório e do mundo

17/06/2015

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Ingrid Flores

Por: Ingrid Flores

Fotos: Ingrid Flores

17/06/2015

O Silva que canta “Essa noite tem/Vem, pode chegar” quase não parece o menino tímido que usava a camisa abotoada até o topo quando lançou o primeiro EP, lá em 2011. E a verdade é que ele não é mais aquela figura super contida mesmo.

O capixaba vive um momento de mudanças como artista, muito bem retratado em “Noite”, single em parceria Lulu Santos e o rapper Don L. A nova faixa rendeu três shows de lançamento no Sesc Bom Retiro, em São Paulo, onde pude conversar com ele sobre essa nova fase. “Eu tô num momento bem diferente, de transição mesmo. Respeito muito o que eu já fiz, mas quero fazer coisas novas. Não quero repetir o que eu já fiz”, revela.

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Esse desejo de se permitir mais está tomando forma nos novos trabalhos e a cada vez que ele sobe no palco. “Ainda sou um cara tímido, mas eu tô perdendo a minha timidez aos poucos. Sempre quis que isso fosse uma coisa natural. Talvez demore mais. Provavelmente”.

Lúcio, que adotou o sobrenome mais comum do Brasil em busca de um nome artístico despretensioso, vem de um cenário bem específico, de família protestante. Mas ele nunca se encaixou muito nesse perfil. “Sou um cara zero religioso, mas tive essa criação. Então, quando eu comecei, a minha saída pra ser músico e pra expor meu trabalho sem ser de igreja foi sendo muito etéreo. […] Mas, ao mesmo tempo, eu sempre gostei muito de R&B, desde novinho, e de hip-hop também. Só que essas coisas eu nunca assumia na minha música, sempre deixava ali de escanteio, e agora eu tô com vontade de trazer isso de uma forma mais forte, sabe? Sem ser tão sutil, de um jeito um pouco mais marcante”.

Ele parece satisfeito em reconhecer que está se distanciando daquela figura mega recatada do começo da carreira. “Por exemplo, o Don L. Eu sempre fui fã dele, acho que tem um talento incrível e é um rapper que não faz um som old school. O tipo de som dele é mais moderno; ele tem umas referências que olham mais pra frente. E, hoje, fazer uma música com ele me faz ver que estou ficando mais à vontade com isso. Então me vejo muito diferente do começo”.

Um fluxo agitado de atividades também compõe esse novo quadro na vida de Silva. Em um período bem curto, ele tem administrado uma turnê extensa do álbum Vista Pro Mar (2014), a gravação de um clipe e de um mini-documentário na Angola, a participação no projeto Mar Azul (2015) de Milton Nascimento e, ainda, seguir criando.

“É meio louco porque, quando comecei, tinha aqueles tempos de ócio e aí você cria e tal. Agora, eu tô num momento em que é muita coisa acontecendo ao mesmo tempo. Tem que dar conta da estrada, de shows e de produzir música nova. E acho que hoje em dia você não tem como ficar igual aos artistas antigamente, que ficavam dez anos sem lançar um disco. Hoje as coisas estão indo muito rápido. Então é essa loucura de conciliar tudo com a criação, até porque eu fico muito mal se não crio. Você sofre tocando sem criar nada novo.”

O esforço não está sendo à toa. O artista que surgiu com um EP independente, abraçado num violino e em batidas eletrônicas, tem lotado casas de show, ganhou fã-clube e título de ídolo. E isso vem acontecendo com simplicidade, apenas como consequência de um trabalho bem feito. “É legal, as coisas vão tomando uma proporção que eu, pelo menos, não esperava. E tá acontecendo de forma natural. Não tem uma coisa muito publicitária, muito grande. As coisas estão indo aos poucos, eu tô gostando”.

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Silva é um artista de lugares. Olhando apenas para o disco mais recente, a gente percebe referências em batidas africanas, em cidades do japonesas e nas lembranças de infância na praia de Capuba. Ele agarra as sonoridades que um mundo globalizado oferece, sem se prender à premissa de que “brasileiro tem que fazer música com a cara do Brasil” – uma postura que exige a coragem de quem enfrentou cenários restritivos pra se expressar. “Eu sempre vivi em meios que me disseram como eu tinha que ser. Era a igreja ou era música erudita, todo mundo muito bitolado num pensamento só. E eu sempre fui muito questionador com isso”.

Em meio a essa relação com diferentes partes do mundo, ele parece revelar sem querer os traços do menino capixaba tímido, imerso em sua criatividade. “Quando ouço uma banda de um lugar que eu não conheço, tento imaginar como é lá pelo som. E tento reproduzir isso de alguma forma no meu trabalho também, com a minha imaginação. É isso: eu tento acessar na minha memória ou na minha imaginação coisas diferentes, pra não ficar muito preso só ao folclore do Brasil”.

Em tempos em que, como Silva mesmo disse, “a gente bate palma quando um cara da Noruega ouve Caetano Veloso, mas se um brasileiro ouve uma banda da Noruega é porque tá metido a gringo”, é preciso ter coragem para ser um artista do mundo – e não apenas para o mundo.

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17/06/2015

Jornalista por formação, questionadora e overthinker por não conseguir evitar.
Ingrid Flores

Ingrid Flores