Moda, música e futebol: como a tendência blokecore dominou o armário da Gen Z

14/02/2025

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Por: Natália Guadagnucci

Fotos: Divulgação

14/02/2025

Na última semana de moda de Londres, em setembro deste ano, as passarelas tradicionais foram trocadas por um cenário inusitado: um estádio de futebol. Para apresentar a sua colaboração com a marca britânica Labrum, o time londrino Arsenal organizou um desfile em seu Emirates Stadium. 

No centro das atenções, estava o kit de uniformes para a temporada de 2024/25 da equipe, com cores inspiradas pela bandeira Pan-Africana (vermelho, preto e verde). A Labrum, que usa suas criações para disseminar as histórias não contadas da África, trabalhou para que a coleção fizesse referência às histórias dos próprios jogadores e sua conexão com a diáspora africana na Inglaterra. 

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Além de demonstrar o impacto cultural do futebol, a parceria mostra como a moda pode ajudar a potencializar as mensagens do esporte para além dos atletas e torcedores. É também um bom exemplo para traçar os contornos da tendência conhecida como blokecore, que trouxe o estilo esportivo para o centro do street style, ultrapassando as linhas dos gramados. 

O termo começou a circular no fim de 2021, depois que o tiktoker estadunidense Brandon Huntley notou que os YouTubers britânicos de futebol repetiam com frequência a palavra “bloke” — uma gíria britânica equivalente ao “bro” ou “dude” dos Estados Unidos e ao “cara” do Brasil. 

No ano seguinte, blokecore já tinha se tornado sinônimo da estética que reimagina o visual clássico da cena futebolística. Mais do que vestir a camisa do time do coração, o look agora envolve inserir as peças em produções fashionistas e com identidade própria, encabeçadas especialmente por jovens da geração Z. 

A tendência também incentiva a coleção de camisas retrô, que pode incluir uniformes de equipes pouco conhecidas, da segunda ou terceira divisão de diferentes países ao redor do mundo — quanto mais raro o achado, melhor. O sucesso do tênis Samba, da Adidas, também pode ser conectado ao movimento, assim como as bermudas jeans largas e as calças e jaquetas com listras laterais. 

“Desde os anos 1990, a camisa de time de futebol se tornou um símbolo de identidade cultural e de pertencimento, refletindo tanto a paixão pelo esporte quanto um estilo de vida mais casual e despretensioso. Atualmente, essas camisas traduzem o desejo da geração Z por roupas exclusivas e sustentáveis, tanto por meio de peças vintage quanto de produtos que imprimem a estética Y2K [dos anos 2000]“, define Vanessa Hikichi, especialista da empresa de análise de tendências WGSN.

Se a obsessão da internet não fosse prova suficiente, grandes grifes de moda também começaram a incorporar a estética em suas coleções. Neste ano, o diretor criativo da Balenciaga, Demna Gvasalia, lançou uma linha limitada de camisas e calças de treino, transformando o logo da marca em um escudo de time. 

Outras etiquetas vão além, colocando os jogadores como embaixadores e vestindo as equipes dentro e fora dos campos. A Dior, por exemplo, é a responsável pelos looks formais do time francês Paris Saint-Germain, além de peças casuais para eventos fora da arena. 

Já o Real Madrid ganhou uniformes de viagem assinados pela grife italiana Zegna para a temporada de 2023/24. Outro exemplo é o time italiano Juventus, que tem uma parceria de sucesso com a marca de luxo Loro Piana — ela veste os jogadores para todas as ocasiões oficiais, dos jogos aos eventos formais. A estilista britânica Stella McCartney, por sua vez, criou a primeira camisa exclusiva para o time feminino do Arsenal, em parceria com a Adidas. 

“As marcas de moda começaram a olhar para os esportes como uma forma de comercializar seus produtos para grupos de consumidores que talvez não fossem seu público-alvo anteriormente. Os próprios atletas se tornaram grandes marcas e veículos de comunicação por si só”, diz Daniel-Yaw Miller, correspondente de esportes da publicação Business of Fashion

Os números comprovam o sucesso: as receitas de merchandising dos times europeus estão 60% maiores do que os níveis de 2019, de acordo com a União das Associações Europeias de Futebol (UEFA), que rege o futebol profissional do continente. Em 2023, o Real Madrid ficou no topo da lista de receitas totais com seus kits, lucrando 841 milhões de euros. Outro time popular, o Barcelona ficou na terceira posição, com uma receita total de 815 milhões de euros.

As sementes já estavam sendo plantadas há algum tempo. Na década de 1990, personalidades como o casal David Beckham, astro do futebol inglês, e Victoria Beckham, integrante do grupo-fenômeno Spice Girls, e bandas que chegavam ao auge, como Oasis e Blur, ajudaram a unir a paixão pelo futebol para o universo da música, tornando as camisas um uniforme extraoficial para fãs e seus ídolos. Por aqui, grupos como Charlie Brown Jr., Racionais MC’s e Skank também já firmavam os laços entre música, futebol e estilo. 

Agora, a tendência blokecore, que vem junto com um sentimento de nostalgia pelas décadas passadas, também parece inspirar uma nova geração de músicos e estrelas do pop, especialmente quando o assunto é merchandising. Saem as camisetas de banda clássicas, entram camisas inspiradas em times de futebol. “Essa nostalgia cultural pode refletir o desejo por conexões mais autênticas e significativas em um mundo cada vez mais digital e superficial”, reflete Vanessa Hikichi.

Como parte da celebração de dez anos do Coala Festival, a organização do evento se uniu à marca esportiva Umbro para criar uma duas camisa jersey de futebol, uma de manga curta e uma de manga longa, com estampas inspiradas nas ondas sonoras das músicas dos artistas do Coala Music (ecossistema que inclui o festival, a gravadora e o núcleo de gerenciamento de carreira de artistas). 

As peças vendidas durante o festival, que aconteceu em setembro, logo viraram hit entre o público. “A camisa de time acaba exercendo uma função que vai além da estética. Ela é um item que as pessoas usam para reforçar seu pertencimento a determinado grupo, demonstrando que compartilham os mesmos valores e crenças.

No nosso caso, as jerseys foram uma ferramenta para os fãs mostrarem seu apoio à cena local e seu orgulho pela música brasileira, assim como os torcedores demonstram apoio ao vestirem as camisas de seus times. A collab trouxe à tona essa interseção entre o fã de música e o torcedor de futebol, em que ambos atuam de forma semelhante, seja nas arquibancadas do estádio ou nas pistas dos shows”, destaca o diretor criativo Christiano Vellutini, um dos sócios do Coala Music e mente por trás da collab.

 

As similaridades entre os universos também inspiraram o novo merch da cantora anglo-albanesa Dua Lipa, que lançou seu terceiro álbum de estúdio, Radical Optimism, em maio. O merch do disco tem como destaque uma camisa típica de futebol, com direito a gola em evidência, aplicação de estrelas e o número 22 (que faz referência à data de nascimento da cantora, 22 de agosto de 1995). 

No Brasil, a rapper mineira Clara Lima olhou para o universo futebolístico não só na hora de pensar no merch, mas também ao compor seu mais recente EP, intitulado Jersey Culture BR. A cantora, que é dona de uma coleção invejável de camisas de time, se juntou à marca Hubik para desenvolver seu próprio manto, que traz estampado o verso “Artilheira Marta, não Messi”, da faixa “Camisa 10”. 

Responsável por formalizar o futebol da forma como o conhecemos hoje, a Inglaterra costuma receber todos os créditos pela popularização do esporte — e consequentemente, de sua estética —, mas vale lembrar que sua história também está intrinsecamente ligada à América Latina. 

No Brasil, nomes do funk e do bregafunk tiveram um papel especial em tornar o estilo desejável. A dupla recifense de bregafunk Shevchenko & Elloco chegou a criar sua própria marca de roupas, a 24 por 48, que surgiu a partir do time de várzea Tropa 24 por 48, comandado por Shevchenko. Inspirada em grandes marcas esportivas e, claro, nos uniformes da torcida, a etiqueta produzia camisetas, regatas, bonés e até bolsas em tons de neon, que rapidamente esgotavam. 

“É mais uma tendência do TikTok que foi creditada a pessoas não-latinas, mas que começou há muito tempo nas comunidades latinas e negras”, destaca a escritora e estrategista Ashley Garcia Lezcano, estadunidense de ascendência colombiana. Para ela, blokecore é um termo eurocêntrico, que invisibiliza as tendências que nascem das periferias e grupos marginalizados. 

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14/02/2025

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Natália Guadagnucci