Zopelar comenta o LP de “Ritmo Freak” faixa a faixa

07/07/2024

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Ariel Fagundes

Por: Ariel Fagundes

Fotos: Gabriella Garcia/Divulgação

07/07/2024

Pulsante, enérgico, sensual. Ritmo Freak, o novo álbum do DJ e produtor musical Pedro Zopelar, passeia com muita precisão por diferentes vertentes da música de pista. Do Ambient ao Deep House, o disco espelha os sentimentos do músico e suas impressões sobre a vida na estrada, entre quartos de hotéis e o breu absoluto de casas noturnas.

O conceito que dá nome ao projeto, conta o músico no faixa a faixa que segue abaixo, é como um cartão de visitas, um título que busca se comunicar: “A palavra ‘ritmo’ é uma palavra acessível. Parece que em todo mundo lê essa palavra do mesmo jeito. E é muito louco, porque fazendo música, penso em combinar os sons, e me divertir ali no processo. Por isso é importante olhar e enxergar o conceito depois. Quando o conceito vem antes da criação, você começa a se limitar dentro daquilo”.

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Foto: Gabriella Garcia/Divulgação

O músico explica ainda que Ritmo Freak foi bastante influenciado pelo mundo dos discos de vinil: “Numa esfera que não é a do DJ, mas da produção. Também uma busca consciente de me distanciar dos conceitos ou das teorias musicais, e abraçar essa sonoridade que tem a ver com o ouvido. ‘Como usar um disco como um instrumento? Como aquele pequeno fragmento de uma música vai misturar com outros e gerar uma coisa é 100% original?’, pensava. Grande parte do meu exercício é também buscar essas coisas que eu ainda não domino, e não de ser um artista de um gênero só”. 

Ritmo Freak ganhou uma versão em vinil, lançada pelo selo dinamarquês Tartelet Records, que está disponível no Bandcamp do artista. A seguir, confira o faixa a faixa do álbum, dividido por lado A e B.

Lado A

Ritmo Freak
Essa música se transformou no motivo principal do disco e inspirou o conceito de ser mais dançante. A princípio, a nossa ideia era fazer um disco mais lento. E acabou que esse nome chamou muita atenção da gravadora. Eles entenderam como um conceito legal. A palavra “ritmo” é uma palavra acessível. Parece que em todo mundo lê essa palavra do mesmo jeito. Eu achei uma coisa legal e foi a música que amarrou esse conceito por trás do disco, mesmo ela sendo uma das últimas a ficar pronta. 

Ela foi feita aqui no estúdio com o Gabto. Foi a nossa primeira sessão. A gente ficou umas três ou quatro horas conversando sobre coisas da vida, sobre os momentos. Já tinha desencanado até que a gente ia fazer música nesse dia. Mas eu resolvi mostrar para ele um sampler que eu tenho trabalhado, que é um clone da SP1200, que é um dos primeiros samplers da história. Esse é uma versão mais nova e que tem a mesma sonoridade. E eu peguei um disco e dali eu já vi um kick legal, já veio uma caixa também. Foi muito rápido o processo. E do nada a gente tinha essa música praticamente pronta dentro da máquina. Liguei o Abbleton, gravei a música ao vivo. Gabto tocou os teclados. A gente construiu os patterns juntos, e no outro dia eu já tinha mixado e a música estava pronta. 

Logo mandei pra gravadora, e eles gostaram bastante da música e do título. Eu tive a ideia do título porque um dos samples fala uma coisa que parece que é tipo “ritmo freak”. O “freak” é mais difícil de você entender, então eu coloquei no nome. Nomeio as minhas músicas para eu lembrar pelo nome. E às vezes, na hora de lançar, eu mudo.

Beat Me
É uma das que eu mais gosto desse disco. Ela também tem vários micro-samples de músicas. O kick, a caixa e alguns loops de bateria, opróprio sample da voz, tudo eu achei em uns dois ou três discos. São pedaços muito pequenos que eu nem sei dizer de onde veio cada coisa. E foi de um rolê que eu dei com o Akin [Deckard]. Ele me chamou pra fazer um digging de disco. A gente foi na loja Nostalgia, ali na Galeria do Rock, e ele super interessado em músicas pra tocar na Pista Quente e nos projetos dele. E eu interessado em coisas para samplear. É uma outra visão quando você compra um disco. No meu caso, não me interessa se o disco é raro ou se o disco é bom. Às vezes é um pedaço que você quer da música e você só quer gravar e transformar aquilo numa outra música. É muito diferente. Às vezes eu sampleio um disco e nunca mais vou ouvir ele. Às vezes eu nem quero saber de onde ele vem, pra não ficar apegado. Eu gosto de esquecer, e de fazer esse processo de realmente transformar aqueles fragmentos em uma coisa nova. E essa música nasceu logo depois desse rolê que a gente deu. 

Foto: Gabriella Garcia/Divulgação

Cheguei em casa e fui recortando partes. E alguns dias depois eu já estava tocando ela. Toquei no meu aniversário na Praça Ramos, quando a gente fez uma ODD lá. Era uma música que eu queria lançar de alguma forma. Ela combina muito com a primeira e é uma música que dita também a vibe desse disco. Algumas pessoas falaram sobre um sentimento meio sexual, uma coisa meio: “caralho, eu fiquei com tesão ouvindo aquelas músicas”. E depois disso eu fui reparar que é uma música extremamente erótica. Um ritmo meio Dark, que lembra esse lado erótico da cena noturna.

Me lembra muito a liberdade que existem nas festas de sexo, nas baladas que eu toco em Berlim e em São Paulo, como o Panorama Bar e a Dando, por exemplo., que é uma coisa ao mesmo tempo sexual e dark. E isso também influenciou um pouco a capa, a ideia dessa boca com bigode que pode ser que seja a minha boca ou não, meio que com os dentes sobre os lábios suando, tipo falando: “Freak”. Então, depois eu fui entender que essas duas primeiras músicas têm uma vibe meio erótica mesmo. E é muito louco, porque fazendo música eu nunca penso nisso. Penso em combinar os sons, e me divertir ali no processo. Por isso é importante olhar e enxergar o conceito depois. Porque quando o conceito vem antes da criação, você começa a se limitar dentro daquilo.

Gabriellinha’s Boogie
Essa é uma das músicas que mais se conecta com os meus últimos trabalhos. Ela tem essa vibe meio synth funk, com solos. O único sample que tem foi eu mesmo que cantei, que é o: “Gabrielinha”. Eu só falei e depois eu fiz aquela sequência com o sample. Essa música foi feita pra uma publi que a Gabriela, minha esposa, fez. E ela queria usar uma música da Chaka Khan, só que ela não poderia usar. Dentro da publicidade você só pode usar umas trilhas brancas horríveis, do Instagram. Então às vezes eu faço essas coisas pra ela. 

Essa música também surgiu muito rápido. E a gente gostou tanto que eu mandei ela para o selo, achando que traria um clima interessante para o disco. Não imaginava que iria lançar ela assim. E não é à toa que ela é até agora a música mais tocada nas rádios entre os DJs que receberam o promocional do disco. Ela está na lista de rádios como NTS, rinse FM. Em várias rádios que destacaram esse disco, a “Gabriellinha’s Boogie” foi a mais tocada. Eu acho bem legal porque ela traz um pouco da vibe dos meus discos antigos com sons de DX7, com os teclados meio clássicos que já se tornaram parte da minha identidade. É uma música de família, que eu fiz para minha esposa e fiquei super feliz que ela entrou no disco. Inesperada.

Distraction
É uma das músicas que pode ser que fique mais evidenciado esse uso dos samples. São muitos pequenos samples usados de uma forma bem musical e rítmica. Mesmo ela não tendo uma bateria em si, tudo entra como uma noção rítmica bem definida. E é uma das músicas que eu mais gosto por ser bem climática, estranha e fora do convencional. E acho que também traz uma vibe meio sexy, meio envolvente e hipnótica. Ela é diferente. 

Já é uma característica dos meus discos essas músicas que são “changing sides”, que é quando você vai trocar o lado do vinil. Eu sempre coloco – ou tento colocar – essas músicas que são mais lentas, mais estranhas, pra preparar a audição para o próximo lado. Então essa é a última música do lado A e ela dá uma descomprimida desse clima que vem das duas primeiras músicas mais pancadas, e preparando pra uma nova história que é o lado B do disco. É a mais diferentona do álbum. 

Também recebi muitos feedbacks dela nas promos, que eu acredito justamente por ser algo mais fora do comum. E por trazer essa ideia da colagem dos sons, de uma forma mais crua, sem as batidas fortes. Eu acho que fica mais perceptível assim que aquele som foi feito com pequenos fragmentos e uma combinação meio não usual da paleta sonora. 

Lado B

Safe In The Dark
Começa o lado B do disco, e é uma música que traz bastante da sonoridade que vai conectar com os meus próximos discos, que é uma via do Deep House hipnótico, sem vocais. Essa música não tem samples. Apenas drum machine 808, sintetizadores, e é bastante inspirada em artistas que eu gosto como Kylie Hall, Steven Julien, Byron the Aquarius. 

Eu tenho me reconectado muito com o Deep House, que podem ser músicas instrumentais bem profundas, que trazem um sentimento envolvente. E a ideia desse nome é em torno de você abraçar a sua própria sombra. De você entender que pode estar seguro no escuro, e seguir a sua intuição. Essa música talvez seja a mais poética do disco – mesmo sem ser uma música que tenha artifícios como voz, palavras ou solos -, e que traz esse sentimento de segurança e ao mesmo tempo é de uma melancolia. 

O nome dessa música veio a partir de uma conversa que eu tive com a Ornella [Cicchetti], que é a cabeça da Sounds Familiar, agência responsável pela representação do meu trabalho na Europa. A gente estava falando sobre os clubs e o início da música eletrônica, e ela falava daquela sensação de ir para uma boate totalmente escura e sentir-se segura. Ela falou na verdade: “Dark places where I feel safe” – lugares escuros onde eu me sinto segura -, querendo descrever o ambiente de uma pista. Inclusive, eu tenho uma música com esse nome que vai sair no meu próximo disco e elas meio que conversam uma com a outra. “Safe in the Dark” é uma analogia a esse nome. Que é como me senti seguro na escuridão. E hoje olhando, ela fala sobre abraçar as próprias sombras e entender que as coisas difíceis e obscuras também fazem parte do que a gente é. Tentei nomeá-la de forma a trazer esse sentimento poético e importante para nossa compreensão de vida. Nesses tempos de redes sociais, onde só se compartilha a parte boa e o que é bom, acho que é muito importante a gente aprender a lidar com as nossas sombras e com a escuridão quando preciso. 

Moonlight (feat Manuel Darquart)
Foi uma música muito inusitada, que também ficou pronta no meio do processo do disco, já depois da realização da apresentação no festival. Surgiu na mesma época em que eu estava reunindo a playlist desse álbum. E ela tem a participação do Manuel Darquart, um produtor neozelandês baseado no Reino Unido que eu conheci em Itacaré. Algo muito randômico, porque ele veio ao Brasil para tocar no Festival da Cardume, que é uma festa de São Paulo que também acontece em outros lugares. Nos encontramos lá, e acabou que a gente se fez companhia uns dois dias. Ele já conhecia a minha música e eu também conhecia a música dele, então foi natural a gente se aproximar. E logo depois que voltou para Londres, ele me mandou um beat, e eu fiz a música e incluí na playlist para bater com a gravadora, e eles gostaram para caramba. 

O nome vem do momento quando ele tocava naquela noite em Itacaré. Eu toquei meio de tarde, no entardecer. Foi muito legal, pois terminei de tocar e fui dar um mergulho naquele mar quentinho da Bahia. Essa é uma sensação muito boa. E logo depois começou o set dele que foi noite adentro e tinha uma lua cheia enorme. E procurando um nome para essa música, eu só conseguia pensar no momento dele tocando lá com a lua cheia maravilhosa da Bahia. Então o nome é uma homenagem a isso também. Eu lembro muito da lua refletindo no mar, e a ideia do nome ser a luz da lua – Moonlight – foi uma coisa que tinha a ver com esse reflexo dessa lua, que já tava grande, e que ela aparecia ainda maior com o reflexo e com a música que tava rolando, que foi muito bom o set dele esse dia.

Foto: Gabriella Garcia/Divulgação

Free Your Spirit (Ritmo II)
Essa música é uma das minhas músicas preferidas também. Ela traz essa sonoridade do Proto House, e eu brinquei um pouco com esse sample “ritmo”, que foi a minha própria voz, que aparece na música repetidamente: “ritmo, ritmo’” E ali já era um presságio do “Ritmo Freak”, e depois que veio a “Ritmo Freak”, eu mudei o nome dela para “Free Your Spirit”, mas ela tem lá ainda “Ritmo 2” entre parênteses.

A ideia do nome Ritmo Freak veio um pouco dessa música, que já era um protótipo da expressão. Ela vem depois dessas músicas um pouco mais introspectivas, assim como “Safe In The Dark”, “Moonlight”, e traz uma vibe mais feliz ao mesmo que um anarquismo também. É uma euforia menos profunda. É uma música em que as coisas estão ali mais na cara, tem um piano, tem uma linha de baixo bem dançante. É uma música que também conecta muito com “Beat Me”, “Ritmo Freak”, e que ajuda a formar o conceito principal do disco. 

Hotel Room
É uma música típica que eu gosto de ter nos meus discos, principalmente pra finalizar, que eu adoro colocar faixas Ambient. Mais uma vez, esse é o fim do lado B, então é uma ideia de começar a limpar a audição para uma outra audição, para um outro disco. É uma música para descomprimir. Esse nome, “quarto de hotel”, vem do sentimento de, às vezes, depois de tanta euforia da gente como DJ, em que você acorda e vai tocar num lugar que tem muitas pessoas, e você faz aquelas pessoas dançarem – tudo é uma energia muito alta. De repente, meia hora depois, você tá no quarto de hotel, e você tem que dormir 5 horas pra acordar no outro dia. Ela traz esse sentimento um pouco de descompressão, e é uma coisa que eu sinto na verdade. Eu não ouço músicas no quarto do hotel depois de tocar. Mas é uma música que traduz o sentimento de descompressão. 

Essa música é algo que vem na minha imaginação, quando eu tô em situações de descompressão. Quando você tá no céu voando, de um lugar para o outro. Quando você tá no quarto de hotel depois de uma noite eufórica, de pegar uma pista animadíssima. Então é quase como se fosse uma música que acontecesse dentro da nossa cabeça. Como se fosse uma música que mistura um pouco os elementos de coisas que você está ouvindo no fundo com alguém tocando saxofone ali do outro lado na rua e o som das pessoas falando. É uma música para simbolizar essa ideia da música incidental que acontece às vezes só na nossa cabeça, que é cheia de espaço para outras coisas. A música ambiente é muito legal porque, ao contrário de uma música de rock – por exemplo, que tem uma banda com tem tudo ali na sua cara, a letra, para você entender -, ela te deixa espaço para você imaginar outras coisas além daquele som que tá rolando. Ou dessa possibilidade do som ambiente se fundir com o que tá acontecendo que seja com uma conversa, ou com outros sons que você está ouvindo.

Essa é uma inspiração bem latente para mim em músicas sem beat. Eu sempre tento fazer músicas assim e acaba que elas às vezes vão ficando na minha gaveta. Sempre que eu vou fechar um novo álbum, eu trago essas músicas para compor e trazer esses momentos também de reflexão e de limpeza da audição. De preparar para uma outra parte. Isso faz parte da composição dos meus álbuns, desde o “Stepping Stone To The Future Of Space Exploration”, que foi o primeiro, e tem dois ou três momentos Ambient, até então. 

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07/07/2024

Editor - Revista NOIZE // NOIZE Record Club // noize.com.br
Ariel Fagundes

Ariel Fagundes