10 discos “perdidos” disponíveis em vinil

16/10/2024

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Bruno Mattos

Por: Bruno Mattos

Fotos: Reprodução/ Unsplash

16/10/2024

“Se não tá no Google, não existe”. Há toda uma geração de adultos que cresceu ouvindo – e repetindo – essa frase. A brincadeira revelava uma concepção da internet como espaço colaborativo, uma Biblioteca de Babel contendo todas as formas de expressão já criadas pela humanidade. Não era uma ideia muito diferente daquela que, séculos antes, dera origem à primeira enciclopédia impressa. A grande novidade da nova utopia era o seu caráter multimídia. Não era mais preciso se limitar a textos explicativos, pois a internet era capaz de incluir de imagens, vídeos e, é claro, música.

Com o passar dos anos, a ideia de uma Internet de acesso livre e universal se tornou cada vez mais distante. Em muitos casos, os interesses financeiros de grandes corporações prevaleceram sobre o uso criativo dos usuários. O mercado da música é um grande exemplo disso, com sua longa viagem do Napster aos serviços de streaming (Kazaa, e-Mule e o persistente Soulseek foram algumas das paradas ao longo do caminho). O sucesso da longa guerra contra a pirataria parece ter gerado uma nova frase de efeito: “Se não está no Spotify, ou ao menos no YouTube, não existe”.

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O colecionador de vinil sabe que, na realidade, a coisa é bem diferente. Há muitos discos que, por alguma razão, acabam esquecidos pelo meio virtual. Claro, algumas almas caridosas utilizam suas vitrolas para digitalizar raridades e disponibilizar esses trabalhos online. Mas basta entrar em um sebo e olhar ao redor para entender que esse é um trabalho de formiguinha, e uns poucos pesquisadores jamais darão conta dessa tarefa. 

Por sorte, a obscuridade traz ao menos uma vantagem: muitos álbuns caem no esquecimento porque seu relançamento não é considerado comercialmente viável e, por isso, é possível disponibilizá-los na internet sem maiores empecilhos. A seguir, apresentarei alguns discos brasileiros que ainda não tiveram essa sorte. Não são as raridades que constam da lista de todo colecionador. Muitos deles podem ser encontrado a preços baixos, apesar de seu grande valor cultural e artístico. É provável que você não os encontre para ouvir na rede, mas fique atento em seu próximo garimpo: eu juro que eles existem!

Marília Medalha (1969) – Marília Medalha

Esse é difícil de entender. Uma artista consagrada e de alto nível técnico. Arranjos de Rogério Duprat, que no ano anterior ganhava notoriedade ao trabalhar com nomes um tanto promissores como Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gal Costa e Os Mutantes. Uma linda versão de São Paulo, Meu Amor, de Tom Zé – outro nome em ascensão naquele momento. Lançamento pela Philips, uma das gigantes da época, com direito a single e divulgação nas rádios. Precisa de mais? Pelo visto, precisava. Marília conseguiu construir uma carreira de sucesso, mas esse LP segue esquecido mesmo por muitos aficionados do tropicalismo. 

Tambores da Tribo (1996) – Beto Terra

Beto Terra - Tambores da Tribo / Reprodução

Basta uma rápida olhada na contracapa para entendermos que temos em mão um disco feito na base da raça e do amor. Mais de 40 anúncios publicitários, de auto elétricas a clínicas oftalmológicas, dão pistas da batalha que Beto Terra, santista então radicado em Umuarama (PR), travou para colocá-lo nas prateleiras. É um disco de altos e baixos, em que se destacam “Primeira Manhã Xetás” e “Naipi e Tarobá”. Como tantos discos esquecidos, Tambores da Tribo cria o retrato da cena musical de uma cidade do interior, marcada por músicos que jamais alcançaram a fama, mas dedicaram suas vidas à cultura do país.

Cláudia (s/data) – Eloá

Claudia - Eloa / Reprodução

Se os álbuns brasileiros não digitalizados são cada vez mais raros graças ao esmero de colecionadores, o mesmo não pode ser dito dos compactos. Talvez o motivo sejam as pequenas tiragens: muitas gravadoras lançavam uns poucos exemplares de artistas desconhecidos para testar a receptividade do mercado. Se a vendagem fosse ruim, a carreira podia acabar ali. Tudo indica que foi o caso de Eloá, que lançou esse compacto estranhíssimo pelo selo Embalo, de Goiânia. Destaque para os vocais agudos de tonalidade onírica e o saxofone frenético, que juntos soam como um café-da-manhã de ressaca.

Atualidade e Mitologia (1976) – Sergian

California/Reprodução

Nem precisava avisar: colecionador nenhum que se preze deixaria essa capa passar se a encontrasse no bacião de cinco reais. Este é o único álbum lançado por Sergian – apelido de Sérgio Angelloti, como deixa transparecer a autoria de todas as faixas. As músicas, uma mescla de Jovem Guarda e brega ao estilo de Fernando Mendes, soa anacrônica para 1976. Mas os improvisos de guitarra fuzz, os arranjos de sopro pontuais e a competência de Sergian fazem com que a faixa título e “Coisas das Coisas” justifiquem a busca por esse LP. Além da capa, é claro. A capa já seria suficiente. 

Aviso Aos Navegantes (1956) – Alberto Ribeiro

Continental/Reprodução

O texto na contracapa do 10 polegadas compara Alberto Ribeiro a João do Rio, Olavo Bilac e Machado de Assis. Pode parecer exagero, mas não é: Aviso aos Navegantes foi nada mais nada menos que o primeiro disco de protesto brasileiro, com 16 sambas de crítica à ditadura do Estado Novo. Alberto (não confundir com o homônimo português, cantor de fados) trata também do acesso à educação, do analfabetismo, da desigualdade e de outros problemas que ainda assolavam o país até o fechamento desta edição. Talvez o injusto esquecimento do álbum se deva em parte porque o disco só saiu após o fim do regime Vargas.

Firmino de Itapoã (1980) – Firmino de Itapoã

Copacabana/Reprodução

Firmino está longe de ser um artista esquecido – com um punhado de álbuns lançados, o sambista baiano chegou a fazer turnês pelo exterior e se tornou nome conhecido em rodas de samba do Rio. Na lista de artistas que gravaram composições suas, constam Beth Carvalho e Gilberto Gil, mas isso não foi o suficiente para que alguém se interessasse por digitalizar sua obra completa. Por isso, hoje sua base de fãs é mais restrita à Bahia. Esse disco mescla o samba popular da época, com alguma influência de Wando, e elementos do candomblé. Destaque para o groove de “É Bahia, é Salvador”.

Coleção Documentos da Música Brasileira (1979-1984) – Vários Artistas

Funarte/Reprodução

Produzida pela FUNARTE, a coleção Documentos da Música Brasileira teve ao menos 13 volumes. Dedicada a compositores brasileiros de música erudita, as edições contam com encartes caprichados e, em alguns casos, participação dos compositores. Lançada no final da década de 1970, ela simboliza um bom investimento público na divulgação e preservação da arte brasileira – tanto é que muitas das peças presentes nesses discos não ganharam novas gravações comerciais desde então. E ela está longe de ser caso isolado: Documentário Sonoro do Folclore Brasileiro e a coleção de compositores paraenses da UFPA são outros bons exemplos.

Canto Índio (1979) – Terra Viva

Grupo Terra Viva/Reprodução

No final da década de 1970, a música gauchesca já havia se consolidado do ponto de vista comercial. Mas alguns conjuntos jovens passaram a trabalhar o gênero desde uma abordagem menos dogmática. Nas letras e na sonoridade (com a incorporação de instrumentos andinos, indígenas e do candomblé), esses conjuntos propunham uma estética de integração latino-americana, influenciados por nomes como Mercedes Sosa. O estilo mais suave e o sotaque menos marcado permitiu a eles conquistar públicos para além do Sul do Brasil. Dessa safra, o grupo Terra Viva é um dos exemplos mais vibrantes.

Zé do Norte e Seus Guriatãs (1973) – Zé do Norte e Seus Guriatãs

AMC/Reprodução


Zé do Norte
não pode ser considerado um desconhecido sob nenhum aspecto. Com longa carreira no analógico, ele se tornou famoso principalmente pelo clássico “Mulher Rendeira”, embora alguns questionem sua autoria e afirmem que a obra é uma canção popular adaptada pelo paraibano.  Seja qual for o caso, Zé do Norte é um músico excepcional que transita com facilidade pelo maracatu, baião, maxixe, toada e outros ritmos do Nordeste brasileiro. Falecido em 1992, ele vem ganhando notoriedade nos últimos anos devido ao resgate de sua obra por DJs, muito deles estrangeiros. O fato da maior parte de sua discografia jamais ter sido digitalizada é inexplicável.

Histórias das Malocas (1962) – Esterzinha de Souza

Chantecler/Reprodução

Com dez canções compostas pela dupla Hervê Cordovil e Osvaldo MolesHistória das Malocas foi concebido como registro do programa de mesmo nome transmitido em rádio e TV na época. A intérprete Esterzinha de Souza passeia pelo samba-canção e pelo choro para narrar diversos episódios cotidianos sem relação direta, mas situados em um mesmo universo – as malocas de São Paulo. Com personagens recorrentes (como Chico Linguiça e Pé de Chinelo) e intervenções de Adoniran Barbosa, que surge em alguns pontos como “apresentador” (sob o nome de Charutinho), o LP tem estrutura semelhante a um musical.

Esta matéria foi publicada originalmente na edição 124 da revista NOIZE, lançada com o vinil Marku Ribas (1983), em 2020.

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16/10/2024

Bruno Mattos

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