Bastou um álbum para Cícero agradar geral. Um disco jogado na internet, pra download gratuito em seu perfil no Facebook. Sem gravadora, sem estúdio e sem banda. O legítimo “feito em casa”.
Foi assim que o músico carioca gravou o seu primeiro álbum solo, Canções de Apartamento.
Público e crítica logo incluíram Cícero em suas playlists e pautas. A mistura de MPB com indie e rock fez o disco ser baixado por 10 mil pessoas em uma semana, e o cara esgotar ingressos pra show em apenas um dia.
Nas páginas da Noize #57 conversamos com ele sobre o começo de carreira e o novo jeito de fazer música. Sobre Los Hermanos, Tom Jobim, Kurt Cobain e Caetano. Aqui, você mergulha ainda mais nas referências do músico e descobre sua opinião sobre o eterno duelo “música digital vs música analógica”. Afinal, o próprio Cícero vê agora o seu Canções de Apartamento chegar as prateleiras no tradicional CD (lembra dele?).
Você já disse que é fãzaço do João Gilberto…
Foi o cara que sentou, tocou violão e mostrou pro mundo todo que parada era essa de tocar violão, né? Violão de nylon, em 1950, e ele lá sentadinho tocando violão… É o que eu tô fazendo agora, reafirmando João Gilberto. Basicamente é isso que eu faço. Canto baixinho que nem ele, suave que nem ele, tocando violão sentadinho que nem ele… Na verdade, ele que inventou essa porra toda.
E as comparações que rolam aqui e ali com os Los Hermanos?
É uma referência enorme como modelo de administração de carreira. Eles foram a primeira banda que eu vi que tem uma relação mais íntima com a internet, foi a primeira banda que eu vi ser grande fora da grande mídia, sabe isso? Foi a primeira banda que eu vi que não tava na novela, não tava na TV, não tava no rádio, não tava no jornal, mas tava lotando show, tava gerando interesse de uma galera… Foi a primeira banda que eu vi ser mainstream estando fora do mainstream, sabe? Isso foi uma inspiração pra minha geração, o fato de querer ser mainstream, mas fora do mainstream.
A imperfeição faz parte da arte e, consequentemente, da música, não é assim?
É, cara! O cara que tá ouvindo quer saber se o artista tá se emocionando ali naquela música e tá pouco se fodendo se o cara tá desafinando ou não, sacou? Os grandes cantores eram aqueles que assumiam mais as suas imperfeições. Eu sou totalmente partidário do amadorismo profissional, da galera que tem seu computador em casa, escreve seu livro, faz suas fotografias com seu iPhone e bota no seu Flickr ou gravar o seu disco e bota no Facebook e é isso E se não tiver bom o suficiente, as pessoas não vão ouvir. Simples.
Antes de indústria abraçar a música como arte de massa, neguinho já fazia isso, sabe? O Brian Jones gravava coisas do Rolling Stones dentro da piscina, o Paul McCartney gravava a coisas dentro do banheiro da casa dele… Isso é muito velho, é antes da indústria de disco. Sempre teve gente fazendo o que eu fiz. Sei lá, você pega uma grande banda de agora, o Foo Fighters, e os caras gravaram tudo na casa do Dave. É o que vai acabar rolando, porque as tecnologias tão cada vez mais acessíveis, então daqui a pouco não vai fazer mais tanto sentido assim você precisar fazer tanta concessão pra gravar num estúdio por uma grande gravadora. É uma parada que teve um começo, um meio e tá tendo um fim.
Então por que lançar o disco físico, em formato tradicional, depois de um retorno tão positivo na internet?
O disco físico é mais uma contrapartida pro público. Quando eu fiz o disco virtual e botei no Facebook, esse era o começo, o meio e o fim da parada. Aí o troço começou a ter uma sobrevida muito grande, pessoal começou a pedir, eu comecei a tocar em uma porrada de lugar. Começou a ter uma demanda muito grande pelo disco físico. Foi incidental você fazer um disco que tinha muita gente querendo.
Eu aprendi muito com isso, aprendi que as pessoas ainda querem disco. A real é essa. Eu não sabia direito se as pessoas ainda queriam um disco físico, ou se ter os dados no seu computador resolve. Mas a gente tem uma coisa afetiva com o material, né? Essa coisa que você pode pegar e movimentar e guardar. Eu acho que o disco, ele tá passando a importância que ele tinha pra indústria e tá começando a ser importante pro público. Porque pra indústria não é mais interessante porque quantativamente não é tanta gente assim, é uma parcela menor. Mesmo assim, ainda tem uma parcela considerável de gente que quer um disco. Não o suficiente pra te bancar, pra bancar uma estrutura como a da gravadora, ou uma big banda, mas tem. E eu fiz o disco buscando essa satisfação, pra quem quiser, tem. Mas não pra ser mais uma fonte de renda ou atender as expectativas de uma gravadora ou algo assim.
Hoje em dia a realidade é essa, é tudo descentralizado. Você tem um iPhone você é fotógrafo, você é DJ, você é blogueiro, você é jornalista… Então essa coisa de ter essa especificidade de “eu sou um vendedor de disco, fulano é aquilo”, isso não existe mais.
Pra quem você faz música?
Eu faço música desde sempre, né? Faço música desde os meus 12, 13 anos, e faço música o tempo inteiro. E eu só escolho as que eu vou gravar por uma questão de afinidade que eu tenho com aquelas músicas naquela época em que eu resolvi gravar. Então eu não penso muito no público alvo do que eu tô fazendo. Tanto é que quando eu tinha uma banda eu fazia rock, agora eu tô fazendo um troço meio atravessado, depois eu posso fazer ainda outra coisa nada a ver… Porque é uma coisa meio terapia mesmo, a gente vai mudando, muda de bairro, muda de relacionamento, enfim. As paradas vão mudando. Eu foco é em estar lá pra ser ouvido pra quem quiser ouvir.
Curtiu o som do cara e tá em Porto Alegre? Tá rolando no Queremos! um crowdfunding pra trazer o show dele pra capital gaúcha. Pra participar entra aqui.