São anos de carreira atuando na TV, no teatro, no cinema e também na música. André Frateschi traz no currículo projetos em que interpretou ícones como David Bowie, Tom Waits e Thom Yorke. Agora, pela primeira vez, ele coloca na rua um trabalho autoral, “Maximalista”. O disco traz 15 faixas, sendo seis delas com a participação de Mike Garson, pianista de Bowie, que ainda compos a música “Soul Searching”.
Conversamos com Frateschi sobre o álbum que, segundo o próprio músico, é a concretização de um desejo antigo.
O que estava faltando para dar esse passo e lançar algo autoral?
O desejo de lançar um disco autoral sempre existiu. Ficou em segundo plano até agora por contas das outras coisas que faço. Fiquei alguns anos como baterista da minha mulher, Miranda Kassin, envolvido em diversos projetos em TV, teatro e cinema como ator e também como intérprete, cantando Bowie, Tom Waits, Thom Yorke.
Ao mesmo tempo em que fazia essas outras coisas, fui escrevendo algumas letras, registrando algumas melodias, alguns riffs, que de quando em quando revia e mudava alguma coisa. Foi um processo de lenta decantação. Fui escolhendo o que realmente fazia sentido pra mim até ficar com um embrião do que veio a ser o “Maximalista”. Esse processo todo também teve uma boa parte de auto-investigação.
Desde quando o álbum vinha sendo concebido?
Comecei a pensar de verdade no disco em 2012. Foi quando reuni uma porrada de escritos, referências, ideias, provocações, e me juntei com meus dois grandes parceiros e produtores, Fábio Pinczowski e Mauro Motoki. Nos mandamos pra unidade rural do Estúdio 12 Dólares, que fica num sítio próximo a São Paulo. Revezando instrumentos, levantamos os primeiros esboços das músicas que acabaram sendo o disco. Ficamos por lá sem celulares, TV, mulheres, por uma semana, totalmente dedicados ao disco.
Depois disso seguimos o trabalho em São Paulo, sem pressa nenhuma. Quis que esse processo de decantação também fosse usado na produção em si. Quis ter certeza de cada etapa. Me envolvi em tudo desde as primeiras letras até a arte da capa.
Você teve o apoio de grandes músicos na concepção do álbum – André Abujamra (Karnak) nas guitarras, Loco Sosa (Agridoce) e Luis Andre Gigante na bateria, e Dudinha Lima (Lobão) e Zé Mazzei (Forgotten Boys) no baixo. De que forma rolou a escolha das parcerias?
Durante minha carreira tive a sorte de conhecer músicos talentosos que também são grandes pessoas. Fizemos uma seleção dos músicos que imaginávamos terem conexão com o “Maximalismo”. Acabamos montando dois timaços pra gravar. Cada time ficou com 6 ou 7 músicas. Mostramos o que um time tinha gravado pro outro, e todo mundo se divertiu tentando gravar o melhor take. O André Abujamra é um ídolo desde os tempos d’Os Mulheres Negras. Eu tinha uns 10 anos na época e acabei virando mascote da banda de tantos shows que assisti. Reencontrei o Abu na novela “Saramandaia”, e ele então foi gravar as guitarras de “Isso é Coisa pra Homem” e “SP, Berlin”, além da voz em “Todo Homem é uma Ilha”.
Outra participacao importante foi do Piero Damiani, parceiro em todos os projetos, convidei ele pra ser “consultor melódico”, uma função que inventamos e que me ajudou na construção das melodias dos vocais.
E Mike Garson, que você contatou com a cara e a coragem. Como foi o trabalho em si com ele, em termos de produção e aprendizado?
Mike Garson é um grande cara. Respondeu de pronto meu convite e se dedicou incrivelmente ao disco. Inicialmente, mandei as músicas com as letras traduzidas, pra que ele soubesse do que se tratavam. Ele normalmente me perguntava o que eu imaginava pra cada música, alguma referência, e a partir disso, ele criava as linhas de piano.
Mike gravou em seu estúdio, em Los Angeles, com seu engenheiro de confiança, num majestoso Yamaha Gran Concerto. A primeira vez que abrimos as tracks, chorei. Tava ali a completa tradução do “Maximalismo”. Era o que faltava pra que as canções alcançassem o que eu tinha imaginado. Uma bala de prata no complexo de vira-latas que às vezes me ronda. O profissionalismo aliado ao tesão de ser músico foi a maior lição que aprendi.
Já que falamos nele, vamos voltar um pouquinho ao passado. O fato de ser ator influenciou a sua decisão de interpretar ícones como Bowie, Tom Waits, Zappa e Radiohead no palco?
Sem dúvida. Essas duas áreas sempre se confundiram dentro mim. Minhas principais referências teatrais são de peças que tinham na música uma grande relevância. A saber, “Mahagony Songspiel”, de Brecht e Kurt Weill na montagem do Ornitorrinco, e “Feliz Ano Velho”, de Alcides Nogueira, inspirado no livro do Marcelo Rubens Paiva, ambos na década de 80.
Acho que essa foi a fagulha inicial das minhas escolhas profissionais. Sempre me encantei com artistas que misturam linguagens. Além dos citados, Klaus Nomi, Nina Hagen, Lou Reed e Frank Zappa são referências pra mim até hoje.
Os artistas que você citou são minha cartilha, principalmente pela ousadia estética. O tipo de reação que eles provocam é o que busco tanto como ator ou músico.
Consegue definir o que tem de cada um deles no disco?
O que esses artistas emprestam ao disco é principalmente o espírito. Não há referências explícitas em nenhuma música. É mais o tal processo de decantação. Eles me habitam há muito tempo e eu acho que se misturaram em mim. Há aí uma certa antropofagia também.
Cida Moreira, Liminha… Os elogios estão vindo de pessoas importantes, mas e você, está satisfeito com o resultado do trabalho?
Eu acabei de fazer 40, sou pai fresco, lancei o disco. O que mais me importava no processo de feitura era que ele me traduzisse. E isso eu consegui. Estão lá minhas aflições, meu jeito de ver o mundo, meu cinismo, meu amor pelo rock. Isso faz o trabalho autêntico, e talvez seja isso que esses grandes artistas reconheçam. Sou um sujeito que chora ao ver shows de rock, mesmo na TV. É uma parada muito importante pra mim, a música e o rock. É meu mínimo denominador comum, o jeito que melhor me comunico. E acho que o “Maximalista” me comunica.
Neste momento, você está executando um trabalho na TV. Como imagina conciliar a divulgação do disco?
Tenho negociado com a produçao da série. Eles têm me liberado pros compromissos do “Maximalista”. A coisa mais importante pra mim agora é fazer shows, quero mostrar pro maior número de pessoas possível.
Falando em shows, por muito tempo você tocou no Studio SP, um lugar incrível que fechou as portas. Temos feito outras entrevistas, inclusive com artistas de cidades como o Rio, e todos têm comentado sobre a falta de espaço para shows. Você está sentindo isso também?
Sem dúvida. Estou com dificuldades pra fechar o lançamento no Rio e, mesmo em São Paulo, retrocedemos umas casas. Os lugares disponíveis em São Paulo são muito pequenos e não têm estrutura. Não existe uma casa emblemática como foi o Studio SP. Acho que vivemos um momento de reorganização da cena alternativa. Todos nós por ora rezamos para o Deus Sesc.
E ainda tem o desserviço da Lei Rouanet, que acaba contemplando figurões que não precisam de incentivo. A lei não cumpre sua função. Do outro lado, há o Fora do Eixo, que talvez funcione para bandas novatas, dispostas a tocar de graça, também não acho que seja essa a saída. Mas vejo a força das novas bandas e compositores. Acredito que teremos espaços novos pra tocar nos próximos anos.
Update: A faixa “A Máquina Preenche” acaba de ganhar um webclipe, cuja ideia surgiu numa casa do interior paulista. “No silêncio da noite percebi que estava cercado por inúmeros e minúsculos painéis, leds e bips”, conta Frateschi. “Comecei a gravar esses aparelhos, quando dei de cara com a coleção de robôs antigos do meu cunhado Ehr Ray. A tristeza e a solidão daqueles bonecos me acertaram em cheio. A perspectiva frustrada de um futuro melhor contida em cada um dos robôs me levou direto pra música. Depois montando o clipe, encontrei imagens dos ultrassons da minha filha e vi outra possibilidade essa sim mais esperançosa. A máquina como a perfeição materna, que gera vida e preenche nossas vidas.”