Britpop: por dentro da música britânica que reverbera no Brasil

20/02/2025

Powered by WP Bannerize

Avatar photo

Por: Thaís Ferreira

Fotos: Simon Emmet

20/02/2025

Em 1991, duas bandas nasciam: Skank e Oasis. Apesar da distância entre Belo Horizonte e Manchester, seus caminhos se cruzaram. O quarteto brasileiro começou próximo do ska, mas quando fincou os dois pés no pop rock, se tornou um dos grupos mais conhecidos do país. Entre as referências dessa sonoridade, estava o britpop dos irmãos Gallagher, que hoje também inspira o trabalho solo de Samuel Rosa

*

Naquela década, a novata Oasis caiu na graça dos britânicos, assim como Blur, Pulp e Suede. Suas guitarras melódicas eram um contraponto às distorções do grunge e às reverberações do shoegaze. E quem liderava o gênero eram jovens que traziam os símbolos do Reino Unido para os holofotes, de forma semelhante ao que os Beatles fizeram nos anos 1960.

Embora o ápice do britpop tenha passado, o retorno do Oasis fez com que ele voltasse como um bumerangue. No fim de agosto, a banda anunciou seu retorno aos palcos após um intervalo de quinze anos, e a resposta foi estrondosa. A turnê só começa em julho de 2025, mas as mais de trinta datas da agenda esgotaram em questão de minutos. Na América Latina, estão confirmados em novembro, incluindo uma parada em São Paulo.

Disputas internas

Ao longo da história da música, muitos movimentos se tornaram reconhecidos pelas suas especificidades sonoras, mas esse não é bem o caso do britpop. “Quando você ouve Supergrass, The Stone Roses, Oasis, Pulp ou Blur, eles não têm nada a ver um com o outro, tirando as questões do everyday life e de serem razoavelmente de uma classe trabalhadora”, afirma Pedro Antunes, jornalista, crítico e curador de festivais. “É mais uma questão de personalidade do que necessariamente de som, porque o britpop não é facilmente descrito.”  

Esse é o motivo para a estética e a atitude de alguns nomes da cena terem recebido mais destaque do que suas próprias bandas. Oasis não seria a mesma coisa sem Liam e Noel Gallagher, a quem até hoje é possível relacionar o corte de cabelo mod, a jaqueta parka, o chapéu bucket e as camisetas de time. Já Damon Albarn, o rosto do Blur, transitou entre looks streetwear e o estilo preppy, misturando marcas como Adidas e Fred Perry

Moda, música e futebol: como a tendência blokecore dominou o armário da Gen Z

Enquanto a imagem desses ídolos era construída, suas discografias não só aumentavam, como rivalizavam entre si. Além de marcar o surgimento do Oasis, 1991 foi o ano em que o primeiro álbum do Blur, Leisure, veio ao mundo. Logo em seguida, em 1993 e 1994, dois dos trabalhos mais importantes do grupo – e também do britpop – foram lançados: Modern Life is Rubbish e Parklife.

Já o debute do Oasis aconteceu meses após o lançamento de Parklife. De cara, Definitely Maybe (1994) cativou o público e a crítica, tornando-se, à época, o álbum de estreia mais vendido do Reino Unido. Essa entrada triunfal expôs as rusgas que existiam entre Oasis e Blur, bem como as camadas desse duelo: norte contra sul, Manchester contra Chelsea e a classe trabalhadora versus a classe média.

O maior confronto entre eles teve data marcada: 14 de agosto de 1995, dia em que o Oasis decidiu lançar “Roll With It” como single e o Blur ajustou seu plano inicial para que “Country House” saísse junto. Quem saiu vitoriosa foi a banda liderada por Damon Albarn, com 274 mil cópias vendidas, ao passo que os Gallagher venderam 216 mil.

Apesar da batalha vencida, Oasis se recuperou no longo prazo. Quando (What’s The Story) Morning Glory (1995) chegou, alguns meses depois, transformou a banda num fenômeno mundial, sobretudo com o sucesso de “Wonderwall”, a primeira música que vem à cabeça quando se pensa em Oasis. 

Outros sotaques

Se por um lado o conflito entre Oasis e Blur é uma parte incontornável da história do britpop, também cabe reconhecer que outras bandas ajudaram a construir o legado desse gênero. Uma delas foi a veterana Pulp, que surgiu em 1978, mas só cativou os britânicos em meados dos anos 1990, com dois álbuns clássicos do britpop. 

De 1994, His ’N’ Hers levou um tom divertido para o rock inglês. No ano seguinte, o quarteto engatou com outro disco bem-sucedido: Different Class, vencedor do Mercury Prize em 1996 e eleito o melhor álbum de britpop pela Pitchfork em 2017, embalado por “Common People”, espécie de hino da juventude da classe média naquele período.

Suede também deixou sua marca. Em 1993 a banda estreou com um álbum autointitulado, que teve The Smiths como inspiração na sonoridade. E nos anos seguintes, vieram Dog Man Star (1994) e Coming Up (1996). No último, estão canções que transformaram a banda em um sucesso comercial, como “Beautiful Ones” e “Trash”. 

Em meio a tantos vocais masculinos do britpop, Elastica foi um dos poucos grupos a ser comandado por uma mulher. Antes de criar a banda, Justine Frischmann cofundou a Suede. Em 1995, Elastica compartilhou seu primeiro trabalho, um álbum autointitulado que superou a marca de disco de estreia mais vendido do Reino Unido, até então ocupada pelo Oasis e seu Definitely Maybe.

Urban Hymns, do The Verve, é outra contribuição importante para o britpop. No disco de 1997, estão alguns dos hinos do gênero, como “Bittersweet Symphony”,  “Lucky Man” e “The Drugs Don’t Work”, escritas e cantadas por Richard Ashcroft. Ele foi chamado de “gênio” pelo Oasis, que o homenageou com a música “Cast No Shadow”, do (What’s The Story) Morning Glory.

Símbolos compartilhados 

Nos anos 1990, as rádios interpretaram um papel importante na difusão da música. Foi assim que nomes da cena contemporânea inglesa cresceram ouvindo os hits do britpop. Se antes mulheres e artistas negros não teriam encontrado espaço no movimento, hoje são eles que lideram o caminho. 

No Instagram, um breve scroll no feed de Nia Archives mostra a DJ, produtora e cantora inglesa usando looks do blokecore, trend que dá ênfase a elementos esportivos, como camisetas de times, em composições do streetwear. Algo que os irmãos Gallagher e Damon Albarn faziam lá atrás, provando que a moda é tão cíclica quanto a música.

A Union Jack, como é chamada a bandeira do Reino Unido, também é atrelada à imagem da artista, que agora reclama esse símbolo controverso para a história do país. Ícones do britpop usavam a bandeira apesar de ela ser associada ao desprezo pela família real e à extrema-direita. Hoje, levantar essa bandeira — ou cravejá-la no dente, como Archives faz na capa do seu álbum de estreia, Silence is Loud (2024) — é se posicionar contra o movimento nacionalista que levou ao Brexit. 

Outro exemplo da cena atual, Rachel Chinouriri propõe uma contextualização do pop britânico e sua estética. A capa de What a Devastating Turn of Events (2024), primeiro disco da cantora e compositora, filha de imigrantes zimbabuanos, traz Chinouriri em frente a uma casa de moradia social, decorada com pequenas bandeiras da Inglaterra. Ao fazer isso, toma para si um símbolo sequestrado por grupos racistas. 

No Brasil

Em 2007, a brasiliense Lucy and the Popsonics cantava: “Garota rock inglês / Não maltrate dessa vez / O meu coração que só fala português / Com seu jeito esnobe que me lembra um burguês / Eu não leio Byron, nem escuto Coldplay”, num eletrorock parecido com o de Cansei de Ser Sexy

Ainda que o humor fizesse parte da letra, muitas outras garotas e garotos brasileiros ouviam rock inglês nessa época. Além de Skank, com frequência comparado a Oasis, Cachorro Grande bebeu da fonte do britpop. Formado em Porto Alegre em 1999, o grupo também teve seu som influenciado por bandas mais antigas, como Beatles, The Rolling Stones e The Who, de quem faziam covers antes de terem repertório autoral. 

Na virada do século, o Moptop despontou como uma das principais promessas do rock brasileiro e foi escolhido pela própria produção do Oasis para abrir o show da banda, em sua passagem pelo país, em 2006. Gabriel Marques, vocalista do grupo carioca, recorda o episódio.

“Eu lembro que a gente fez um setlist bem acelerado. Pensamos: ‘cara, ninguém está ali para ver a gente, as pessoas estão lá para ver o Oasis’. É entrar, tocar uma música atrás da outra, dar um alô e falar obrigado.”

Esse foi o maior público para o qual o Moptop tocou durante sua trajetória, que chegou ao fim em 2010. No antigo Credicard Hall, em São Paulo, Marques relembra que assim que pisaram no palco, um fã da grade levantou o dedo do meio e ficou assim durante as três primeiras músicas. “Tinha gente que conhecia o Moptop, curtia a banda, mas a minha sensação foi que a gente conseguiu conquistar o público com o passar o show”, conta.

Ao contrário dos seus fãs, Liam e Noel foram simpáticos com os cariocas. No pós-show, elogiaram o Moptop no camarim e até pediram uma camiseta da banda. “Foi uma experiência muito marcante, algo que eu nunca vou esquecer.” 

Na última década, o britpop deixou alguns vestígios nos sons da nova cena brasileira. É o caso da mineira Devise, que tem The Stone Roses e Oasis como referência, assim como Skank e Lô Borges. E o jeito de cantar do vocalista, Luís Couto, encontra semelhanças ao de Liam Gallagher. 

Ale Sater, vocalista da paulistana Terno Rei, cresceu ouvindo Blur, Oasis e The Verve. Mais velho, se apaixonou por The Stone Roses. Esses são nomes que inspiram tanto seu trabalho na banda quanto na carreira solo. Mas como um bom fã de britpop, não é só a parte musical que chama a sua atenção no gênero. 

“Dessa estética, gosto dos arranjos de guitarra, da simplicidade nas baterias e também do lance da atitude que cada uma dessas bandas têm. Rola uma certa marra que é legal.”

Tags:,

20/02/2025

Avatar photo

Thaís Ferreira