“As pessoas precisam escolher melhor as festas que vão. O brasileiro tem preguiça de pesquisar”.
As duas frases são de Claudio da Rocha Miranda Filho, co-fundador e diretor executivo do Rio Music Conference, maior encontro de música eletrônica na América Latina. O evento, que será realizado entre os dias 19 de fevereiro e 4 de março, é apenas um dos projetos desse homem que começou a se envolver com os beats desde muito cedo, com apenas 19 anos de idade.
Claudio da Rocha Miranda Filho produziu algumas festas pelo Rio de Janeiro até investir no seu projeto mais ousado, em 2005. O Chemical Music Festival, maior espetáculo dedicado à música eletrônica já realizado no Brasil, levou mais de 22 pessoas ao Rio Centro na sua primeira edição, em 2005. O reconhecimento foi tanto que não demorou muito para que ele assumisse uma cadeira na Association for Electronic Music (AFEM), o órgão que representa os interesses dos profissionais do meio eletrônico no mundo todo.
Com mais de uma década dedicada à música, Carlos da Rocha Miranda Filho atendeu a NOIZE para falar sobre o cenário eletrônico, que segue o mesmo boom da atual cena europeia – mesmo que sem o mesmo apoio e reconhecimento. “Países europeus têm a música eletrônica no berço de suas culturas. É um bem da nação e é tratado como tal pelos governos e instituições”.
O mercado da música eletrônica no Brasil está em crescimento. Como podemos perceber isso? O que é diferente hoje se comparado com o cenário de uns dez anos atrás?
Os maiores indicadores são a quantidade de novas festas, festivais, DJs e produtores que se lançam no mercado a cada temporada. De norte a sul do Brasil, isso é facilmente identificado. O que há de diferente é que hoje, tanto quem empreende, como quem cria ou toca música, assim como quem presta serviço para esse mercado, pode encarar a atividade profissional como promissora e pensar facilmente em viver disso. Com mais informações acessíveis e capacitação profissional, uma grande cadeia produtiva e artística estará formada e o setor melhor servido.
A música eletrônica na Europa, principalmente no Reino Unido, é muito forte. O que falta para o Brasil atingir o mesmo nível?
Países europeus como a Inglaterra e Holanda (país de Armin van Buuren) têm a música eletrônica no berço de suas culturas. É um bem da nação e é tratado como tal pelos governos e instituições. No entanto, depois da banda larga em todas as residências, um fenômeno um tanto quanto recente, concebeu-se uma das maiores virtudes da música eletrônica, que a sua natureza é de facilitar misturas, aproximar distâncias. É um meio de produção para qualquer estilo contemporâneo, house, MPB, techno, pop, jazz, black; o Rei Roberto Carlos tem a sua versão “dançante” e até mesmo o sertanejo tem a versão “eletrônica”. Nesse sentido, há uma distorção e grande discussão nas comunidades enquanto às fronteiras dessa música, ou se é que ela exista. Assim sendo, com dinheiro no bolso da classe C, o entretenimento relacionado à diversão em alta, o Brasil está rumando a se tornar um país onde a música e os setores criativos e produtivos que a contornam se consolidem, os transformando em poderosos geradores de renda e riquezas.
Como você vê o reconhecimento da música eletrônica brasileira no exterior? Como é a música eletrônica com a “cara” do Brasil?
É um grande desafio ainda. O reconhecimento vem crescendo por mérito e muito esforço de alguns poucos artistas e clubes, que hoje são referência mundial com um trabalho incontestável.
Mas esta questão me leva a outra, possivelmente de maior relevância neste contexto. Um dos maiores adversários, talvez, seja a nossa própria cultura “americanizada”. Tudo que vem de fora é melhor, tem mais valor. Com os eventos esportivos no Brasil, o mundo está de olho em nós. Se tivéssemos uma cena respaldada em nossos próprios talentos, os nacionais e não os internacionais, nossos artistas seriam melhor reconhecidos e olhados com mais atenção no exterior. Mas o que acontece não é isso, para vender tickets o produtor do evento, festival ou dono do clube ou festa ainda tem que se apoiar no “gringo” e isso é uma realidade desde o clube da periferia até os grandes festivais como Lollapalooza e Rock in Rio.
Outro ponto é que é difícil para o estrangeiro, soberano e no alto do mundo (infelizmente esta ainda é a mentalidade de muitos), aceitar um talento vindo daqui de baixo, do “sul”, e tocando um som, mesmo que de qualidade, muito parecido com o deles. Quem acaba se destacando é quem faz um som diferente do que existe por lá, e que leva a o rótulo da “cara” do Brasil são aqueles que misturam aos seus sons, os ritmos regionais, como o funk e a música brasileira, por exemplo. E, claro, talentos natos, como DJ Marky. Há de se construir melhores caminhos ainda.
A crítica que muitas pessoas fazem às festas de música eletrônica no Brasil é que o DJ é quem só aperta um botão para tocar faixas conhecidas e que tocam no rádio.
Elas precisam escolher melhor as festas que vão. O brasileiro tem preguiça de pesquisar. Tem muita, mas muita coisa boa rolando no Brasil. Para todos os gostos.
2013 foi um ano que revelou grandes artistas para o cenário da música eletrônica. E os principais nomes que conseguiram isso seguiram uma tendência mais alternativa, como o The Knife, da Suécia, e o Disclosure, da Inglaterra. Qual será a tendência para 2014?
O The Knife, na verdade, já está aí faz muito tempo, a dupla tem uns 10 anos de estrada e sempre foi celebrada no meio eletrônico. O que aconteceu em 2013 é que, com o sucesso do álbum novo, muita gente conheceu o trabalho deles. O Disclosure é um fenômeno com a cara da Inglaterra: música com capacidade para agradar tanto as pistas “undergrounds” como para tocar na rádio, é um projeto fascinante, mas vejo como muito mais pop que alternativo. Tendência em termos de música é sempre um assunto complicado, mas parece que a influência do “garage”, que a gente percebe no próprio Disclosure, é algo evidente em muitas produções mais recentes, pode ser algo que se prolongue pelo ano. Muita gente aposta que o techno vai voltar com tudo em 2014 também, mas só caindo nas pistas pra saber o que vai acontecer mesmo!
Qual é a expectativa para o Rio Music Conference 2014?
Será a edição mais robusta, sem dúvida nenhuma. Pela primeira vez teremos três dias de atividades (antes eram apenas dois), a maior quantidade de painéis internacionais que já recebemos, grandes personalidades como o fundador da ID&T, Irfan van Ewijk; o lendário Frankie Knuckels, considerado o pai da house music; Richard Zijlma, fundador do ADE, entre muitos outros. Esperamos todos carinhosamente aqui no Rio de Janeiro.