Entrevista | Cauê ri na cara do nervosismo em “Pra Vender”

04/10/2017

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Marta Karrer

Por: Marta Karrer

Fotos: Divulgação

04/10/2017

Depois de colaborar em vários lançamentos dos amigos da cena independente, Cauê lança seu primeiro disco como artista solo transbordando ironia da primeira à última nota. Com um título como Pra Vender, o cantor aposta na profundidade de várias camadas pra mostrar as suas composições para o mundo (Cauê também toca com alguns velhos conhecidos do rolê alternativo como André Whoong, com quem fez a sensacional “Eu Vou Parar de Beber”, e Sara Não Tem Nome).

Pra Vender fala sobre dinheiro num momento em que a cena independente cada vez pena mais para encontrar maneiras de se tornar (mais) sustentável, e isso não vem por acaso: o álbum nasceu após um financiamento coletivo, além de contar com uma série de parcerias. A primeira delas é com o produtor Rafael Castro, que assina algumas das composições junto com Cauê, toca bateria em todas as faixas e realizou as gravações na sua casa em Lençóis Paulistas. No show de lançamento, Cauê chamou Luiza Lian (a quem já deu aulas de canto), André Whoong, Luna França e Tamiris Soler para uma série de participações especiais. O álbum também tem duas colaborações de Maurício Pereira – em “Mudo” e no sax que encerra “Inútil”.

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Na primeira faixa, “Não Me Deixa”, o músico quer paz de espírito e liberdade pra seguir seu próprio caminho (Eu posso ficar/Sozinho sem você) entre a rajada de emoções que aparecem em toda a tracklist, indo do tesão à vulnerabilidade sem nunca deixar de ser honesto ou aflito. Mas mais adiante na felicidade plastificada de “Ska Pra Vender”, ri de si mesmo e de nervoso constatando o quanto artista e obra são reféns do mercado. É uma tarefa desconfortável que ele encara de frente, sem medo e dançando: “Que mais que eu posso fazer/ Fazer pra você/ Gostar do Cauê?”

Gostar do Cauê se torna inevitável conversando com o cara – ou prestando atenção em qualquer uma das letras do disco, que contam histórias de amor em meio às preocupações de qualquer jovem na era do like. Confira abaixo a entrevista exclusiva do cantor para a NOIZE:

“Inútil” fala muito sobre a relação entre artista e público, mercado da música e sobre consumo rápido…como você enxerga isso no clipe?
O disco fala muito sobre mercado, sobre consumo. Tanto que a capa é uma plateia sentada num teatro, com saco na cabeça, com rostos desenhados. Então fala sobre mercadoria, sobre como o mercado trata a gente como mercadoria, e mais do que o mercado musical no caso de “Inútil”, é sobre a gente mesmo se ligando nas coisas, na nossa identidade, através do consumo. Então no clipe de “Inútil”, o que eu quis passar com o roteiro é justamente isso: como a gente fica na mão do mercado, como a nossa identidade fica mudando o tempo inteiro com a moda, e a música no meio disso tudo também. Mas não é exatamente sobre o mercado musical, sabe? É mais sobre tudo, sobre a nossa identidade.

O roteiro é seu?
O roteiro é meu! Aí a formatação do roteiro quem fez foi o Mário Amadeu, mas o roteiro é meu.

Você já participou de vários outros discos que foram lançados nos últimos anos. Qual a diferença de participar desses projetos pra fazer o seu próprio álbum solo?
Eu sempre via meus amigos e minhas amigas na loucura na hora de lançar disco. Eu sou muito ligado nos meus amigos e nas minhas amigas então sempre dei uma mão, ajudei desde participar tocando – eu toco na banda do André Whoong também, né – então eu sempre tava lá. Mas na hora que você coloca seu nome na jogada, as suas músicas, as suas impressões sobre o mundo é totalmente diferente. Cara, cê sente essa loucura na pele mesmo, que é bancar tudo. Desde bancar financeiramente quanto bancar de fazer a coisa acontecer, sabe?
Colocar um disco no mundo não é só gravar, né? Você tem que fazer ele sobreviver. Tem que ter grana pra assessoria, tem que ter grana pra figurino, o show tem que ser legal, tem que existir mercadoria pra vender, sabe? (risos)

Você enxerga todos esses processos além da música como parte do processo de criação também?
Tudo tá junto! Tudo tem que estar junto, e não no sentido de que o mercado é um inimigo, não é assim. A gente enquanto artista tem que considerar onde a gente se expressa, porque isso vai ser considerado quer a gente queira, quer a gente não queira. A gente vai ser atropelado por isso se não colocar na ponta do lápis. Se a gente não pensar nisso, a gente vai estar desconsiderando o meio em que as coisas vão se dar. Esse disco, eu não fiz ele sozinho – gosto bastante de enfatizar isso. Tive ajuda de amigos e amigas artistas, tudo foi um debate o tempo inteiro. Apesar de eu ter escrito as músicas, tem parcerias no disco, com o Rafael Castro (“Ska Pra Vender”, “Igual Vocês”) e com o Rodrigo Sales (“Eu Já Te Disse Adeus”).

A parte visual eu fiz junto com a Sammy Maquinho, que é uma ilustradora incrível que fez o encarte do disco, e com o Felipe Augusto, que é o diretor de fotografia do clipe. A gente o tempo inteiro discutia sobre essas coisas, sobre como chegar nas pessoas, sobre como fazer o disco sair da bolha. É isso. Se você não faz isso, você lança mais um disco no meio de milhares que acabaram de lançar.

O show tem que ser espetáculo, ele tem que ter profundidade. O disco nesse sentido é uma coisa super anacrônica, porque eu quis fazer dele um conceito. Existe um pensamento nele que permeia todas as músicas quase. E a capa do disco tá junto com o clipe, sabe? Acho que a gente tem que considerar sim, enquanto artista, o mercado. Senão ele vai atropelar a gente.

E como surgiu a participação do Maurício Pereira?
Puts, é que o Maurício….eu sou muito fã do Maurício (risos). Ele no palco é muito massa, ele canta muito, compõe muito bem, o jeito que ele escreve é muito natural e ao mesmo tempo muito profundo, então eu sou muito fã dele. A gente tava gravando lá em Lençóis Paulistas, eu e o Rafa, já pensando nessas coisas das participações em todos os sentidos. Tanto no sentido de que é muito legal você celebrar suas músicas com pessoas que você admira, e ao mesmo tempo com pessoas que legitimam as suas músicas. Por tudo, pelos artistas que elas são, pelo alcance que elas têm no mercado… Então eu e o Rafa, a gente já tava pensando nisso, em quem seria. O Maurício tocou sax em “Inútil” e cantou comigo em “Mudo” – quando a gente gravou “Mudo” eu comentei que seria muito legal se ele participasse, e o Rafa é muito próximo dele.

Quando ele chegou lá pra gravar a voz, surpreendentemente ele tava com um sax na mão. Eu achei muito legal isso, muito humilde. Chegou pra gravar uma música, tava com um sax e se ofereceu: “Ah, tem algum sax que vocês querem que eu faça?”

Aí a gente pensou em “Inútil”, que nem tinha esse espaço. No final ali tem um improviso do Maurício. Só que pelo fato dele ter curtido essa música, a gente aumentou e deixou que ele tocasse o que ele quisesse ali, e ficou muito massa.

Conta mais um pouco sobre o processo de gravação do disco.
Foi uma loucura (risos). A gente gravou lá em Lençóis Paulistas, na cidade natal do Rafa. O grosso gravamos só nós dois: baixo, batera, guitarra, piano e vozes. Foram nove dias de gravação e são nove músicas – só que a gente chegou lá só com guias de voz e violão. Ou seja, tinha que arranjar e gravar no mesmo dia. Foram nove dias bem malucos. Tinha que lidar com o cronograma e também com ansiedade, com vontade de sair pra beber um pouco e dar um relax, mas também não beber demais pra não estragar o dia seguinte, gravar de madrugada…

Aí quando a gente chegou em São Paulo demos um mês pra ouvir as coisas que a gente registrou, e avaliar o que precisava colocar, o que a gente ia acrescentar, o que a gente ia picotar. Em São Paulo a gente fez ainda uns backing vocals a mais (chamei a Luna França pra gravar os backings), além da participação do Maurício no saxofone e trompete, também teve o Chini e o Anuca, e violino quem gravou foi a Thdjfkdsk. E foi isso, a gente chegou em São Paulo e fez a “cobertura” do disco.

Se fosse pra definir o disco em uma frase, o que seria? O que a gente pode dizer para as pessoas esperarem antes de dar o play?
O nome do disco é justamente o que o define: a venda. É sobre como o mercado interfere em tudo, se eu fosse pensar numa frase. Desde a criação, em como a gente dorme, em como a gente se relaciona com o mundo, eu acho que esse é o mote do disco.

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04/10/2017

Marta Karrer

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