Déa, jornalista e vocalista da banda Charlotte Matou um Cara, quase não acreditou quando, um dia, o filho chegou com o celular e disse: “mãe, você sabia que sua música viralizou no Tiktok?”. A música em questão não era um hit pop potencial para coreografias fáceis, mas um rock enérgico chamado “Punk Mascuzinho”.
Nela, Déa canta: “Ele diz que é punk/mas é um puta de um machista / diz que é anarquista/mas é um punk mascuzinho / De que adianta citar Marx, Bakunin/ Dizer que é black block/ tomar bala de borracha/ Se quando chega em casa / enche a mina de porrada?”.
A letra não poderia ser mais direta, e já escancara para o que a “Charlotte” veio: quebrar a hipocrisia que ronda no próprio meio punk com doses de feminismo e crítica social. Para os desavisados, parece uma receita voltada para um público nichado, mas ano passado, as integrantes Andrea (vocal), Dori (bateria), Camila (baixo) e Nina (guitarra) tiveram outra prova de que estavam furando a bolha: após 10 anos de estrada e muito corre tocando de forma 100% independente, receberam uma DM no Instagram da produção do Lollapalooza — era um convite para participar do festival. “A gente achou que fosse pegadinha”, contou Camila.
Mas não era: a banda vai tocar no Lollapalooza no dia 30 de março, ao lado de nomes como Sepultura, Tool e Bush. “A gente sempre brincava que só ia fazer tal coisa quando tocasse no Lollapalooza… e agora não é mais piada, está acontecendo!”, complementa Dori.
Mas o que explica uma banda punk como a Charlotte alcançar um público e um espaço tão amplos e diversos, de viral no TikTok a um dos maiores festivais do mundo? A resposta está tanto na qualidade do som quanto no investimento em diversidade — sonora e de discursos, que amplifica bandas dos mais diversos gêneros. Mas elas sabem que nem sempre foi assim. “Já deixamos de tocar em festival quando vimos que éramos a única banda de mulheres”, conta Dori. Elas não estão no rolê para cumprir cota, mas para ampliar espaços — para elas e para as bandas que correm com elas.
Um exemplo claro disso é a regravação de “Festa Punk”, dos Replicantes. Neste clássico, Wander Wildner reverencia diversas bandas punks, mas nenhuma feminina. A versão da Charlotte chama bandas feministas e queers para entrarem na roda, de Mercenárias e Dominatrix, influencia direta para elas e tantos outros “Essa música, pra gente, também é uma resposta para esse preconceito”, diz Camila.
No fim, para as integrantes, é importante cada vez mais furar essa bolha e se livrar do preconceito que ronda o rock feito por mulheres e pessoas queers. “A gente não foi atrás desse convite para o Lolla, ele apareceu para a gente. Estamos muito felizes por ampliar nossas vozes, nossos berros aí”, finaliza Déa. É isso que importa.
Após o Lolla, a banda quer celebrar os 10 anos de história com uma turnê e, talvez, um novo álbum. “Estamos ansiosas para comemorar. São 10 anos de resistência em uma sociedade que parece que vai evoluir, mas acaba retrocedendo. Sustentar uma banda falando o que a gente fala, é significativo”, diz Camila. Déa finaliza: “É resistência”.