O palco do Opinião celebrou a nova geração do rap nacional na noite da última quinta-feira. Depois da passagem da Pode Fala Tour em julho, os rappers da Ceia Ent. e da Pirâmide Perdida voltaram a Porto Alegre pra lançar o EP Transgressão, a estreia da mineira Clara Lima, de apenas 18 anos, como integrante do time do selo Ceia. Clara vem se destacando na cena rap desde 2015, quando foi a primeira mulher a representar Minas Gerais no Duelo Nacional e na Batalha do Conhecimento, uma das principais do Rio de Janeiro. O debut da rapper retoma o rap old school dos anos 1990 e traz nas letras a realidade criminosa e precária das comunidades de Belo Horizonte.
Mesmo antes de Clara subir ao palco, Bk e o produtor Jonas Profeta abriram a noite com as faixas pesadas do Castelos & Ruínas, primeiro disco solo do rapper do Nectar Gang, lançado em 2016. Começando a festa com a já clássica “Sigo na Sombra”, os dois cantaram sucessos como o cypher “Poetas no Topo 1”, “$$$” do Akira Presidente e “Quadros”, música vencedora da categoria “Melhor Música com Participação”, do Genius Awards. O álbum foi um dos lançamentos nacionais mais elogiados e premiados do ano passado e reacendeu a verdadeira proposta crítica que deu origem ao rap das comunidades de São Paulo, lá nos anos 1980. Ao mesmo tempo que o disco escancara a realidade cotidiana da periferia, os versos refletem muito do que o rapper sente ao encarar a própria vida e história. Nascido Abebe Bikila Costa Santos, Bk já foi citado como o “futuro do rap” na letra da faixa “Primeiro de Abril”, do Marechal.
Depois de Clama Lima apresentar todas as faixas do EP Transgressão, Djonga subiu ao palco pra cantar com ela “Vida Luxo”. Quando djongador assumiu o microfone, o tiroteio em forma de rimas começou com “Esquimó”, maior hit do disco “Heresia”, lançado no início de 2017 como a estreia do rapper do DV Tribo, que fez o público cantar e gritar junto em cada frase. Ainda sobrou fôlego pra faixas como “Olho de Tigre”, “Vida Lixo” e “Geminiano”. Quando Doncesão apareceu de surpresa no palco, Bk e Clara chegaram junto pra cantar o remix de “Atleta do Ano”, do grupo MOB79, e transformar a plateia numa grande onda de fãs pulando e cantando ainda mais alto que o show. Enquanto Bk escreve rimas reflexivas, Djonga conquistou o posto de um dos melhores discos do ano com suas letras sujas e sem filtro pra abordar assuntos velados como racismo e pobreza. Djonga também deixa nítida sua inspiração no Racionais MC’s, ao usar samples e frases clássicas do grupo do Capão Redondo em várias das faixas do Heresia.
A noite fechou com um repeat acapella de “Esquimó”, puxada pela plateia, mesmo quando os rappers já estavam deixando o palco. Djonga fez questão de voltar e gritar mais uma vez trechos furiosos como “É, pretos precisam se defender / No final, não temos de quem depender / Por sinal, só temos quem vai nos prender” e “Eu acho graça ver racista baleado”. Em épocas de novos e descartáveis grupos de rap surgindo em todos os cantos do país, Djonga, Bk e Clara Lima provam que a verdadeira voz da favela precisa ser ouvida e o rap brasileiro ainda tem muita força pra resistir.