“Encontrei a minha estética sonora”, diz Anne Jezini sobre segundo disco 

14/11/2023

Powered by WP Bannerize

Isabela Yu

Por: Isabela Yu

Fotos: Efronito/ Divulgação

14/11/2023

Construído ao longo de cinco anos, Em Fuga, segundo disco de Anne Jezini, mistura ritmos latinos, como a bachata, com o piseiro de João Gomes e o pop eletrônico de Jessie Ware. A artista amazonense assina as composições e a direção artística do registro, que conta com produção musical de Lucas Santtana, Luisa Puterman, Victor Xamã, André Oliveira e Erick Omena. 

*

“Estava viciada em Kali Uchis, via como ela trabalha com diferentes produtores, fora que eu gosto de tantos artistas. Outro desejo era me desafiar como diretora artística”, lembra Anne em entrevista à NOIZE. Lançado no final de agosto pela Natura Musical, o trabalho representa uma reconexão com a sua veia artística. A criação do segundo álbum aconteceu de forma lenta pois, além de viver o luto da pandemia, ela foi diagnosticada com osteonecrose, doença na região do fêmur que limita os movimentos e leva à artrose. 

Em paralelo a recuperação da autoestima e dos movimentos, a compositora retomou a rotina no home studio. “Me questionava como subiria em um palco sem remédio. Me vi em fuga de encarar a Anne artista, potente, capaz de escrever e fazer um disco”, lembra sobre o período. Na foto da capa, a imagem passa uma ideia de movimento, com o vestido e o cabelo esvoaçante, ainda que ela esteja em uma bicicleta ergométrica. 

A relíquia herdada da mãe foi companheira durante a fisioterapia, porque por mais que precisasse de muletas, ela voltou a pedalar: “A endorfina te leva para outros lugares. Eu não andava, mas poderia imaginar que estava longe dali. Voltei a acreditar em mim.” Quando imaginou uma personagem para ilustrar o espírito de Em Fuga, logo pensou em Hilda Furacão, protagonista do livro do escritor belo-horizontino Roberto Drummond

“Me inspirei em como ela joga para o alto as hipocrisias da sociedade. Criei a mulher que eu gostaria de ver, além de que Hilda é o nome da minha bisavó, então também vejo como um culto aos antepassados”, explica a artista. Na história da sua família, a avó materna, judia marroquina, ficou órfã na infância e foi separada dos irmãos. Do lado paterno, os avós eram sírio libaneses radicados na Bolívia. Não à toa, cantoras do Oriente Médio, como a iemenita Ofra Haza, são grandes inspirações. 

“No disco, buscava aquele perfume de música do Oriente Médio, como Madonna usou em ‘Ray of Light’. Uma coisa meio Thievery Corporation, sons hipnóticos e repetição de violão. Mas acima de tudo, algo pop, músicas com letras simples, que o recado fosse dado com palavras do dia a dia”, divide Anne. Ao lado de Lucas Santtana, parceiro de Cinética (2016), fez “Faz Escuro Mas Eu Canto”, faixa que ajudou a nortear a estética do álbum. A canção foi inspirada no poema de mesmo nome de Thiago de Mello, publicado em 1965, e registrado na voz de Nara Leão no disco Manhã de Liberdade (1966). 

Com algumas exceções de instrumentos gravados em estúdio, as onze músicas foram feitas a partir da combinação de samples e sintetizadores. A proposta foi elaborada nos três singles: a homenagem ao poeta amazonense, “Céu de Lurex” e “Lá na Sete”. A tríade apresenta as versões da artista no disco, ao mesmo tempo que carrega referências de sua história. 

Durante uma viagem a Santarém, olhou para o céu e imaginou um tecido brilhante: “O céu é absurdamente estrelado. Chamei a minha amiga para olhar, falei que parecia lurex. Claramente soou como uma menina da festa passando as férias no interior (risos)”. Quando voltou para Manaus, convidou André Oliveira e Victor Xamã para trabalharem na música inspirada no início de uma paixão. 

Já “Lá Na Sete”, parceria com Luisa Puterman, carrega uma ode a vida noturna manauara em seu ritmo dançante. A rua no centro histórico fica posicionada entre diversas opções de bares e festas: “A casa Curupira Mãe do Mato abre espaço para novas bandas, o Toca do Boi vai até às cinco da manhã, tem o lugar de metaleiro, tem todos os tipos que tu imaginar, então as pessoas perambulam entre esses lugares.”

A bagagem como bióloga foi o pano de fundo para “Água de Chá”, uma bachata com melismas do Oriente Médio: “Me perguntam o que seria uma água de chá porque parece uma coisa muito sexy, mas seria um mergulho no Rio Negro. A cor do rio é em decorrência das decantação das folhas. A água é morna, você tem uma sensação de maciez quando mergulha”. A bagagem dos ritmos latinos vem da época em que viveu em Boa Vista, localizada a 200km da fronteira da Venezuela. 

Já a faixa “Em Fuga” foi criada como trilha sonora de um passeio de bicicleta pelas ruas de Manaus. O piseiro do João Gomes foi a principal inspiração: “Ele é um compositor incrível, que consegue passar a mensagem com palavras simples.” A canção “Eu Beijo a Boca do Tempo”, parceria com a paraense Natália Matos, contou com participação do pianista Anderson Farias, que gravou o piano no Palácio Rio Negro. 

No mosaico construído por Anne, cada peça encaixada simboliza um passo em sua trajetória, que ganhou novos contornos com o segundo disco. Nos planos, há o desejo de rodar o país com o show e gravar videoclipes. Durante este mês, ela está disponibilizando as versões ao vivo de algumas das músicas do disco, registradas em uma apresentação no centro cultural Casa Luppi. 

LEIA MAIS 

Tags:, , , , ,

14/11/2023

Isabela Yu

Isabela Yu