Após 20 anos de carreira com Forfun, Braza, DaBossa e DuBrazilis, Danilo Cutrim prepara agora seu primeiro disco solo: Azul. Em entrevista à NOIZE, ele fala sobre trajetória e detalha influências e possibilidades que o levaram ao novo projeto.
Traçar um retrospecto da carreira de Danilo Cutrim é passar pelo hardcore, reggae, samba, rap e até funk carioca. O artista, que deu as caras no mundo da música no início dos anos 2000 como guitarrista e vocalista do Forfun, hoje exerce as mesmas funções no Braza, além de participar de outros projetos paralelos. Tem dois discos de bossa nova lançados ao lado de Jean Charnaux, com quem forma o duo DaBossa, e um disco de releituras em reggae de clássicos da música brasileira ao lado de Amanda Chaves, com quem compõe o DuBrazilis. Agora, após cerca de duas décadas de carreira, Danilo prepara o seu primeiro álbum solo. E garante: a diversidade construída ao longo de sua trajetória vai estar presente no novo trabalho.
“Tem uma onda funk, tem uma onda samba/bossa nova…Tem uma onda forró/xote/baião, que acho que é a primeira vez que eu estou me aventurando a fazer. E tem também uma coisa afro-brasileira. Um ijexá, um afrobeat. No geral, é um disco bem brazuca. O primeiro single tem uma influência americana, mas tirando isso é um disco bem brazuca. Tem bastante percussão, bastante violão, bastante melodia brasileira”, diz Danilo Cutrim em entrevista concedida por videochamada à NOIZE.
O single ao qual Danilo se refere é “Somos Um”, lançado no dia 14 de junho. A música inaugura um gênero até então inexplorado pelo artista: um funk setentista que, segundo ele, foi construído a partir de referências como Tim Maia, Cassiano e Sade. Essa estética retrô está presente também no videoclipe, do qual o próprio Danilo foi o diretor, e deve se repetir em outras faixas do disco. O próximo single, uma bossa nova chamada “Meu Jardim”, pretende também resgatar essa roupagem “vintage” – para usar a palavra da moda.
“Eu entrei numa onda de anos 60, 70. Eu tenho uma paixão por essa época, até pelo figurino, pelos cortes da roupa, pela textura das câmeras. Isso começou mais a partir da ‘Sentimento Blues’, música que eu fiz com a Julia Mestre e o Jean Charnaux. Então, eu já estou aprontando o clipe da próxima música também, que é uma bossa nova e vai ter essa pegada”, diz.
O novo disco solo, com 11 faixas, deve ser lançado ainda esse ano. Segundo Cutrim, o título Azul remete à ideia de plenitude e solitude ao mesmo tempo. Plenitude pois o artista entende que está em um estágio no qual se sente livre para fazer qualquer coisa, e solitude pelo fato de ser um álbum solo. Essa solitude, no entanto, vai até a página dois. Danilo reuniu diversos músicos com quem teve contato ao longo da carreira para participar de algumas faixas. Uma dessas parcerias, aliás, é com o baterista Nicolas Christ, velho companheiro de Forfun e Braza. Há também ao menos uma parceria inédita e – por que não – inusitada. Um fã de Danilo que toca forró lhe procurou por meio do Instagram divulgando seu trabalho, e os dois deram “match”. Felipe Peó, que mora no Espírito Santo, acabou indo de Blablacar para o Rio de Janeiro a convite de Cutrim, e os dois gravaram juntos um baião para o disco.
Por outro lado, Danilo assina a produção de Azul e fez questão de tocar as guitarras e violões em todas as faixas. A ideia do artista é apresentar algo autêntico, genuíno, tentando ao máximo se dissociar do Braza e de outros trabalhos anteriores.
“Eu estou muito envolvido. Completamente. Eu que produzi o disco, eu que gravei tudo, eu que chamei os músicos pra cada faixa. Fiz as letras, fiz a harmonia, gravei os violões e as guitarras todas… Eu me envolvo legal. E eu fiz questão de fazer tudo muito analógico. Basicamente, não tem sample no disco, ao contrário do Braza, por exemplo, que tem muito o digital. Inclusive, em alguns momentos, eu quis fazer um reggae, por exemplo, mas me controlei… Pra deixar as coisas bem distintas mesmo”, afirma.
É preciso dar alguns passos atrás para entender como Danilo Cutrim passou a conceber a ideia de produzir um álbum solo. Ele relata que, durante boa parte da carreira, em especial com o Forfun, a composição das canções era feita em um esquema de “linha de produção”. Ou seja: Vitor Isensee escrevia a maioria das letras, Cutrim fazia a maior parte dos arranjos e Rodrigo Costa e Nicolas Christ faziam um pouco de tudo. Assim, ele nunca havia feito uma música “do zero”.
Isso começou a mudar a partir do último disco do Forfun, Nu, lançado em 2015. Naquele álbum, cada integrante já compunha músicas por inteiro. Esse, aliás, foi um dos motivos para a dissolução do grupo, segundo Cutrim, que começou a enxergar ali uma espécie de cisão técnica do grupo. No entanto, o músico sempre teve grande apreço pela composição em conjunto, tanto é que as canções do Braza, em geral, ainda são feitas dessa forma: “Eu gosto muito de fazer coisas com outras pessoas. O sentido do coletivo musical é você compor junto, fazer junto. Claro que tem bandas nas quais uma pessoa só compõe. Mas, no Braza, a gente faz questão de compor junto, afinal todo mundo sabe fazer de tudo um pouco”.
Durante a pandemia de Covid-19, Danilo abriu algumas portas e possibilidades. Algo preponderante nesse sentido foi a paixão que o artista desenvolveu pelo violão. Evidentemente, ele já tinha afinidade com o instrumento, mas se concentrava mais na guitarra. Durante o isolamento, e a partir da influência de Jean Charnaux, ele passou a fazer aulas de violão e se encontrou nas novas possibilidades de harmonia.
“A pandemia abriu completamente as portas pra esse trabalho. Desde que eu conheci o Jean Charnaux, muita coisa mudou na minha vida. Ele é muito ligado em bossa nova, em música brasileira. E quando a gente se juntou pra fazer o DaBossa, eu já tocava um pouquinho de violão, mas me apaixonei por esse lance. E aí eu comecei a estudar, comecei a fazer aula durante a pandemia. Então eu aproveitei esse período pra praticar e ouvir muita coisa. Também comecei a produzir pra outros artistas. E aí você começa a pegar uma bagagem. Dentro da banda, você acaba ficando um pouco hermético. Você fica só naquele universo. Então, quando você sai desse universo e começa a ter contato com muita gente, tocar e trocar com muita gente, você começa a abrir a cabeça”, relata.
Ele seguiu compondo, mas chegou em um momento no qual, ao apresentar ideias de músicas para os companheiros, percebia que as canções já estavam muito bem definidas, praticamente prontas, e muitas vezes fugiam um pouco da personalidade do grupo. Ele brinca que, geralmente, quando surge com uma ideia no ensaio, precisa segurar a própria emoção para permitir que os companheiros imprimam também as emoções deles no projeto. Mas chegou um ponto no qual isso não estava mais sendo possível, ainda que ele tenha demorado para entender que era a hora de reunir um repertório próprio e compor um disco solo, fugindo de limitações e amarras que – para o bem e para o mal – são intrínsecas da composição em grupo. Curiosamente, foi a partir de uma experiência com o DaBossa, e não com o Braza, que Cutrim entendeu que era tempo de experimentar uma aventura sozinho.
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“Eu nunca pensei em fazer um álbum solo. Mas comecei a apresentar algumas músicas que já estavam prontas. Até no DaBossa. Eu apresentei um samba pro Jean e ele gostou, mas disse que aquilo não era DaBossa, que aquilo era eu, que aquilo era Danilo Cutrim. Aí eu falei: ‘Pô, será? Nunca tinha pensado nisso’. Aí eu acabei ficando amarradão. Quando você faz uma coisa só sua, tem toda a possibilidade de ser genuinamente quem você é”.
Mas é claro que Danilo Cutrim não é só um. Como já foi citado, o repertório que o músico construiu com Forfun, Braza, DaBossa e DuBrazilis transita por diversos gêneros musicais, inclusive dentro de um mesmo álbum e, em alguns casos, dentro de uma mesma música. Mas mesmo dissociado de qualquer banda e já tendo experimentado essa variedade, Cutrim sentiu-se reticente em misturar algumas influências no seu álbum solo. A solução para esse dilema remete aos anos 60 e 70, justamente o período no qual a estética desse novo trabalho é baseada. E não por acaso.
“Quando eu estava fazendo o disco eu pensei: ‘Cara, como vou amarrar isso tudo?’. Eu queria fazer um forró, por exemplo. E fiquei me perguntando: ‘Pô, não posso fazer? Claro que posso!’. O dia que eu percebi que tudo era possível foi o dia que eu peguei pra reouvir os discos do Caetano Veloso e do Gilberto Gil na íntegra. É algo que se perdeu ultimamente, de ouvir um álbum inteiro, do começo ao fim. E esses discos são isso, né? Vão do ijexá pro samba, pra bossa nova, e vai ficando cada vez mais bonito. Eles são muito soltos das amarras. Então, essa audição te convence de que você pode fazer um disco com vários ritmos”.
Outro aspecto muito presente nos trabalhos de Danilo Cutrim até aqui, em especial quando pensamos em Forfun e Braza, é a do protesto, da denúncia de questões sociais e do posicionamento político. Em 2022, o Brasil se prepara para uma das eleições mais polarizadas de sua história, que de acordo com as pesquisas eleitorais, deve ser definida pela disputa entre o atual presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Logo, em um momento de forte borbulhar social, Danilo Cutrim não vai se esquivar do assunto em seu novo trabalho. No entanto, ele ressalta que, na sua visão, o debate e o posicionamento político não devem se limitar à crítica a um candidato ou ao apoio a outro, em especial na abordagem musical.
“Você pode expor sua opinião política separando o lixo da sua casa, impedindo uma agressão babaca na rua… Cada um tem o seu jeito. Tem gente que fica atrás do computador, tem gente que vai pra rua. Tem gente que se indigna, mas não fala muito. Cada um tem seu jeito. Então, isso passa também por valorizar os músicos que tocam com você. Os músicos negros, as mulheres, os que têm outras orientações sexuais que não a sua. Acho que esse lance é muito amplo. Eu, como ser humano, tento evoluir a todo momento. Então, esse disco tem músicas que permeiam tudo: tristeza, felicidade, amor… Mas tem uma, sim, que é meio ‘Fora Bolsonaro’. Chama ‘Vai Cair, Vai Pagar’. Essa é mais explícita. Não só especificamente pro Bolsonaro. Mas pra muita gente que está confundindo as coisas, que está tentando dar passo pra trás”.
Fato é que a nova aventura de Danilo Cutrim não vai se circunscrever apenas aos estúdios e às direções dos videoclipes. Ele já pensa em realizar uma turnê, buscando casar os destinos do Braza com os locais de suas apresentações solo. E, para a felicidade dos fãs mais saudosistas, que sentem falta das músicas do Forfun tocadas ao vivo, Cutrim prepara um repertório diverso.
“Eu já imagino como vai ser o show solo. Penso em algo com banda, mas algo mais voz e violão também. De qualquer forma, devo dar uma passada pela carreira. Então devo tocar algo de Forfun, algo de Braza, DaBossa, DuBrazilis… E, claro, desse novo disco solo. A música ‘Minha Jóia’, do álbum Alegria Compartilhada do Forfun, por exemplo, é um tipo de música que eu iria atrás hoje. Pensando em bossa nova, em violão. É uma canção que é atual pra mim. Então, inclusive no meu show solo, eu pretendo tocá-la. Claro que com uma nova roupagem”.
Um dos integrantes do Braza, Vitor Isensee, também já se aventurou em um álbum solo, de nome Vida e Nada Mais, lançado em 2019. Agora, com a nova empreitada de Cutrim, alguns fãs podem ficar preocupados quanto ao futuro da banda. Mas o vocalista faz questão de garantir que isso não representa nenhum tipo de risco para o grupo, que deve seguir mais unido do que nunca.
“Amo o Braza, amo os caras. Amo tanto fazer música, fazer show, quanto a amizade. Não só em relação ao grupo, mas aos técnicos de som, empresários, roadies… Amo todos eles. O nosso camarim pré-show e pós-show eu arrisco a dizer que é um dos mais maneiros que existem. A gente se diverte demais. Então, jamais penso em parar com a banda. Eu só gosto de me desafiar… Nunca me imaginei voz e violão em um teatro. Agora eu me imagino!”, completa.
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