Bixiga 70 lança disco e afirma: “Nunca desviamos o olhar da música brasileira”

07/04/2015

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Ariel Fagundes

Por: Ariel Fagundes

Fotos: Divulgação

07/04/2015

Uma explosão catártica de ritmos africanos, caribenhos e brasileiros interage no som do Bixiga 70. No ano passado, a NOIZE fez um vídeo da banda e, agora, apresentamos o lançamento do seu terceiro disco, Bixiga 70 (2015). O álbum acabou de ser lançado nas plataformas de streaming e, no site oficial da banda, já é possível encomendar o álbum em CD e vinil. O trompetista Daniel Gralha conversou conosco sobre esse novo trabalho, o primeiro onde todas composições e arranjos foram assinados por todo grupo. Veja abaixo a agenda completa de shows, ouça o disco novo e entenda por que o termo “afrobeat” é muito pouco pra definir o som dessa banda tão brasileira.

Esse é o terceiro disco homônimo da banda. Por que você optaram por mais um disco chamado Bixiga 70?
Cara, não sei responder essa pergunta. Lembro que, no nosso segundo disco, foi uma opção. Mas, nesse terceiro, a gente nem chegou a comentar esse assunto. Engraçado isso. Quando chegou o momento de registrar o disco isso quase não foi um assunto, nós palpitamos que poderíamos continuar nessa toada, fazendo meio que uma trilogia. Mas eu não sei te responder muito bem essa pergunta.

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É uma indicação de continuidade dos discos anteriores, mais do que de ruptura?
É… A continuidade é muito clara. É um aprofundamento muito nítido de tudo que foi feito antes.

Ouça abaixo Bixiga 70 (2011) e Bixiga 70 (2013):

Agora é a primeira vez que os dez músicos assinaram todas composições e arranjos. Como e por que rolou isso? O que mudou em relação aos anteriores?
No primeiro disco, a gente ainda tava atrás de descobrir qual seria nossa linguagem. Aí cada um chegava com coisas mais ou menos prontas e, assim, fomos construindo o disco. Mas é claro que ele também foi coletivo, os compositores não fizeram sozinhos todas as linhas de sopro e todas as levadas de percussão, por exemplo. No segundo disco, que foi gravado em 2013, a gente já tinha três anos de estrada, muitos shows pelo Brasil e fora do Brasil, já tínhamos uma experiência muito mais solidificada dentro da nossa linguagem, tanto individualmente quanto em grupo. E cada um foi se sentindo mais confortável com seu papel dentro da banda. Então foi natural ter um argumento maior e uma leveza maior pra alcançarmos resultados a partir de arranjos mais coletivos. Por isso que as músicas do segundo álbum já são assinadas pelo compositor que levou a ideia de base e pela a banda, que alargou as fronteiras da composição e transformou ela no que acabou indo pro disco. Nesse terceiro disco, não foi que quiséssemos experimentar conscientemente fazer um disco em que todos fossem compositores, mas a gente tinha dois meses pra fazer o álbum. Aí tínhamos algumas músicas já feitas, mas elas acabaram, no final das contas, soando menores do que as músicas que surgiram na composição coletiva. Cara, por algumas semanas a gente se encontrou todos os dias das 11h às 21h. Tinha hora pra todo mundo almoçar, uma pausa depois do almoço pro pessoal ir no banco, etc, e deu. Assim a gente foi levantando o disco. Nisso, acabamos levantando um material muito grande, escolheu umas onze músicas pra lapidar e acabaram ficando nove no disco. Mas isso não foi pensado previamente, tinha umas músicas pré-acabadas, outra que a gente queria dar uma nova roupagem, e outras que a gente levantou do zero. E foram surgindo muito mais músicas do que a gente imaginava. A gente tava com essa sede de compor juntos e surgiu muita coisa.

E o disco foi financiado pelo edital Petrobrás Cultural. Como foi isso?
Sim, esse edital da Petrobrás contemplava circulação e gravação. Mas obviamente é uma grana bem mais curta do que o ideal pra se fazer um disco. Na verdade, quando a gente gravou o disco nem havia saído a parcela do edital, então foi um disco com patrocínio, mas um patrocínio que não existia na época. Ele já tinha sido aprovado, mas não tinha chegado a grana. Foi um disco com patrocínio, mas novamente foi uma produção independente, novamente dentro do estúdio Traquitana, novamente a produção foi nossa com a mixagem do Victor Rice. Novamente pegamos equipamento emprestado pra somar com o que a gente conquistou ao longo dos anos. Contamos com a boa vontade de diversos amigos, que acabaram emprestando uma placa de som a mais, um pré-amplificador a mais, um microfone especial, e assim vai. É aquele independente dependente dos amigos, da boa vontade, da sorte de termos o estúdio Traquitana de portas abertas pra gente desenvolver nosso trabalho. É um independente meio dependente.

Vocês são muitas vezes descritos como uma banda de afrobeat, mas dá pra ver cada vez mais o trabalho da banda de ir além desse rótulo. “Mil Vidas”, por exemplo, é uma faixa com uma pegada de latinidade e de música nordestina bem forte. Vocês têm buscado novas sonoridades?
No primeiro álbum, construímos a linguagem da banda e a gente foi buscar referências externas pra nos balizar nisso. No segundo disco, a gente se voltou pra nós mesmos. As bagagens musicais de cada um acabaram sendo a grande influência do disco. No terceiro, que é uma nítida continuidade desse processo, aconteceu esse mesmo processo, mas aprofundado, levado às últimas consequências. Dentro dele, já está implícita uma brasilidade mais acentuada. Todos nós somos habitantes do Brasil, fazemos música brasileira, e claro que essa influência, em maior ou menor grau, ia aparecer em uma ou outra música. No segundo álbum tem uma faixa, que só entrou na versão europeia do disco, que é “A Morte do Vaqueiro”, do Luiz Gonzaga. A gente tocou ela na Virada Cultural de 2012, no centenário do Luiz Gonzaga, e ela vem nos acompanhando desde então. Nunca desviamos o olhar da música brasileira, por mais que coloquem esse rótulo de afrobeat. Alguns até se incomodam com o rótulo dentro da banda, outros se incomodam menos, outros não veem problema nenhum. Porque o rótulo é uma maneira das pessoas decodificarem o nosso som pra si próprias e pros outros. Tranquilo. Agora, no nosso segundo álbum temos “Kalimba”, que tem forte influência da música paraense. Às vezes colocam ela como uma música de influência latina, mas não é só latina, se você for pro Norte do país vai ver que a proximidade da música nortista é muito grande com a música latino-americana. Procuramos dar vazão pras diversas faces da música brasileira quando elas são naturais em nós. Essa “Mil Vidas” é uma continuidade do que a gente já tinha iniciado em 2012, antes mesmo do segundo álbum, quando tocamos “A Morte do Vaqueiro” do Luiz Gonzaga.

O som de vocês tem uma característica meio cíclica, meio hipnótica, que leva o ouvinte prum transe. Quem ouve entra dentro do corpo instrumental do som. É esse mesmo objetivo de vocês?
Isso era a única coisa que a gente tinha certeza que ia fazer desde antes do primeiro ensaio. Desde as primeiras reuniões, quando estávamos decidindo quais integrantes faltavam pro grupo, a única certeza que tínhamos era que a intenção de fazer esse tipo de som. Mais ritualístico, de transe mesmo, mais mântrico. A gente tem feito isso de uma forma dançante, libertária, no sentido físico também. Percebo que nossa música cativa muito as pessoas pra dança. Desde nosso primeiro show tivemos uma resposta muito grande do público nesse sentido. E isso nos alegra muito. Mesmo em situações em que o público era menor, a energia, por a gente estar se divertindo tanto no palco e também entrando no nosso próprio transe com a música, acaba cativando as pessoas. Não importa quantas elas sejam na plateia, nem em que canto do Brasil ou do mundo nós tenhamos tocado. Em todos lugares a aceitação foi a mesma, parece que a gente tava tocando pra praticamente o mesmo público.

Sim, se o público tem essa sensação é porque, de alguma forma, quem tá tocando também tá imerso nisso. E talvez sentindo uma experiência tão forte ou mais do que o público.
Realmente, esse lance de a gente fazer música 100% instrumental e com os dez músicos tendo igual peso nas decisões musicais, igual influência, sabendo o seu espaço e sendo contemplados com seus gostos musicais dentro do somatório final do som, acaba deixando os dez muito confortáveis dentro do palco. Cada um tá tocando aquilo que passou os últimos meses levantando com seus colegas. Cada músico tá lá com seus parceiros descobrindo um som que tá totalmente de acordo com suas ideias. Obviamente, achando um denominador comum com as ideias dos seus amigos… Assim vai indo. E esse fato de as ideias musicais dos dez serem muito respeitadas e colocadas em prática, acaba fazendo com que os dez se sintam muito donos do som que tá acontecendo e fiquem contemplados e felizes de estarem tocando e alimentando esse conceito de respeito e coletividade que o Bixiga 70 proporciona pra todos nós. Eu não tenho dúvida alguma de que isso seja um dos grandes temperos do som do Bixiga 70 que acaba contagiando as pessoas durante o show. E o teor libertário da música do Bixiga 70 pra mim é bastante ímpar. Eu não havia experienciado uma coisa desse tamanho ainda. Na minha vida, e na de diversos outros músicos dentro do projeto, é uma coisa revolucionária.

Na ficha técnica, vocês dedicam o disco novo aos seus ancestrais. O Bixiga 70 é uma forma de vocês honrarem suas raízes?
A gente mexe com elas né. Nossa música tem esse resgate, no próprio nome a gente já faz um resgate de uma era anterior à nossa. A gente mexe com raízes musicais que vem de antes. Então esse respeito é bastante presente no nosso dia a dia e na nossa relação com a música. Quando a gente vai desenvolvendo os arranjos e conversa sobre cada elemento, esse respeito tá sempre presente nos papos e nas decisões. Achamos de bom tamanho deixar isso explícito numa dedicatória impressa no disco e não só implícito no resultado do nosso som. Nosso segundo disco foi dedicado aos nossos filhos, então agora fecha essa trilogia. Isso pensando como uma trilogia, pode nem ser. Porque a gente não sabe como vai ser o processo do quarto disco. Eu nem sei o que vem junto com essa ideia de dedicar o disco aos ancestrais, mas ela foi aceita em primeira mão. A gente mexe com raíz, tocamos coisas que vem de antes de nós, não dá pra negar isso. É merecida essa reverência.

Shows de lançamento de Bixiga 70: (2015)
16/04 – Sesc Pompéia (São Paulo)
17/04 – Sesc Pompéia (São Paulo)
23/04 – Diablo Pub (Goiânia)
24/04 – Arena (Brasilia)
25/04 – Baixo Centro Cultural (Belo Horizonte)
30/04 – FNAC Pinheiros (São Paulo)

Veja o papo que batemos com a banda em sua primeira vinda a Porto Alegre:

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07/04/2015

Editor - Revista NOIZE // NOIZE Record Club // noize.com.br
Ariel Fagundes

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