10 anos de Céu: “No dia em que eu não tiver mais medo, passo pra outra”

02/02/2015

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Ariel Fagundes

Por: Ariel Fagundes

Fotos: Reprodução

02/02/2015

O céu que você enxerga hoje não é o mesmo de dez anos atrás. Forças da natureza vivem em constante transmutação e, no caso de Maria do Céu Whitaker Poças, não poderia ser diferente. Após três discos independentes, Céu (2005), Vagarosa (2009) e Caravana Sereia Bloom (2012), a cantora está comemorando uma década de carreira com seu primeiro DVD, Céu – Ao Vivo.

O material audiovisual veio com outra experiência inédita na sua vida, pois essa foi a primeira vez em que Céu decidiu se vincular a uma grande gravadora. Na conversa que tivemos sobre sua trajetória no Brasil e no exterior, as mudanças sentidas em si enquanto artista e o atual estágio do mercado da música, Maria do Céu respondeu com a simplicidade das grandes a cada questão que surgiu, como você vê abaixo.

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Passaram-se 10 anos desde seu primeiro disco… É um ciclo que se encerra, e ao mesmo tempo outro que se abre. Como você vê em perspectiva a década que passou?

Puxa, eu vejo com muito carinho e emoção. Mesmo. Acho que o DVD fechou a tampa de uma maneira muito bonita, como eu queria e imaginava. Eu fico super feliz de ter conseguido faze-lo do jeito que eu queria. Acho que era um momento propício para isso.

Como foi a gravação dele? É verdade que foi tudo gravado em um take só, sem repetir nada?

Foi, tudo em um take. A gente escolheu o Espaço Cultural Rio Verde, que é um lugar lindo, pequeno, super aconchegante e que eu achei que tinha muito a ver com o espírito estético da Caravana. Escolhi a linguagem estética da Caravana como cenário, mas quis mostrar os três discos no DVD. A gente fez um show mesmo pra que as pessoas pudessem se sentir bem próximas e entenderem como é naturalmente o processo de show, ensaio e gravação. Eu não queria uma coisa muito formal, queria uma coisa próxima.

Até pra não ficar algo tão limpinho, estéril…

Exato! Eu queria a linguagem menos limpinha possível. Primeiro porque eu acho que, no fim das contas, eu sou assim mesma, minha linguagem artística é bastante lo-fi, simples… A gente trabalha com diversos tipos de palcos e estruturas, mas sempre da nossa maneira simples. Eu queria trazer isso, sabe? Eu queria uma pegada meio de rock até porque, em turnê, com um show seguido do outro, é muito esse o clima. Eu quis essa proximidade mesmo, menos limpinha e mais real.

Imagino que fazer um DVD dessa forma mais solta só foi possível porque a banda tá muito bem entrosada, não?

Pois é, é muito tempo tocando junto, praticamente 10 anos tocando com essa turma. Mudaram algumas coisas, lá nos primórdios eu tinha percussionista, que era o próprio Bruno que hoje toca bateria comigo. Ele tocava percussão e tinha o Serginho na bateria, que saiu. Então, é praticamente a mesma banda. É uma família, a gente construiu uma relação de amizade, de força de trabalho muito legal.

Vocês têm uma interação de banda mesmo?

Temos, sim. A gente chegou nos arranjos todos juntos. Eu sou muito exigente, mas eu também gosto muito que as pessoas se sintam parte do trabalho de fato. Que elas coloquem suas mãos na massa mesmo e que fique uma coisa um pouco delas também. Sempre tive essa linguagem, acho que porque no início eu queria ter uma banda. Quando eu comecei queria ser de uma banda.

Seria a banda Céu?

Não, não… Seria outra coisa. Mas aí acabou virando eu mesmo. Quando eu era bem menina mesmo, tinha vontade de ser parte de uma banda. Engraçado… Acho que por isso que eu sou assim.

No DVD tem também uma versão de “Mil e uma noites de amor” do Pepeu Gomes com uma estética bem do Norte do Brasil, aquele timbre das aparelhagens...

É, foi incrível tocar a música dele, eu sou fãzaça dele, da Baby… E sim, o Caravana tem essa estética total, é impregnado disso, aparelhagens, Bye Bye Brasil [filme de 1979 dirigido por Cacá Diegues]. Acho que essa estética simboliza muito o Brasil. Bastante mesmo. É um belo resumo, a música do Norte e Nordeste, dos bailes… a própria maneira de vender discos, que pirateia a si mesmo. Acho inovador e extremamente legítimo do Brasil. E ainda tem a ver com outras culturas, a Jamaica tem uma coisa muito próxima disso. A África… Esse é um viés que sempre me interessou.

O seu disco de estreia saiu pela Warner, né?

Na verdade, a primeira vez que eu sou artista de uma gravadora é agora. Ele só foi distribuído pela Warner. Mas eu sempre fui independente, sempre. A primeira vez que eu me tornei parte de uma gravadora é agora com o DVD.

Pensei que o Vagarosa era da Universal, mas então foi só a distribuição dele.

É, só a distribuição. Sempre fui distribuída pelas majors, mas sempre fui independente.

E como você está lidando com essa grande indústria da música?

Bom, eu sempre procuro me informar o máximo que eu posso. Sou bastante interessada, eu vou nas reuniões… Eu fiz um caminho muito único. Já na época em que eu comecei, tinha a possibilidade de fazer [o disco] com gravadora. Eu tinha convite de quase todas, pra falar a verdade. Mas naquela época eu não achava legais os contratos com os artistas. Puxa, achava super ruim pro artista, desfavorável. E ao mesmo tempo você ficava preso, sem saber o que ia dar. No fim, eu acabei optando por ficar independente e fazer também um trabalho no exterior usando as gravadoras como distribuidoras. Mas isso sempre foi uma coisa que eu curti muito, pensar no que a música tá virando. [No início] eu peguei o último “momento” das gravadoras, hoje tudo mudou muito, demais. E foi difícil aprender a dançar a nova onda. Mas foi interessante… ainda tô aprendendo, né? Não sei de nada. Eu vou indo e seguindo meu feeling.

Deve ser difícil isso porque as gravadoras tiveram que correr pra acompanhar o mercado, mas os artistas também tiveram que saber se adequar a uma nova realidade.

Puts, totalmente. E hoje as redes sociais têm um papel determinante, a internet então… E o artista que já não ganhava quase nada com o disco, hoje não ganha nada mesmo. Até porque hoje ninguém mais quer o disco. A música virou um serviço. Eu acho super interessante isso, não vejo com maus olhos ou com pessimismo. Acho que é um momento transicional e a gente tem que saber se adequar. Eu vou indo conforme a onda, a maré.

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E você já tá pensando em um quarto disco de inéditas?

Eu tô começando a pensar, mas tá bem embrionário. Não tenho nada pra dizer porque tá muito no início. Na verdade eu nunca paro de pensar, não existe muito essa separação. “Ah, agora eu vou começar um disco” – eu nunca paro. Mas tá começando a existir uma ideia, sim.

Eu queria saber mais sobre seu processo criativo porque há um bom intervalo entre os discos.

É, não sei, depende do que você considera intervalo… (risos) Entre o Caravana e o Vagarosa foram dois anos. É que tem tanta coisa pra fazer, pra trabalhar, levar o show pra tantos lugares, que eu acho muito difícil lançar um disco por ano e conseguir chegar em todos lugares.

Ainda mais considerando uma carreira no exterior, que também é um foco do seu trabalho. Eu vi que você tocou na França há pouco.

É, é… eu cheguei de lá faz pouco, mas foi só um show. Três meses atrás eu tava lá fazendo uma turnê de vinte shows.

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E como tá o seu reconhecimento lá fora? Já vi você falando como às vezes se perde um pouco a noção disso. As pessoas acham que, porque você toca lá, sua repercussão no exterior seria até maior do que aqui e fica uma imagem meio nebulosa, né?

Total! Tanto é que eu optei por ficar aqui o ano todinho de 2014, só fiz essa turnê na França que acabei de te dizer. Eu queria ficar aqui pra poder chegar em lugares que eu nunca tinha chegado. No exterior eles marcam os shows com um ano de antecedência, então eu fechava os shows lá e, quando chegava no Brasil, perdia um monte de shows aqui porque já tavam marcados lá. E não é que eu estivesse mais lá do que aqui, é que lá é tudo mais programado e eu acabava perdendo shows aqui. Mas eu moro aqui, to sempre por aqui. Mas enfim, foi muito legal lá. Eu mesma tava esperando shows difíceis, com pouca gente, porque fazia tempo que eu não ia. E sabe como é o mercado de música… se você desaparece por muito tempo, mingua. Ainda mais fora do país, tem que estar sempre aparecendo. No fim, foi super incrível, surpreendente, acho que o show de Paris foi o maior que eu fiz, de público. Tava lotado, sold out… Pra mim foi muito especial. O da Alemanha também, eles são muito legais, gostam bastante do meu trabalho. Também fui pra Áustria pela primeira vez, foi demais.

Seu primeiro disco vendeu muito nos EUA, né?

Vendeu. Vendeu muito.

Você tem um público forte lá?

Tem gente que já conhece o trabalho e curte, sabe? Que acompanha meus movimentos. Quando eu marco um show tem uma fatia de público que tá sempre ali, não é um público enorme, mas é um público que vai, sabe? Isso é uma coisa muito boa. Poder ter criado isso. Em São Francisco, tô indo tocar num festival importante de jazz, eu vou muito pra lá, Nova Iorque também. São lugares que eu toquei umas seis vezes, então acaba tendo um público que me conhece e vai. Isso é muito especial pra mim.

Céu e o LP do "Catch a Fire", clássico imortal de Bob Marley que interpretou em várias cidades brasileiras ao longo de 2014

Céu e o LP do “Catch a Fire”, clássico imortal de Bob Marley que interpretou em várias cidades brasileiras ao longo de 2014

Agora em 2015 você pensa em seguir excursionando fazendo os shows de versões do disco Catch a Fire, que você fez bastante em 2014, ou o DVD vai virar uma turnê?

O DVD com certeza tem uma sobrevida de shows. Eu devo tocar em algumas capitais, eu vou fazer alguns shows sim. E o Catch a Fire também, mas serão poucos, deve começar a minguar já. Agora vou ter um tempinho pra fazer mais alguns do Caravana e começar a me preparar pro próximo projeto.

Que artista é a Céu hoje, dez anos depois de ter começado?

Ah, é uma pessoa mais segura, mais tranquila no palco, mais forte mesmo. O tempo e a experiência da estrada dão muito mais segurança e recursos para encarar todas as adversidades que o palco proporciona. Eu cresci, esse é o lado bom de envelhecer: aprender. Tô contente com o que aprendi.

O palco era um desafio muito grande pra ti?

Era sim. Porque eu sempre fui um pouco introspectiva, sempre fui na minha. Não digo tímida porque acho que nenhum artista é de todo tímido, acho que é um antagonismo estranho isso, se ele tá no palco é porque quer expressar alguma coisa. Mas eu diria que o palco sempre foi um obstáculo, um desafio. Eu entrei na música por causa da música, sabe? Só depois que eu fui me tocar de toda essa parte visual. Que hoje eu adoro! Mas a princípio meu comprometimento era muito mais com a música. Eu aprendi a me encontrar dentro dessa parte visual e a ficar numa boa com ela. Mas até então eu era quase como uma instrumentista, usava minha música a favor do instrumento vocal, da melodia, sabe? Eu entrava no palco quase como uma cantora de jazz, meio pra trás, sabe?

É difícil a posição de cantora, por ficar tão em evidência?

Tem uma exposição muito grande e uma sedução natural nesse ofício de cantar. É muito forte. E além de tudo você, com sua música, entra na vida das pessoas. É muito sedutor. É uma profissão muito… rica! (Risos) Eu diria que é uma profissão rica!

Tem alguma coisa que ainda te dá medo?

Claro que tem…. No dia em que eu não tiver mais medo, passo pra outra. (Risos) Tem dias em que você não tá a fim, tá cansada, tá fragilizada por alguma coisa e tá propensa a errar, tá desconcentrada… Tem dias em que você tá gripada! Tudo isso gera uma ansiedade, aquele frio na barriga enorme. Palco é exposição total, é dar a cara pra bater. Tem dias em que a gente pergunta: meu Deus, por que raios eu tô aqui fazendo isso? (Risos) Mas a resposta é sempre a mesma, porque eu amo a música.

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02/02/2015

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Ariel Fagundes

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