Respeitável público! A Trupe Chá de Boldo acabou de lançar seu terceiro disco, Presente, e nós trocamos uma ideia com o baterista, Pedro Gongom, sobre a produção desse que já é um dos lançamentos mais relevantes da música brasileira em 2015.
Nesse papo, descobrimos que a alegria eufórica que recheia os timbres do álbum carrega um quê de melancolia pela morte recente de Rayraí Galvão, membro da banda desde 2011. Talvez por isso um riso desesperado perpassa todas faixas de Presente mostrando que Trupe está mais adulta do que nunca, mas também preocupada em manter a fome de engolir a vida que só os jovens (de todas idades) são capazes de ter.
Tatá Aeroplano, Iara Rennó, e Marcelo Segreto, da Filarmônica de Pasárgada, contribuíram com os 13 músicos da Trupe para esse disco que, assim como os anteriores, pode ser baixado gratuitamente no site da banda. Os shows de lançamento do álbum acontecem nos dias 14 e 15 de março, no Sesc Vila Mariana, em São Paulo, e você pode saber mais eles aqui. Agora, vamos ao que interessa…
Faz quase 9 anos que vocês tocam juntos. Como esse tempo mexeu com a Trupe?
Quando a gente começou era muito molecão de colégio, a banda surgiu por ser todo mundo amigo e querer tirar um som, era bem despretensioso. No início era bem le-le-ô, ninguém sabia tocar direito. Aí a gente foi estudando, começamos a tirar um dinheirinho com a banda. Como é uma banda grande e ninguém consegue tirar seu sustento inteiro da banda, todo mundo tem outros trampos – tem duas minas que são arquitetas, outra é economista, tem ator… Nesse último disco rolou um momento em que a gente disse: “Pô, vamos voltar um pouco pra banda?”. São várias fases, né, é tipo um namorozão, uma relação maluca comprida. A gente era super amigo no começo, aí quando a banda começou a ficar mais profissional, como em todo projeto, às vezes vai cada um pra um lado. Mas nesse disso rolou uma hora em que a gente disse: “Pô, a gente tem que passar mais tempo junto, tocar mais junto, beber mais junto”. Sabe? Voltar um pouco a ser mais amigos do jeito que a gente era no começo. Viver um pouco mais junto até pra ter mais cara de banda mesmo. Às vezes cansa um pouco, né. Às vezes tem umas briguinhas e a gente fica de bode, mas a gente tá de bem agora, tá se curtindo. A gente tá bem próximo.
Chegou a ter alguma alteração na formação?
Cara, rolaram poucas alterações, mais nos sopros. Teve um trombonista, um trompetista… Agora entrou o Cuca, que também é do Bixiga 70. Mas tinha um cara que tocava com a gente, o Rayraí Galvão, que saiu da banda porque ficou doente e acabou morrendo no final do ano passado, quando a gente tava no meio do processo do disco. A gente meio que botou isso no disco… Ah, acho que foi a primeira pessoa que morreu que era dos nossos. E morreu super novo, devia ter uns 29, 30… ele saiu da banda porque ficou doente mesmo. A gente continuou dividindo o cachê como se ele estivesse na banda, continuou escrevendo uns arranjos de sopro. Era gaitista, tocava trompete também e vários outros instrumentos, era um músico mó bom, mó estudadão. E… Foi foda. Ele teve câncer né, aí às vezes tava mó bem e ficava super mal no dia de um show e não ia. Ele chegou a fazer show de muleta, a gente pegava ele em casa e ele já tava andando super devagar. E mesmo não fazendo tanto shows, às vezes ele escrevia umas coisas. A gente tentou manter ele por perto. Até pro bem dele né, é melhor ter um negócio pra fazer do que ficar em casa sofrendo com a doença.
Alguma faixa específica do Presente fala disso?
Eu não componho, né, mas acho que nenhuma composição foi feita pensando nele. Mas a gente acabou assimilando esse lance, tem um pouco dessa aura no disco. No disco físico tem uma dedicação a ele e a gente até botou o Rayraí na ficha técnica. Ele nem gravou nada, mas botamos como se ele estivesse lá com a gente. Porque, de algum jeito, ele tava.
Puxando o assunto das composições, o Galo ainda é o principal compositor, mas nesse disco tem mais músicas de outras pessoas.
Sim, esse foi um processo que rolou. No começo a gente até ficou um pouco com pé atrás porque os dois primeiros discos são mais centrados ainda nas composições do Galo. O que aconteceu foi meio natural, tem um pouco a ver com ele ter lançado um trampo solo dele, e ter se dedicado a compor pra isso. Mas mesmo assim tem bastante coisa que ele compôs em parceria com outras pessoas no Presente. Isso é meio natural porque tem várias pessoas da banda que compõem. Tudo foi ficando mais coletivo, tanto as composições quanto os arranjos, [Presente] é um disco mais coletivão do que os outros que, por serem mais do Galo, vão mais pra canção. O Bárbaro (2010) tem um lance mais de galera, bem de molecada. Aí, quando a gente gravou o Nave Manha (2012), paramos pra pensar no lance do som e inclusive o Gustavo Ruiz (que produziu o Nave Manha e o Presente) nos ajudou a pensar mais organizadamente. Fo um disco mais limpo, mais elegantão, tem pouca coisa que é com todo mundo tocando ao mesmo tempo. Já que a gente tinha feito um disco mais limpo, quisemos fazer agora um resgate desse som mais de galera. Equilibramos mais os arranjos dos instrumentos com a parte da canção. Presente é um disco mais pesado, com mais informação, menos vazio.
E como é conciliar tanta gente numa banda só? Até que ponto cada membro interfere no trabalho como um todo ou fica mais fechado no seu “setor”?
Lógico que a gente se setoriza, até pra organizar. Por exemplo, é muito difícil marcar ensaio com todo mundo, a gente consegue, mas não é uma coisa fácil. Mas tem muito ensaio dos sopros, as meninas do coro fazem muita coisa entre elas. Tem esses núcleoszinhos. Mas, quando rola os ensaios coletivos, bate pra caralho. Porque são ideias que vão pro mesmo lugar, sabe? A gente ouve tudo e vai entrando em consenso pra ver o que tirar ou botar em outro lugar da música. A gente vai conversando… Mas a gente mete bastante o bedelho em coisas dos outros. Nos outros discos eu cantei uma música em cada um deles, nesse eu fiz uns backing vocals com as meninas. O baixista, o Botelho, estudou pra caralho música, então ele sempre cola junto com os sopros, às vezes escreve algumas coisas… O Bazzo também. Essas dinâmicas são bem flexíveis. A gente é amigo, né. Às vezes rola uns arranca rabos, mas é tipo família italiana, num dia a gente se mata, no outro tá tudo bem. É uma gritaria, mas no final rola.
Todos músicos têm que estar juntos no som, mas a bateria acaba tendo o papel de reger um pouco a banda por ser ela que dita o ritmo. Como é tocar bateria com tanta gente ao mesmo tempo?
Ah mano, é legal, tem que ficar muito ligado nos outros. Eu tento muito botar o “chão” do som e deixar uns buracos pra que role outras coisas naquele espaço. Se você vai tocar num trio, tem que meter a mão porque tem um monte de buraco pra preencher. Mas, como tem bastante gente na Trupe, você tem que ficar ouvindo tudo pra saber colar numa guitarra, numa voz, e dar apoio pra tudo. É um exercício, é um jeito diferente de tocar, todo mundo tem que se ouvir muito se não embola tudo. Nesse disco tem duas músicas que o Rafinha, que é percussionista, toca na bateria. Rola bastante isso de a gente trocar de posição, eu faço percussão em uma, o guitarrista faz o baixo de outra. A gente curte ter esse molejo de mudar as coisas, isso acaba mudando a cara do som.
No show, isso deve ser uma loucura. Muita energia no palco, muita coisa acontecendo…
É. Por um lado é bom já que a gente tá cercado de amigos e temos muito pra trocar. Mas a gente também já entrou numas de: “Pô, a gente tem que tocar mais pra fora”. É muito mais fácil olhar pra um amigo do que encarar uma galera. É difícil se entregar pro público, rola uma vergonha, sei lá. Tem essas duas coisas, sempre vai ter alguém por perto pra você trocar uma energia, mas tem que ficar atento pra conseguir trocar com o público. Hoje a gente tá mais calejado e tá lidando melhor com isso. Até porque essa energia é uma coisa que o público curte, ver que a gente tá curtindo tocar junto, ver que é um troço de verdade, não é um trampo.
Presente tem várias parcerias com pessoas que são próximas do círculo de vocês, o Tatá Aeroplano, a Iara Rennó… Vocês são bem amigos, imagino.
Somos. E a gente tem um lance inclusivo. A banda começou com três pessoas, aí a gente foi chamando os amigos, outros foram entrando sem serem convidados, e virou esse negócio que existe até hoje. A coisa foi crescendo um pouco sem planejamento, foi o que rolou. Sempre mantivemos essa vontade de abrir espaço, os dois discos anteriores têm muitas participações, mas agora a gente procurou fazer um lance mais nosso, tentando resolver entre nós mesmo. Mas tem muita gente muito legal de outras bandas e outros rolês que convivem com a gente. Acabamos resolvendo fazer uma coisa mais nossa, indo um pouco na contramão do que tínhamos feito até agora, mas é impossível porque essas pessoas estão muito perto da gente, são amigas. O Tatá deu uma puta força pra banda desde o começo, quando ele conheceu a Trupe, pirou. Nos apontou um monte de caminhos, apresentou nosso som pra um monte de gente… Por mais que a gente tenha feito um lance mais fechado na gente, as pessoas que estão em volta participaram.
Isso tudo me remete ao cenário da música independente de SP. Essa cena está ficando mais forte ainda, ou é impressão minha?
Ah cara, é que no fim das contas a gente é muito público também. Toda essa galera vai ver nosso show e gente vai no show deles. Ao mesmo tempo em que a gente produz coisas juntos, nós também somos público um dos outros. Não são só parcerias, tem uma admiração mútua. Você vai no show de qualquer pessoa e sempre encontra um monte de outras. No final, o mundo é meio pequeno mesmo. E tem muita gente foda do Brasil inteiro morando aqui, de Recife, Porto Alegre… Então tem uma cena aqui, mas não é uma cena só de paulistanos, transcende isso. Tem várias discussões sobre isso, li um texto outro dia na piauí criticando isso falando que todo mundo só se elogia porque é todo mundo amigo. Tem um pouco disso, mas sei lá. Eu fico feliz porque tem sempre aquele papo de que não tem nada bom acontecendo, que o legal era antes, e… porra, não é verdade.