Entrevista | FBC & Vhoor e o Brasil com B de “BAILE”

21/12/2021

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Brenda Vidal

Por: Brenda Vidal

Fotos: Wanderlei Vieira/Divulgação.

21/12/2021

FBC & Vhoor são de Belo Horizonte, viveram a maior parte de suas vidas conectados pela zona norte da cidade e viveram, cada um à sua maneira, o baile da Vilarinho, evento emblemático da cultura soul, charme e hip hop da capital de Minas Gerais. Um fez seu corre mais com uma produção intensa de discos e EPs nas plataformas digitais, outro é um beatmaker nato de soundcloud. Mas foi só há cerca de um ano e meio que os dois chegaram juntos para colaborar, mas parecem estar dispostos a trabalhar no pique JK, recuperando “50 anos em 5”. Dessa parceria recente, nasceu BAILE, álbum que não só reforça a influência dos dois na cena de rap de BH como os alçou no cenário nacional, atingindo um alcance de audiência ainda inédita. “Se Tá Solteira“, single presente no disco lançado ainda em 12 de novembro, se consolidou enquanto um viral no Tik Tok, ao lado de nomes do mainstream como Anitta, Pedro Sampaio, Luiza Sonza, MC Pedrinho, MC Don Juan e muitos outros.

O álbum equilibra momentos para requebrar o quadril e outros para botar a mão na consciência. Denúncia social, violência policial, dia a dia periférico, romance, passinho, fruição; tudo isso marca presença nessa pista imaginada, viva, ancestral e inédita, que celebra o legado do Miami Bass à brasileira, com seus raps e melôs. Uma “Ópera Miami” como os criadores identificam o roteiro que embasa o conceito do álbum. Em trecho divulgado à imprensa, eles detalham:

*

BAILE se desenvolve com o relato da história do personagem Pagode: pai de família, morador da favela, trabalhador, que frequenta o baile da UFFÉ. A história começa quando, na saída do baile, Pagode é surpreendido pela polícia, que o prende acreditando que uma arma encontrada por perto pertence a ele quando, na verdade, foi escondida por Paulinho, que dissimula, assiste a cena e nada faz. Ainda na narrativa do projeto, já com Pagode livre, meses depois ele retorna ao baile e encontra um antigo amor platônico, Jessica. Os dois conversam, riem e dançam todas as vezes que se encontram, até a noite em que Pagode encontra a encontra fazendo passinho com outra pessoa. Paulinho, o “falador”, vive de pequenos golpes e receptação de cargas, até o fatídico dia em que atrai para a favela a operação policial que mata a filha de Jéssica.

O registro percorre sob as luzes de festa e de viaturas, ao som de melôs, sussurros de flerte e sirenes, repassando uma história que acontece em 12 horas, mas que chega até em menos de 30 minutos de audição. Agilidade que talvez até se inspire na urgência do existir periférico: curtir, beber e existir com a adrenalina constante de quem vive entre a festa e a eminência da violência. Solte o som de BAILE e, em seguida, leia a entrevista que fizemos com FBC e Vhoor: você é o nosso convidado. Vem pra pista com a gente?

Como vocês estão se sentindo com a repercussão do projeto?
FBC:
Ah, eu tô feliz, não vou dizer que não! Fico muito feliz, mas agora é trabalho em dobro, né? Porque, tipo assim, agora explodiu muito, tá ligado? Tem muita coisa pra pensar, tem muita possibilidade de trabalhar o marketing, [mais] alcance de chegar em pessoas que produzem os conteúdos, tá ligado? Tipo, um RT ali no som, uma publicação… eu tô querendo ir pra televisão aqui de BH, tá ligado? Quero chegar no [programa] Balanço Geral, porque [o disco] fala da vida da gente, sabe?
Mano, resgatou uma parte da história que todo mundo que lembra fala: “Caralho, a gente era feliz, viu?”. Lembrar dos bailinhos, como era antigamente, ainda mais aqui pra nós, esses lugares em que a gente ia dançar, como Vilarinho… parece que essa cultura sumiu de vez, sabe? Mas, em BH, o passinho sempre foi forte, tanto que a galera conhece como ‘passinho de BH’. Mas eu acredito que muitas gerações aí pra trás, se a gente for pra televisão e tocar o som, a vão dizer “Caralho, eu dançava isso!”, pessoal de tipo 40, 50 anos. Então, a parada é popular; eu quero ir onde a população veja, tá ligado? Tem que ir pro popular, é televisão, não adianta.           

FBC e Vhoor, vocês são artistas com bastante volume de produção, do ano passado pra cá vocês movimentaram vários lançamentos. Quando BAILE nasce enquanto um projeto compartilhado entre vocês e o “mão na massa entra em ação”? 
FBC: Quando que começou, Vhoor? Outubro? 
Vhoor: Acho que é isso. Quando a gente tava fazendo o OUTRO ROLÊ, foi tipo, alguns meses antes de você viajar. 
FBC: É, então foi setembro/outubro do ano passado. Eu chamei o Vhoor no Instagram e depois de 12 meses ele me respondeu. (risos) Brincadeira, demorou só três dias. (risos)
Vhoor: (risos) Então, a gente já tinha trocado algumas ideias pelo Twitter, e ali por meados de outubro do ano passado, o Fabrício ia viajar, [mas antes] queria fazer seis músicas. E ele tinha me convidado pra participar de um EP que ele tinha lançado antes chamado OUTRO ROLÊ (2021). Aí nesse meio tempo da gente produzindo esse EP, naquele ambiente de estúdio, começamos a conversar sobre qual seria a próxima coisa que a gente faria juntos. Ali no meio do processo de produção falei assim pro Fabrício: “Você é de onde?”, e ele me respondeu: “Ah, eu morava em São Benedito”, um bairro bem próximo de onde eu moro aqui em Belo Horizonte, e eu falei com ele das coisas que eu ouvia, das coisas que aconteciam aqui por perto relacionadas à música, e a gente lembrou do Baile da Vilarinho, que era um baile de Miami Bass que acontecia aqui na cidade. Aí falei pro Fabrício: “Pô, já pensou se a gente faz alguma coisa nesse tipo?” Ele animou também: “Ó, foda!”, e aí a gente começou a pensar nesse álbum que seria o BAILE. Primeiro a gente fez “De Kenner”, foi a primeira música que a gente fez desse álbum, dali em diante a gente pensou “nossa, isso daqui ficou legal”, e a gente pensou que poderiam ter novos capítulos essa brincadeira que a gente fez e que a gente gostou tanto assim.   
FBC: A gente fez três músicas ano passado: “Vem Pro Baile”, “Não Dá Pra Explicar”, e “De Kenner”. Só que aí eu fui fazendo uns drills também, que eu tinha que entregar, só que quando eu voltei da Europa com o Rafael [Barra], a gente foi ouvindo e viu que não dava pra fazer drill com Miami. Então, o álbum acabou talvez em maio, maio ou junho, e aí demorou mais um tempo pra entregar a mix e a master, mas acredito que a gente terminou ali julho pra agosto. Aí no final de setembro ou começo de outubro que a gente recebeu a primeira mix, né? Acho que aí que é o fim porque, o BAILE tem umas três versões, acho que têm músicas que têm três versões.

Certo. Foi intenso e dedicado. Imaginei tranquilo que vocês estavam tocando isso há dois anos, por exemplo…
FBC: Eu não conheço o VHOOR há dois anos não. Acho que conheço o Vhoor tem um ano e meio, ou menos, pra menos.

Imagina só o que vão fazer daqui pra frente, né? Bom, vocês dois são de quebradas de BH. Você podem me situar de onde exatamente e que lugar essas regiões ocupam na dinâmica da cidade?
FBC: Eu sou da BH, morava em Santa Luzia, que é região metropolitana, uma cidade depois de BH que é bem perto de onde o Vhoor morava ali na Vilarinho, na zona norte, onde é o fim de BH e aí ja emenda com as cidades que têm na região metropolitana. Santa Luzia era uma cidade dessas. Eu morei no bairro São Benedito, morava numa região especifica de São Benedito que era a divisão de três bairros: o Londrina, o Asteca, o São Benedito e o Cristina, tá ligado? Morava no fim desses bairros, mas não era tão distante da Vilarinho, nem tão distante do baile, como os outros bairros lá de Santa Luzia. É a região que uniu a gente assim no pensamento de qual seria o conceito do disco e pra quem a gente ia falar. Com certeza, quem é da zona norte, quem nasceu ali, frequentou os bailes e conhece a região, vai entender muito do que a gente tá  falando. Hoje, eu moro na Cabana do Pai Tomás, que é região Oeste, que é contrária da zona norte, do outro lado, então eu tô um pouco distante da Vilarinho, mas na Cabana eu já moro vai fazer 14 anos e tem algumas coisas também que é como se fosse um misto de zona norte e zona oeste. Quando eu falo “Olha a Sopa/ Dona Maria, Olha a Sopa” [em “Vem Pro Baile”]é um aviso sobre a polícia, mas é uma coisa que só rola aqui na Cabana, que foi um jeito de uns caras falarem que a polícia tá vindo aqui. Mas eu já morei em várias quebradas de BH: Barreiro, vila Pinho, Ocupação Nelson Mandela, Vale do Jatobá, Vila Serrinha…    
Vhoor: Então, eu nasci na Vilarinho, onde tinha o baile da Vilarinho, eu morava, sei lá, a uns 500 metros de onde acontecia o baile. Cresci lá até os meus seis anos e a minha mãe tinha um bar na Vilarinho mesmo, então eu sempre brincava com o pessoal daqui de casa que eu sempre passava pela Vilarinho pelo menos um vez por dia porque, além de ser um polo forte aqui da região da zona norte, é o lugar onde eu nasci e aprendi a fazer todas as minhas coisas. Hoje eu moro na Vila Canaã, último bairro da região norte, que também é um bairro da região norte, que é próximo até de São Benedito, onde o FBC morava. É afastado do centro, bem distante das coisas da cidade, e que acontecia essas coisas. Eu acho que, por exemplo, o baile que acontecia aqui, talvez seja por uma coisa que aconteceu fora do centro e que pra quem mora na região norte, é um lugar de mais fácil acesso.  

Conversando com rappers de SP e RJ, dá pra perceber que o rap de SP tem uma pegada mais do frio, da dureza da selva de pedra, o ritmo acelerado, o cinza, enquanto o de RJ tem mais malícia, calor, despojo, é mais relax. Pensando nessa relação, qual o ritmo e a frequência de BH? 
FBC: A história de BH é recente, é uma cidade relativamente nova, não tem nem 150 anos, tá ligado? É uma cidade que foi formada, em sua base, para ser a cidade capital de Minas Gerais, então se parece com a história de Brasília; quem veio pra cá foram os políticos, pessoas que trabalhavam com o governo. Até hoje é uma cidade muito política, politicamente ativa, por isso a razão Djonga ser Djonga, Hot e Oreia, as pessoas sempre puxam pro tema da política, da ação social, da luta, da abordagem das pautas, porque a cidade é assim. Mas é uma cidade universitária, tá ligado? Tem uma das melhores faculdades do Brasil, e a gente fala que é um ovo: odo mundo se conhece, todo mundo já se namorou, já se pegou! Tem hora que chega até a ser um inferno. Então essa é a característica da minha geração e da geração antes da minha. Só que aí há uma geração do rap depois da minha que dá pra ver que a galera não puxa tanto pra esse lado, mas é uma galera que musicalmente faz uma parada muito complexa, tá ligado? Porque eu acredito que a música de BH, por essa geografia que cerca a gente pelas montanhas, não tem pra onde fugir, a gente acaba se encontrando, se esbarrando sempre pelos bares, e essa música de BH tá nesse lugar. É o Clube da Esquina, é o Duelo de MCs, que é debaixo de um viaduto, então a gente tem muito lugar comum em que nos encontramos e vamos aperfeiçoando a nossa música. Geralmente as pessoas não conseguem sair daqui, não é todo mundo que consegue fazer sucesso, então, o cara que faz mais sucesso conhece até aquele cara que não fez sucesso. Aí a nossa música vai se sofisticando, a gente vai se encontrando, trabalhando junto, e isso é em todos os estilos, tá ligado? Acaba sendo uma parada que fala sobre as ruas da cidade, sobre uma cidade ativamente política, a força dos jovens, é uma cidade que faz dos seus artistas também representantes dessa luta, na sua grande maioria. Esse é o rap de BH, tá ligado? A gente pode fazer um som pra rebolar, pode fazer um som pra dançar, mas até mesmo nesses som, que talvez não cumpram tanto um papel social, se cumpre o papel da arte, de ser bem feito, de ser bem trabalhado, e isso tá tanto na música feita na forma orgânica, quanto da música feita na forma como a gente faz, que é a música eletrônica, isso o Vhoor pode falar melhro do que eu. 
Vhoor: Nossa, eu acho que ele falou tudo (risos), deu aula aqui (risos). Em BH, as músicas são mais lentas, é engraçado isso, eu tava tentando ter essa visão até conversando com alguns amigos de que, acho que por causa da geografia e por causa dos ritmos das cidades, as músicas buscam ter um papel mais impactante. O funk daqui é 130 BPM e às vezes vai até pro 124 BPM, que é, tipo, muito lento, muito quebrado, demora as coisas acontecerem. Acho que a música de Belo Horizonte se conecta por isso, se a gente pegar desde o Clube da Esquina até o Sepultura, ao funk que a galera de BH tá fazendo agora,  acho que esse é um ponto que sempre vai unir tudo, o lance da música ser sempre mais atmosférica, ampla e reflexiva, seja em qualquer estilo.

E como é o processo de criação entre vocês dois? Existe algum protocolo ou método que vocês seguem, tem algo que sempre vem primeiro, ou é mais solto…?
Vhoor: Eu acho que acontece das duas formas. Tipo, acho que nessa troca a gente foi aprendendo a trabalhar, eu com ele, ele comigo. Pra mim foi um aprendizado muito grande porque eu sempre fui um produtor musical de quarto, sempre fazia as minhas coisas aqui de casa, não tenho estúdio, meu estúdio é o meu computador. Então, esse processo de ir no estúdio trabalhar com outra pessoa foi totalmente diferente pra mim, compartilhar e elaborar as ideias com a pessoa que também tá dentro do som foi uma troca muito interessante, e aprender a trabalhar mesmo no ambiente de estúdio, aprender a trabalhar de um jeito mais produtivo, conseguir entender também o que a outra pessoa tá querendo, foi um bagulho essencial, foi legal pra caramba. Começamos com algumas bases prontas minhas, que mostrei pra eles. Mas quando a gente entrou no estúdio, muita coisa a gente teve na hora, tipo, “Nossa, vamo pegar aquele sample lá? Vamos fazer tal coisa desse jeito?”, e assim saíram algumas das melhores músicas que a gente fez. “Se Tá Solteira” foi desse jeito. A gente tinha uma ideia, eu tinha um beat mais ou menos, um esqueleto pra poder colaborar, só que na hora que a gente foi fazer, a gente mudou totalmente a estrutura da música, a gente pensou junto ali, mas a música ficou totalmente diferente da primeira ideia.
FBC: Ah, eu, vei, eu e sei lá, se eu tenho uma coisa na cabeça, eu vou lá e penso “Ah, é assim, o bumbo tem que acabar assim”,  “corta essa parte”, “coloca isso pra frente”, a música pra mim funciona todo o dia assim, tem que ter fluxo, não pode parar, sei lá, é uma coisa muito louca. Mas eu prefiro não fazer a letra primeiro, mas sim a ideia. Falar assim: “Vhoor, um cara e uma mina dançando, ele quer ficar com ela, os dois dançam um passinho”, sabe? E com o beat pronto, à disposição, eu faço a letra.

Essa troca é muito importante pro trabalho criativo, né? Sozinhos a gente fica condicionado a só o que vem pela nossa cabeça.
Vhoor: Sim, demais. Às vezes a gente trava numa ideia e a outra pessoa fala exatamente aquilo que desbloqueia a gente. Eu acho que foi muito importante, até porque no ambiente de estúdio, a gente fazendo as músicas ali, fazer a música na frente de alguém é uma pressão, você acaba ficando nervoso, porque é tipo assim: “Como eu posso fazer uma coisa que a outra pessoa também goste?”.  Saber lidar com isso também, aprender a lidar com todas as coisas ali no ambiente… 

FBC: Mas o Victor é bem tranquilo nisso aí, viu, Brenda? Eu digo “Victor, isso aqui não deu certo não, vamo pra próxima”; e isso depois que ele já tinha feito o beat todo. Eu falo “Ah, mano, isso aqui não ficou bom, tava tentando aqui mas não ficou bom, faz de novo, vamo tentar outra bateria”. Porque tem a história também do pack, o estúdio onde a gente gravou é de um DJ antigo aqui da cidade, então ele tinha um pack de tambor, de atabaque, de funk, tá ligado? Macumbinha, essas parada, percussão brasileira e afro-brasileira, uma caralhada de percussão, tipo muita mesmo, a gente nem usou tudo, mas foi testando uma por uma: “Essa não”, “Essa aqui é doida”. Aío Vhoor criava o beat, aí já íamos pra outra,  então a gente fez as músicas assim tá ligado, foi pegando cada percussãozinha ali nos packs que tinha no computador, a gente nem usou tudo. O Miami tirou a gente de uma trajetória que a gente tava crescente na produção, de curtir uma parada diferente, o Miami, pô, foi genial, teve essa sacada, anos 90, mas a gente no estúdio, com o outro rolê, a gente tava fazendo outra parada, uma parada nova, um gênero novo. “Gamaleira” e “Luxúria” são músicas que você pode procurar aí, não tem música igual a nossa, igual a gente que fez, então a gente tava nesse caminho, uma hora, “De Kenner” virou, os outros Miamis eram muito contagiantes, e aí eu falei “Mano, então é Miami que a gente vai fazer”. Mas ainda tem muita coisa que eu e o Vhoor, dentro do estúdio, deixou de lado. 

FBC e Vhoor, bom, vocês têm realidades aproximadas, mas pertencem a gerações diferentes; as idades são exatamente invertidas: o FBC tem 32, Vhoor tem 23, e vocês estavam indo encontrar esse som das memórias de vocês dois. Como vocês foram alinhando esses pontos de partidas, ainda mais em pesquisa sonora, pra chegar no resultado que podemos ouvir?  
FBC: (Risos) Lá vem você plantar essa ideia na nossa cabeça agora! (risos) Eu acho que a experiência da audição é a mesma, mas eu acredito que eu vivi uma coisa que o Vhoor queria ter vivido mais, né, porque ele ficava lá ajudando a mãe dele, aí ele ficava todo o domingo vendo o pessoal ir pro baile e ele queria ir pro baile.
Vhoor: Eu era muito novo, mano, nessa época eu tinha 11 anos, então eu não tinha como ir, entendeu?   
FBC: Mas o que a gente tem que entender também é que o Vhoor, a mãe dele cantava, o pai dele toca, canta, não sei os tios deles, mas o pessoal é dá música, é da dança, é da bagunça, e ele é um moleque nerd de música, não sei de outras coisas, tipo escola… 
Vhoor: Não (risos)… 
FBC: Mas de música ele é um cara estudioso. Aí eu vivi dentro do baile e ele viveu o imaginário do Baile (risos).  

Aí com a pesquisa ele correu atrás… 
FBC: (e de) coisas que eu não entendia, que é só uma pesquisa, quem tem o dom da pesquisa, da paciência, o cuidado, a atenção, sabem, e ele é um grande pesquisador da música eletrônica, de música de gueto, de favela, de BH, tá ligado? Tipo assim, a gente viveu a mesma época, mas a gente teve experiências diferentes dessa época.  

E essa tal de “Ópera Miami”? Por que vocês começaram a brisar nessa estrutura e sentiram que esse trabalho pedia essa linguagem, essa amarração narrativa e conceitual que difere dos trabalhos anteriores de vocês. 
FBC: Ah, isso aí é uma loucura que o Vhoor comprou, eu inventei essa porra toda aí, tá ligado? Os caras me auxilou assim, eu falava “É muito absurdo?”, e os caras falavam “Não, não é tão absurdo assim…”, e tinham coisas que eram absurdas e os caras falavam “Ah, velho, não dá”, mas, mano, eu viajei nisso aí, sabe? Eu falei “Ô Vhoor, vou contar a história desse cara, e vai ser a ópera, tá ligado? E o Vhoor, sei lá, ele fez, tá ligado? Tipo rápido, não teve problema, foi fácil pra ele. Eles faz sons muito mais complexos, coisas que ele manda aqui pra mim, coisas estranhérrimas, coisas difíceis, de difícil assimilação por pessoas que não entendem o contexto, daquela caixa, daquele kick, mano, daquele grave, o cara é quase um Frankstein na música, ele dá a vida pra parada, sons muito mais complexos, pra ele fazer o Miami, pô, parece uma coisa que ele sempre quis fazer, aí ele tinha o domínio total, e aí o mais complexo de tudo foi criar a história, tá ligado? E nós escolher os beats e falar assim “Não, vhoor, agora tem que ter uma beat assim”, a gente ia quebrando a cabeça ficando, aí o Vhoor tinha feito vários beats, o único que a gente fez junto foi “Se tá solteira”, porque eu cheguei com a ideia do tik tok, falei “Mano, tem que bater assim ‘pam’, ‘pam, pam’, ‘pam,pam’, ‘pam, pam, pam’, falei que tinha que ser assim, a gente foi lá e montou. Outros beats, igual “Polícia Covarde”, era um dos primeiros beats, mas eu fui usar só no final, quando eu falei “Mano, agora tem que acabar, vai dar aquela treta, pessoal vai morrer e invadir o morro, aí o Rafael foi lá e “Mano, esse beat aí, tu não tá dando atenção, já tem um ano que a gente tá falando pra você usar esse beat aí velho”, aí eu falei “Não, então é isso mesmo”, aí fui lá, ouvir uns proibidões, e falei “Caralho, é isso, a polícia covarde vai matar qualquer um, vai matar qualquer um”, você entendeu?
O disco passou assim, do começo da história ao final, aí os beats que vieram pra completar a história, a gente ia entendo qual sonoridade que tinha que acontecer.
Igual quando foi “Delírios”, era um dos beats escolhidos pra terminar o disco, é tipo assim, aqueles quatro atos da ópera, tá ligado? Que é quando o cara sai da cadeia, e imagina, “Pô, hoje eu vou encontrar com ela”, ele fica projetando aquelas coisas, “Como é que vai ser, será que vou trombar ela?”, e aí, quando ele chega no baile, já é “Não dá pra explicar”, que é quando ele já vê a Jéssica dançando com outro cara, tá ligado? E na última, Polícia Covarde, já é a operação policial já tá em andamento, e quando eles estão ali no baile, de manhã, amanhecendo, quando eles vão embora, já é “Polícia Covarde” que os caras já invadem a favela depois do baile, mata o pessoal, mata a Jéssica, mata o patrão, então são estações da ópera, tá ligado? E são muitos personagens, a tia da macumba que é a mãe da Jéssica, que se junta com a galera que encontra a polícia, a UFFÉ, que é a União da Força e da Fé. Isso que aconteceue foi rápido, só não mais pela falta de dinheiro. Demorou um ano porque tinha falta de dinheiro, distância de logística, o estúdio era muito caro, aí a gente teve que dar um tempo, aí o estúdio estragou, teve que dar outro tempo, aí fomos gravar na casa do Rafael, a casa do Rafael é tipo 30 reais de uber daqui, então teve essas coisas, mas eu acredito que, se a gente for juntar os dias, a gente demorou o quê? Seis meses pra fazer o disco? 

E tem algum projeto pra transformar essa ópera em roteiro de filme, de série, num livro? 
FBC: Nada, nada, isso é loucura da minha cabeça. Talvez se algum dia algum desses moleques que ouviram, que entenderam a história, se profissionalizar, virar cineasta, ter dinheiro pra investir nessa porra, tomara que Deus abençoe, mas a gente não tem dinheiro pra fazer clipe, cara. É uma coisa que nóis arriscou sem a pretensão de nada. Sem pretensão de virar, sem pretensão de “Ó, a gent, see a gente estourar no tik tok a gente tem um cronograma, uma plano, tem aqui e essas etapas que a gente vai seguir, a gente quer conquistar isso, tal mês vai ser isso, não tem nada disso, não tem planejamento. O planejamento é fazer a música, juntar e mixar e lançar numa data, tá ligado? Só que aconteceu, cara, aconteceu e a gente tá ai… então tem muita coisa, mas a gente não quer fazer clipe porque é caro, você vai gastar aí num clipe 30 mil? Pô, a gente fez esse disco com quantos menos de 10 mil, sabe? Se é pra fazer um clipe gastar 30 mil, a gente faz mais 3 álbuns.
O Vhoor veio do Soundcloud, eu sou um MC de Spotify, que nem eu falo, então, eu não trabalho muito com o Youtube. Mas agora, com o BAILE, foi diferente. Mas foi tudo pensando: os tempos da música, não pode ser música grande, é música pra tocar no baile, tem que ser fácil pro DJ fazer a mix, tá ligado? Tem que pensar na mix de entrada, na mix de saída da música, o negócio é todo pensado pro baile e pros DJs. É o movimento Hip Hop, é um álbum de HIP HOP, tem grafite, tem dança,  tem MC, tem luta, tem o DJ, tem os quatro elementos ali funcionando

E a quem BAILE homenageia?
FBC: Ah, cara, é uma homenagem a BH mesmo, à cultura de Baile de BH, esse é o maior homenageado, é isso que a gente traduz ali.  
Vhoor: Acho que é essa parada mesmo, de homenagear as culturas de Baile de Belo Horizonte, do Brasil inteiro, mas principalmente as de Belo Horizonte, as culturas de baile dos anos 80, 90, até o final de 2010 acontecia muito isso, e a conversa que eu sempre tive com o Fabrício é que muitos dos nossos ídolos não tiveram a oportunidade de levar esse trampo pra frente, muitas vezes, inclusive, por falta de estrutura, muitas vezes por falta de equipamento, e a gente com o nosso trampo pode dar mais um capítulo pra essa parada que criou a gente como artista, né? Por um lado os MCs e os bailes daqui da cidade que tanto influenciaram a gente, é uma cultura meio que virtual na cabeça de todo o belo-horizontino da nossa idade, mas que, infelizmente, pela falta de acesso, muitos dos nossos artistas preferidos não tiveram a oportunidade de continuar esse trampo com esse tipo de música. Até pelo preconceito da época, por tudo isso. Acho que esse é o grande homenageado do nosso trabalho. 

Bonito. Eu conheço de pesquisa o trabalho dos bailes souls pelo Brasil, que é o DNA de tudo isso que está em BAILE, ele sofreu tanto com a própria metamorfose da coisa, da comunidade se dividir entre quem era mais conservador e quem era mais vanguardista no som, mas muito por um jogo da mídia que quis colocar o samba e os bailes, duas coisas de periferia, pra bater cabeça. Esse jogo midiático enfraqueceu muito a força do que esse movimento poderia ser e se desenvolver com mais memória. 
FBC: É isso aí que é o fundamental da ideia. O álbum BAILE é um resgate de uma memória perdida, é o entendimento de que, cara, tudo que aconteceu no eixo Rio-São Paulo também aconteceu em outros lugares. E cada lugar tem a sua especificidade. É um trabalho indenitário que marca isso. O mesmo hip hop que veio pra todos os lugares do Brasil, veio pra BH, e se transformou num estilo nosso peculiar, existe essa galera, existe essas pessoas que gostam do Miami, que produziram beats assim, tá ligado? Que tocaram assim até pouco tempo, mas pessoas que não conseguiram furar a bolha, não conseguiram penetrar na indústria fonográfica do eixo mesmo, tá ligado? A gente tá datando e relembrando as pessoas que fizeram muito sucesso, mas também que não conseguiram, muito porque vieram antes da Internet, antes desse lance do stream, a gente já pegou esse lance do stream, tá ligado, e é isso. É uma homenagem a essas pessoas, tá ligado? A gente se propôs, a gente se profissionalizou, a gente é verificado dentro das lojas, e essas pessoas viveram fazendo muitas visualizações, tocavam muito, mas a galera vivia só de show, a galera não viu o mercado, tá ligado? Muitos músicos de BH que faziam música eletrônica, seja no rap e no funk, elas não viram esse dinheiro, esse dinheiro que vem do Ecad, esse dinheiro que vem de uma edição, elas não se profissionalizaram pra isso, tá ligado?  

A linguagem dos direitos autorais na área fonográfica é quase um código em si, não é simples. Mas gostaria também de perguntar sobre essa pesquisa musical: mergulhar na referência clássica do Miami Bass e dos primórdios do funk brasileiro sem soar datado foi uma preocupação pra vocês?
Vhoor: Eu acho que não. Pensando pelo lado instrumental, eu quis até que algumas coisas soassem um pouco datadas (risos), alguns clichês ali de como o Miami Bass soava, eu acho que não tem nenhum problema de trabalhar com os clichês, sabe? Eram os jeitos que as pessoas tinham de fazer as músicas, acho que a grande questão do modo de produção desse tipo de coisa, quando a gente mexe com nostalgia e com músicas mais antigas, é essa de ressignificar esse lance do tá datado pro clichê e usar esses clichês de outra forma. Como por exemplo, em “Se Ta Solteira” tem aquele “pam”, isso é uma coisa que era muito usada nas músicas dos anos 80, e por mais que muita gente ache clichê ou brega esse tipo de coisa, usar hoje em dia já não é mais tão clichê. Então, assim, ressignificar esse tipo de coisa mesmo, porque já são sons que estão no nosso subconsciente, são estéticas que já estão no nosso subconsciente. Então, na pesquisa de trabalhar nesse álbum, eu pesquiso muito tipo como a galera produzia na época mesmo, o que a galera usava pra fazer esse tipo de som, quais eram os equipamentos pra fazer esse Miami Bass, e acho que isso ajudou muito na identificação de soar verdadeiro o que a gente tava tentando fazer.

Vocês me contaram sobre o quanto lançaram dos efeitos sonoros para acompanhar as transformação da narrativa, que fazem com que existam elementos de “Se Tá Solteira” que justamente não estão presente em canções como “Eu Sou o Crime”. Às vezes é até um “pega-ratão”, “Eu Sou o Crime” é bem envolvente, dá pra dançar, mas de repente quando a gente presta atenção na letra, fica “opa, peraí…”. Mas em nenhum momento essas mudanças são bruscas no beat. Essa decisão de não ter mudanças tão dramáticas foi intencional? Uma forma até de marcar a onipresença tanto da festa quanto da violência nesses espaços?  
FBC:
É… até o próprio nome já fala, é uma ópera e o que tem numa ópera é o drama, né? Então é uma história que é um drama, tá ligado? E a todo o momento a gente deve servir isso. Eu falo ali muitas vezes nas primeiras músicas sobre “Vamos esquecer?”, eu falo muito disso, “Vamo esquecer disso tudo e vem pro baile, a gente fuma um, troca uma ideia, e vamo tentar superar isso, tá ligado? É buscar também um outro caminho pra um problema que é de todos. É a violência policial, é o assédio, é a violência psicológica. Uma coisa que eu falo muito, uma das coisas que eu mais falo no álbum é sobre a masculinidade, sobre como eu falo de masculinidade? Essa relação mesmo do flerte do homem com a menina ali, e ele poder respeitar ela mesmo tendo uma atração, sabe, sempre te achei gostosa mas sempre te tratei com respeito. Então são todas essas micro violências, física e psicologicamente, que a gente mesmo causa na gente, e tem muita coisa que eu falo que na minha loucura, na minha cabeça, eu tento colocar em pequenas partes, é isso que eu quero dizer, que nem a imagem que você falou que tem que criar na cabeça. “Não era amor, eram suas projeções em mim”, esse lance de que a mulher tem que se sentir mal por ter que falar isso, que não é uma coisa legal de se falar pra ninguém, mas “Porra, eu não tenho nenhuma culpa nisso, é uma coisa sua”, e é o baile, a relação que tem no baile é isso. O crime, a polícia, essas relações humanas que se tem, eu falo de tudo isso, é, de uma forma que eu tento ser breve, porque eu não acredito que um show possa ser bom depois dos 30 minutos. Então, isso tem que ser rápido e não pode parar. A estrutura do álbum não permite que isso oscile. É sempre a mesma pancada e vai ali. 
Vhoor: Eu acho que se a gente for pegar as nossas referências, até do funk de BH, mas também do funk do Rio de Janeiro, MC Marcinho “Princesa”, era sempre um voltmix muito agressivo, com uma melodia muito tranquila, às vezes a música não tinha nem melodia, então essa foi a nossa ideia do álbum, porque o BAILE é um álbum pra pista, acima de tudo. Tem todos esses lances, mas ele é um álbum de Miami Bass, e é uma música de club, de pista, pra você tocar em rolê, então a gente sempre teve essa ideia de manter o álbum tocável. Tanto que a nossa divulgação, a divulgação que o Fabrício fez, foi de mandar as principais músicas pros DJs mesmo, de testar as músicas na pista e ver o que a galera achava.   

Ao mesmo tempo que vocês fazem sons envolventes pro rolê, o disco apresenta versos-denúncia, como “Polícia Covarde”, um título que aproxima alguns e afasta outros. Nesse Brasil polarizado politicamente, qual a força de lançar um disco que se posiciona e também tem tanto poder de penetração nos charts? 
FBC:  É cara, eu acho que é a ópera, é o drama, acho que é o que liga a pessoa de classe alta ao pobre. As pessoas vão dizer que tem gente que não conhece a favela, são pouquíssimas, todo mundo já sabe o que pega no Brasil, quais são esses lugares, e a maioria dos brasileiros são essas pessoas, pessoas simples, trabalhadoras, mas a linguagem que une todo mundo é a música, é o balanço, é a memória afetiva do funk carioca dos anos 90, dos anos 2000. Eu tenho meu posicionamento, que é mais à esquerda, eu luto pelas lutas sociais, pelas demandas dessa população que vive na margem, que vive na invisibilidade, mas eu também quero pegar esse dinheiro, cara. O caminho que a gente achou foi mexendo o quadril das pessoas;  as pessoas têm que mexer o quadril, têm que dançar, mas a gente já sempre coloca a mão na consciência, e que bom que serve a isso. Ter um retrato do nosso tempo, da nossa sociedade, e não só de agora, mas de 30 anos aí. Eu tenho 32 e esse disco aí são 32 anos de história, dentro da música, dentro da periferia, e o Brasil é isso aí.
Vhoor: Eu acho que é tudo isso que o FBC falou, é um disco que a gente tenta dá uma aliviada das coisas que a gente tá passando, mas sempre tentando manter a consciência do que tá rolando, tipo, e infelizmente as coisas nem sempre são tão boas como a gente queria que fosse.  O BAILE é um disco que têm suas críticas até no instrumental. Crítica instrumental parece estranho, mas tanto do lado instrumental quanto do lado lírico, a gente tentou fazer isso, manter a integridade do projeto como um álbum dançante mas também apresentar as críticas que tinham espaço pra entrar o álbum. 

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21/12/2021

Brenda Vidal

Brenda Vidal