_por Homero Pivotto Jr.
Na produção da Noize #53, sentamos para um café sem açúcar com o Jello Biafra, o lendário vocalista do Dead Kennedys. Acontece que o papo foi muito além do cafezinho e das quatro perguntas que você pode conferir na revista (aqui ó).
Tem alfinetadas em ex-companheiros de banda, joelho quebrado, gravadora própria, e engajamento político deste senhor de 54 anos que já viu e fez mais do que muita gente vai fazer e ver a vida toda.
Aperta o play, senta e aproveita pra beber uma ceva (ou café, já que o cara não bebe mesmo). Dá quase pra fingir que o Jello tá do lado.
NOIZE: Como você vê o legado deixado pelo Dead Kennedys?
Jello Biafra – Eu não gasto muito meu tempo olhando para o passado. Sou um pessoa da atualidade, e não retrô. Com certeza, algumas pessoas querem ver o Jello Biafra do Dead Kennedys. Mas agora eu tenho uma nova banda (Jello Biafra and The Guantanamo School of Medicine), com novas composições. Eu escrevi a maior parte das músicas do Dead Kennedys, então, eu não esqueci como criar bons sons. A fonte de onde isso vem é sempre punk. Mesmo quando tentamos ultrapassar os limites musicais do gênero e o misturamos a outros estilos, fazendo experiências. O Dead Kennedys não soa como uma banda punk normal. Isso é engraçado, porque éramos ferozes demais para os fãs das bandas de garagem e muito estranhos para alguns, mas não todos, os punks. Boa parte das pessoas que vão aos shows agora e que eram admiradoras do DK irão gostar do Guantanamo School of Medicine… Mesmo que não haja a intenção de fazer a banda nova parecer o Dead Kennedys. Muitas pessoas ainda são inspiradas pelas ideias de que você não está sozinho e que está ok ser radical e atacar o sistema capitalista opressor sem ser um idiota. É algo muito legal e gratificante que o público ainda tenha isso como inspiração, mesmo que as canções tenham sido escritas há cerca de 30 anos.
NOIZE: Você é um artista prolífico, sempre envolvido com projetos interessantes. Por exemplo: o LARD (banda com e Al Jourgensen e Paul Barker, do Ministry), as contribuições com o D.O.A e o Nomeansno (ambas do Canadá), os trabalhos com o The Melvins, além dos álbuns de spoken words. Algum desses outros projetos está em atividade? Recentemente você gravou uma música com o D.O.A novamente, certo?
Jello Biafra – Não foi a mesma coisa. Nós não ficamos na mesma sala escrevendo a música. Joey (Shithead, voz e guitarra do D.O.A) enviou a faixa por arquivo digital e eu apenas coloquei minha parte do vocal. A letra é dele e fala sobre respeito e inspiração tirados do movimento Occupy Wall Street. Eu tenho uma música sobre esse assunto também, chama-se ‘Shockupy’.
NOIZE: Sobre a série de vídeos What Would Jello Do, que você disponibiliza na web. Quando começou e qual o objetivo?
Jello Biafra – Por que eu preciso de um objetivo? Por que diabos não posso apenas fazer algo (risos)? Foi uma alternativa que encontrei por não ter mais tempo para os shows de spoken words. Eu havia esquecido quanto tempo e energia uma banda suga das outras coisas que curto fazer. Gosto de fazer algumas declarações de tempo em tempo, mas não de blogar. Não sou bom de sentar e escrever bastante. Eu teria de escrever uma longa carta para o presidente Obama, por exemplo. Alguns escritores e jornalistas conseguem isso em um dia, mas eu talvez precisasse de um mês. Escrevo devagar e isso é estressante. Uma maneira de dar vazão as palavras que quero espalhar é ligar a câmera, sem ensaio, e gravar. É por isso que existem tantos erros nas gravações (risos). O que eu aprendi de negativo com o What Would Jello Do é que mesmo não querendo ser um comentarista de política famoso, é preciso fazer os vídeos com frequência. E isso toma tempo. O ideal seria gravar diariamente. Pelo menos eu consigo espalhar meus pensamentos doentios e germes por meio da minha arte. Uma das grandes frustrações na minha vida é que sou muito devagar para finalizar algo. Eu nunca tenho tempo suficiente pra realiar tudo que quero fazer. São muitos riffs que não sei o que fazer, muitas letras que nunca termino… É uma loucura!
NOIZE: Vamos falar sobre a Alternative Tentacles, sua gravadora. Você fundou no fim dos anos 70, certo?
Jello Biafra – A Alternative Tentacles lançou o primeiro single do Dead Kennedys, “California Über Alles”. Eu escolhi o nome e o East Bay Ray (ex-guitarrista do Dead Kennedys) trabalhou duro para fazer e vender alguns discos. Éramos nós dois, mas ele resolveu sair quando percebeu que a gravadora não seria grande e nem faria dinheiro fácil. Foi a melhor coisa que ele fez para mim em anos!
NOIZE: Hoje em dia, com a Internet e outras ferramentas digitais relacionadas à música, ainda vale a pena manter um negócio desse tipo?
Jello Biafra – É parte da minha alma, preciso de uma gravadora. A razão é que vários artistas percebem que leva muito tempo para se tornar uma banda de verdade só com Myspace, Facebook ou algum outro site. Eles querem sair e tocar para as pessoas, mas não querem correr atrás do dinheiro para gravar os próprios discos sem serem pagos por isso. Os artistas vêem nas gravadoras uma maneira de tirar um peso das costas. As pessoas enxergam a Alternative Tentacles como uma oportunidade de conseguir espaços para tocar. Ter uma gravadora hoje em dia é diferente de como era antes. Eu me pergunto regularmente: “devo continuar?”. Acredito que sim! É um pé no saco, só dá prejuízo, mas ainda é bom. Prefiro isso a ficar sentado aplicando na bolsa de ações, contando cada centavo e me tornando lentamente uma pessoa insanamente gananciosa como o ex-guitarrista do Dead Kennedys. Isso me dá um exemplo muito negativo do tipo de pessoa que podemos nos tornar. Prefiro olhar para trás e pensar uau, quantos trabalhos legais eu ajudei a lançar”. Muitos deles talvez nem tivessem saído sem a ajuda da Alternative Tentacles.
NOIZE: Você já trabalhou com artistas de gêneros diferentes, como Sepultura, Brujeria, Offspring, Nomeansno, The Melvins… Costuma ouvir essas bandas? O que tem ouvido atualmente?
Jello Biafra – Eu mudo todo dia. Como não estou sempre com meu mp3 player eu não posso dizer o que estou ouvindo hoje. Além disso, costumo ouvir o que toca nos ambientes onde estou. Óbvio que sou fã de todas as bandas da minha gravadora.
NOIZE: Li em uma entrevista antiga sobre um problema que você tem no joelho. Está tudo ok agora?
Jello Biafra – Não é uma doença. Fui atacado por valentões que acharam que eu era um vendido. Ironicamente, alguns meses antes eu havia sido ridicularizado pelos ex-membros gananciosos do Dead Kennedys por não ser vendido. Foi um período desagradável na minha vida. O joelho nunca mais será o mesmo, mas está melhor. Foram ossos quebrados, ligamentos e meniscos rompidos… Mas não dói com frequência, apesar de ficar inchado depois dos shows.
NOIZE: Sabe algo sobre a política brasileira?
Jello Biafra – Eu sei o nome da presidente (Dilma Rousseff) e que ela é a escolhida de Lula para ser sua sucessora. Tenho a impressão que algumas pessoas amam muito o Lula e outros acham que ele é como Obama, que prometeu muitas coisas e não cumpriu. Eu ouvi e li que a economia brasileira está bem melhor do que costumava ser. Porém, isso cria um conjunto particular de problemas. Ainda continua existindo pobreza, ainda existe poluição. Muitos países viram-se destroçados com a descoberta de petróleo. Isso por que certas pessoas roubam dinheiro e preferem uma ditadura para poderem se aproveitar ainda mais. É um desastre para o meio-ambiente. De tempos em tempos notícias chegam à América sobre as queimadas na floresta tropical Amazônica e os assassinatos de ativistas ecológicos. Recebo poucas e esparsas informações sobre isso. Visualmente, desde a primeira vez que estive aqui, em 1992, parece que muita coisa mudou. Há muito mais dinheiro sendo gasto. Em cidades como São Paulo, há prédios enormes, construções por todos os lado, esses corredores pequenos (vias alternativas e corredores de ônibus)… Coisas que parecem com o filme mudo Metropolis, de Fritz Lang. Leva tanto tempo para sobrevoar São Paulo quanto dirigir em grandes cidades mundo afora.
NOIZE: O que acha de músicos entrando em eleições para cargos públicos, como Randy Blythe (vocalista do Lamb of God)? Ele disse recentemente que deve candidatar-se à presidência dos Estados Unidos.
Jello Biafra – Eu não ouvi nada sobre isso. Já tivemos presidentes tão ruins que músicos não podem ser tão piores… Mas nunca se sabe. Eu me preocupo com o fato de celebridades usarem sua fama para conquistar poder político, como o Arnold Schwarzenegger. Nesses casos, eles não sabem o que fazer quando chegam lá. Por exemplo: todo mundo tem medo do “exterminador”, menos os membros do seu partido que o criticam por não ser tão direitista. Ele quis ser presidente, então tentou mudar a constituição. A possibilidade de ele ser presidente dos EUA realmente me assusta. Cuidado se um austríaco quiser dominar o mundo! Depois de todas as batalhas e de incompetentes tentando fazer algo positivo no estado da Califórnia, acho que os eleitores decidiram eleger uma estrela de cinema com o pênis no lugar do cérebro.
NOIZE: Qual sua avaliação sobre a administração do presidente Obama?
Jello Biafra – De alguma maneira ainda é muito perigosa. Eu não votei em Obama porque, quando senador, ele frequentemente votava da maneira que Bush queria. Ele é definitivamente uma criatura das corporações. Eu realmente me pergunto o que ele quer da vida. É um homem com ótimo discurso. O que ele fez foi dar a Wall Street tudo o que ela quis. Ele tem um ego tão grande que quis virar presidente com 47 anos. Tinha que ser Obama, pois seus olhos estavam na história. Mas o que ele queria que a história fosse? Acho que, de todas as suas falhas, a que mais me assusta é ele não trazer nenhum criminoso de guerra do regime Bush para julgamento. É preciso julgar e prender essas pessoas antes que eles consigam ainda mais poder e ninguém possa detê-los.