Entrevista | Marisa Monte e sua coleção de amigos

29/04/2016

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Marília Feix

Por: Marília Feix

Fotos: Divulgação

29/04/2016

Marisa Monte busca a sua brasilidade no mundo. Flerta com diferentes estilos e culturas desde que se entende por musicista. Com quase 30 anos de carreira, apresenta hoje a sua primeira coletânea, para iluminar músicas que foram importantes em sua trajetória, mas que estavam um pouco soltas nas nuvens.

Além da voz forte, Marisa também tem um selo, é produtora, compositora e multi-instrumentista. Começou no final dos anos 80 e desde aqueles tempos já dizia que gostava de Cartola e de Titãs. Foge de rótulos e mantém uma carreira de verdadeiro sucesso. Dona de todas as suas obras musicais, tem a liberdade de ser ela mesma, passeando leve e sábia pelas transformações e modismos da indústria musical.

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Na tarde dessa quinta-feira, ela nos recebeu no Jardim Botânico para falar um pouco sobre o lançamento de Coleção:

Você sempre foi reticente em relação a coletâneas. O que te fez mudar de ideia agora?
Nunca tive nenhuma coletânea. Quando eu comecei, era época do LP e da fita-cassete. Os artistas lançavam dois discos e em seguida já saia uma compilação, mas sempre achei que isso sucateava um pouco a obra e nunca permiti que acontecesse com o meu trabalho. Mas eu tinha um disco de “best of” previsto para o final do meu contrato com a EMI, que hoje é a Universal. Só que isso foi pensado há mais de quinze anos e nesse meio tempo surgiu toda uma nova realidade digital, então a ideia perdeu um pouco o sentido. Hoje você faz uma playlist das minhas músicas mais tocadas no Spotify e já tem um “best of”. Então eu resolvi pensar em como fazer desse projeto algo mais pessoal. Nos últimos dois anos me dediquei a organização dos meus arquivos, digitalizei toda a minha obra em HD. Em um deles separei só as músicas que tinham participações e cheguei a umas quarenta faixas. Eram músicas que estavam “nas nuvens”, meio espalhadas por aí. O álbum Red Hot (que contém “Nú com a Minha Música”) por exemplo, nunca havia saído fisicamente no Brasil. Achei interessante fazer uma escolha pessoal, que mostrasse esse arco de tempo com equilíbrio e uma atmosfera boa de ouvir. Assim, ao invés de ser só uma série de hits, se tornou um projeto mais autoral, mais desafiador e mais bacana.

São todas versões orginais?
“Alta Noite” foi remixada. Em “Cama” e “Fumando Espero” eu regravei as vozes e mixei. Todas foram remasterizadas.

Além das participações, você escolheu músicas de diversos produtores. Como foi trabalhar com perfis tão diferentes ao longo dos anos?
Todos eles foram e são grandes parceiros. Sou da diversidade. Apesar de eu ter feito quatro discos com o Arto Lindsey, que é uma grande referência intelecutal… Alguns produtores são mais técnicos, outros são mais estéticos, outros são mais motores. Cada artista e cada projeto precisa de um tipo de produtor. Com todos eles eu trabalharia de novo, são meus amigos. O Arto é meu grande amigo, fizemos um projeto muito legal ano passado juntos em Nova York, chamado Samba Noise. Do Tom Capone eu tenho muita saudade, faz muita falta… Ele formou toda uma nova geração de produtores, era muito generoso também. Deu espaço pra muita gente jovem trabalhar com ele, foi uma escola, um coraçãozão. O Mário Caldato já é outra história, um cara meticuloso, técnico, respeitador da onda das pessoas. Sabe tirar o som certo com uma grandeza e uma beleza… Sempre dizia “tá tudo bom, tá bom!” Outras músicas eu mesma produzi, como a do Argemiro Patrocínio e a da Velha Guarda da Portela. Eu gosto muito de trabalhar com parcerias. Gosto de novidades e também de reafirmar relações já estabelecidas.

Com Arto Lindsay, começo dos anos 90.

Com Arto Lindsay, começo dos anos 90.

Esse é um disco de muitos encontros, com amigos, mas também com os seus ídolos.
Sim, alguns eram meus ídolos antes de virarem amigos, como o Arnaldo Antunes, o Paulinho da Viola e o David Byrne. Já de outros eu me aproximei através da música mesmo, como a Carminho e a Julieta Venegas. Há também algumas parcerias com outros tipos de linguagem, como os cineastas Lula Buarque e Breno Silveira, em que a música me levou naturalmente a conhecer.

Você e a Julieta têm trajetórias parecidas. Conversam sobre isso?
Nós duas somos da mesma geração e temos muitas coisas em comum. Ela é compositora, cantora e multi-instrumentista também. Falamos bastante sobre a vida de ser mulher na estrada. E nós duas tivemos filhos. Isso faz com que a gente crie uma certa raiz. E isso gera um desafio, porque toda a mulher quer ter sua vida profissional e estar no mundo com a sua sensibildade atuante. Mas ao mesmo tempo não quer abrir mão de algumas realizações, como por exemplo, a materninade. Isso não é diferente pra babá do meu filho que trabalha lá em casa e também tem um filho.

Com Julieta Venegas.

Mas você acredita que hoje as mulheres tenham mais espaço na música?
A música sempre foi um ambiente muito masculino. Todos os meus músicos são homens, os técnicos e os produtores também são somente homens. As exceções sempre foram as vozes, porque é algo que o homem não pode fazer (risos). Até que alguns tentam (risos). O papel da mulher na música tradicionalmente foi sempre de intérprete, com raríssimas exceções na composição, como a Dona Ivone Lara. Mas as grandes vozes femininas da música brasileira não eram de compositoras, como a Carmem Miranda e a Dalva de Oliveira. Foi a partir dos anos oitenta que a mulher começou a compor mais e esse papel da sensibilidade e da presença feminina na música passou a se transformar. Ainda há espaço para novas instrumentistas, empresárias, produtoras… Ainda é um mundo muito masculino, mas eu sempre me senti bem, pois o que eu fazia eles não podiam fazer. Talvez se eu tivesse investido na carreira de guitarrista poderia ter sido mais difícil (risos).

Você também toca, produz, e trabalha com cinema. Por sinal, esse disco renderia um documentário bem legal.
Na verdade esse disco vai ser divulgado em mini documentários, serão dois por semana, na ordem do disco. Começando com esse, para “Nu com a Minha Música”:

Você sempre lidou muito bem com as mudanças da indústria musical. Seu primeiro álbum que saiu em CD foi recorde em vendas no Brasil. Quando o formato fisico ainda é importante?
O primeiro álbum que saiu em CD foi o Cor de Rosa e Carvão. Eu acho que o formato físico vai ter sempre um nicho. O streaming é maravilhoso, você tem acesso a qualquer música em qualquer lugar. Mas acho que ainda precisa ser aperfeiçoado no que se refere a informação. Sinto falta das letras, dos créditos, do nome do autor. Eu quero saber quem é o guitarrista, quem compôs a música. Em relação a experiência, como consumidora de música, isso ainda é um pouco frustrante pra mim. Neste sentido o álbum físico ainda é importante, principalmente pra quem gosta de colecionar, de ter. Mas claro, para consumo de massa o streaming é perfeito. Pensando na ecologia do futuro, o streaming é ideal, menos matéria, menos papel, menos plástico. Tem muito mais a ver com o mundo do futuro, mas pode melhorar.

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29/04/2016

Marília Feix

Marília Feix