Ana Cañas divulgou, na noite desta quinta-feira (02), seu DVD ao vivo cantando 17 faixas de Belchior (1946 – 2017), disponível no Youtube. No repertório, a paulistana exibe a faixa inédita “Um rolê no céu”, do cantautor e musicada com o conterrâneo Gracco Braz Peixoto, cedida à cantora por Camila e Mikael Belchior, filhos do artista cearense. Grandes sucessos como “Sujeito de Sorte”, “Alucinação”, “Na Hora do Almoço” e “Velha Roupa Colorida”, também entram na lista de canções, além de outras duas músicas, “Paralelas” e “Antes do Fim”, que ganham versões especiais com as participações de Ney Matogrosso e Rael, respectivamente.
“Desde a live e no decorrer do processo aconteceu toda uma aproximação natural com os filhos do Belchior, e conversando com o Mikael, eu comentei que tinha muito interesse em gravar alguma canção [do Belchior] que eventualmente não foi gravada por conta da Ditadura. Depois ele me mostrou a canção ‘Um rolê no céu’, que achei que era uma música com uma característica mais cósmica e curiosamente um pouco diferente das canções dele”, disse Cañas em entrevista para a NOIZE.
A música inédita ganhou uma versão com arranjos de guitarra e do violão de Fabá Jimenez e Rovilson Pascoal e passa a mensagem do cantautor, de uma maneira singela, em outra dimensão. “O Belchior tem essa característica de parecer que tem um escopo fora do espaço tempo. Ele entende os ciclos que se repetem, tanto de avanço, quanto de recrudescimento, acho que a obra dele é muito atual por isso, por conta deste olhar muito incisivo, no que é perene, no que vai se repetir enquanto coletivo. Na música você consegue reconhecer a genialidade da composição dele, e me parece um passeio de um casal romântico nas estrelas.”
Cañas começou a contemplar a coletânea de composições de Belchior de um modo despretensioso. Após realizar uma live, em 2020, a paulistana recebeu mensagens de muitos fãs do artista, comentando sobre a fluidez de suas interpretações, e se motivou para futuros passos. “O olhar feminino sobre a obra de um compositor masculino oferece novas aberturas, dimensões, sentimentos e emoções. Existem frases muito interessantes, que ditas por uma mulher se transformam e transcendem por um outro ângulo existencial, e eu sinto que o feminino do Belchior era forte. Tem um eu lírico que não é explicitamente feminino, nunca foi, mas possibilita muito, tanto que Elis Regina é o grande portal que coloca o Belchior no mapa brasileiro da música. Foi uma mulher que projetou ele primeiramente, antes dele próprio com ‘Alucinação’.”
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Em outubro de 2021 a artista divulgou seu sexto disco de estúdio Ana Cañas Canta Belchior (2021) e apresentou o repertório em show por quase cem palcos pelo Brasil, acompanhada por uma banda.
“Falando de um escopo muito particular do que eu vi pelo país, se deve redimensionar a posição do Belchior no cenário da MPB, porque ele está entre os maiores compositores da nossa história. Ele tem uma capacidade de um certo refinamento profundo e ao mesmo tempo fala de coisas simples, onde quaisquer pessoas podem se identificar.”, se referindo as apresentações comoventes, que foram indicadas pela Associação Paulista de Críticos (APCA) como “Melhor Show do Ano”, em 2022.
Com 16 anos de trajetória musical e uma indicação ao Grammy Latino em 2019, Cañas não exibe o mínimo de pudor ao afirmar que Belchior chama sua atenção desde a adolescência, levando ela a se debruçar por entrevistas e biografias do cantor cearense: “Eu vou ser muito honesta com você, existiu um processo meu pessoal de me apaixonar pelo Belchior, não só o artista mas o ser humano. Eu praticamente vi todas as entrevistas dele no Youtube, quando fui ver o documentário do Camilo [Cavalcanti], eu já tinha visto praticamente todo o acervo do material que eles tinham levantado [risos]”.
A imagem do cantor, que completaria 77 anos em outubro de 2023, é relembrada por muitos projetos, desde a biografia “Viver é melhor que sonhar”, escrita por Chris Fuscaldo e Marcelo Bortoloti, divulgada em 2021, até o mais recente trabalho do longa “Belchior – Apenas um Coração Selvagem”, de Camilo Cavalcanti com Natália Dias, que contou com participação do ator Silvero Pereira.
Para a paulistana, que prosseguirá com o trabalho atemporal das composições de Belchior, reviver sua obra é urgente: “Rememorar a obra de um artista é fundamental para que a gente entenda quem nós somos. Sem o entendimento das coisas que já construímos, como é possível você saber quem você é? Isso é urgente e para mim faz parte de um projeto de destituição da educação brasileira. Eu espero que a gente consiga retomar a educação e a cultura, de não só fazer coisas novas, mas de rememorar e cuidar do nosso patrimônio cultural, artístico e poético”, finaliza Cañas.
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