Manter-se em constante fluxo tem sido uma prioridade de Paula Cavalciuk. Desde o início do ano, a artista residente em Sorocaba vem espalhando as composições do seu álbum de estreia, Morte & Vida (2016), literalmente de norte a sul do Brasil em uma longa sequência de shows feito de puro coração.
Entre janeiro e fevereiro, Paula se apresentou por boa parte do Nordeste, tocando em capitais como Salvador, Aracaju, Maceió, Recife, João Pessoa e Natal, e também em algumas cidades do interior. Na metade do ano, focou os shows no Sudeste, viajando apenas para locais perto de casa, mas, desde o início de outubro, ela e sua banda vêm descendo ao Sul.
Após passar por Curitiba, Florianópolis e Blumenau, hoje começam as apresentações no Rio Grande do Sul, a última etapa da #MorteEVidaTour Sudeste e Sul. Hoje, o show é em Caxias do Sul, amanhã é em Passo Fundo e, domingo, em Porto Alegre. E, depois de tudo isso, será que o plano é descansar? Claro que não, logo logo serão anunciadas novas datas de shows que acontecerão no Norte e no Nordeste, lá na outra ponta desse Brasilzão.
Aproveitamos essa maratona para conversar com Paula Cavalciuk sobre o que ela tem sentido e aprendido com a vida na estrada. Não faltaram pressões nem reviravoltas sentimentais, mas acima de tudo o que abundam são as trocas de olhares e vivências sem preço entre o público e a artista. Abaixo, a própria Paula fala sobre a experiência de ser uma cantora independente rodando um país continental levando na bagagem uma entrega incondicional à força de suas criações.
Quais são os maiores desafios que um artista encontra para circular com seu disco pelo Brasil?
Então, os desafios são muitos. Os custos de viagem no Brasil são muito altos, seja terrestre ou de avião, é tudo caríssimo. E não existe um circuito para artistas independentes, você tem que cavar. Pra bolar uma turnê, precisamos de uma data e aí ir calculando. Por exemplo, se tem uma cidade interessada, pensamos: o que tem ao redor da cidade? E pra chegar lá, o que tem? Aí é o trabalho de você cavar, encontrar as pessoas, mandar propostas, falar sobre o som… A gente chegou à conclusão de que não dá pra ficar esperando em casa que você lance clipes e as pessoas já se interessem pelo trabalho ou que você lance um disco e as pessoas falem: “Oba, vem aqui tocar”. A gente vai se jogando, se produzindo. É um trabalho. E além disso, você se coloca na estrada tendo que lidar com a subjetividades das pessoas que estão no carro com você. É lidar com tudo isso, é se por em movimento. É difícil? É, mas não dá pra ficar choramingando. Depois de cada show, seja o mais pilhado ou o mais intimista e vazio, pensamos o seguinte: fizemos nossa parte. E a nossa parte consiste numa coisa muito gostosa de fazer. Tem gente que fala: “Ah, mas se todo mundo sair na estrada não vai ter espaço”. Muito pelo contrário, acho que tem muito lugar pra visitar e fazer turnê. Se muitas outras bandas estivessem fazendo esse trabalho de criar um circuito de produção pra rodar mesmo, isso se viabilizaria muito mais porque você cria, além do público, uma cultura nas casas de shows.
Vocês sentem que têm crescido enquanto banda em função das turnês?
Lembro que, em 2015, na nossa primeira turnê, quando lançamos o primeiro EP, saímos muito mais desestruturados de casa. A gente aprende demais com tudo que acontece, você vai evitando os erros que cometeu, vendo o que foi interessante, quais foram os ganhos, quais foram as perdas, a gente conversa bastante, às vezes discute, e isso é o bacana. O jeito, por exemplo, que o Pêu Ribeiro [baixista] pensa sobre produção é um jeito em que eu não me aprofundo tanto. Eu mergulho muito mais no que me move artísticamente, no meu coração, turnê pra mim é catarse e eu tô na estrada de peito aberto. É muito interessante porque a equipe soma muito. E eu sinto que a gente vem inspirando as pessoas quando chegamos no sertão da Paraíba ou no Rio Grande do Sul e falamos que somos de Sorocaba. Não sei se é porque eu sou filha de caminhoneiro com cantora, mas a estrada é a resposta. Pra mim. É cair, se jogar, encontrar olhares, encontrar pessoas, fazer o som chegar até elas através da sua goela e do seu olhar.
Que tipo de trocas acontecem entre vocês e o público?
Acho que nada substitui o show ao vivo. Nada. O disco passa a ser um detalhe em algum momentos. E a gente molda a estrada e se deixa moldar por ela, nem uma pedrinha fica igual depois que a gente passa. Enxergar pessoas tendo contato com sua música, muitas vezes pela primeira vez, é experimentar algo maravilhoso. É o que a gente quer quando faz música.
O que mais lhe marcou nessa última turnê que vocês estão encerrando?
Essa turnê tá sendo diferente porque o Ítalo RIbeiro, baterista que tá comigo desde o começo da banda e fez a ponte de produção executiva em todas turnês até então, foi meu companheiro e, no início desse ano, a gente se separou. Essa é a primeira vez que a gente tá viajando sem ser um casal. A gente continua se amando e almejando as mesmas coisas só que existe essa mudança. Tá sendo muito legal, muito respeitoso, e tá sendo um desafio danado. Vai sair música! Vai sair vida dessas coisas bonitas. Outra mudança é que eu não sou mais a única mulher! Yes! Agora tem a Carol, que veio pra fazer a produção executiva com a gente. E tá sendo muito bom trabalhar com ela, é uma mulher a mais pra somar comigo. Na turnê anterior, enfrentei duas TPMs e era muito difícil, não tinha como explicar pros caras, até tinha como explicar, mas tem um limite de compreensão de quem que não vive essa situação. As situações de machismo na estrada também ficam muito mais nítidas porque tem uma enxergando a outra. Essa empatia tá fazendo muita diferença.
Depois de tantos quilômetros rodados, que dicas você daria para músicos que querem tocar mais por aí?
Pode ser a coisa chavão do mundo, mas você tem que acreditar naquilo que você tá fazendo. Se você ainda não tem muita certeza, procura onde está a incerteza nesse processo. Às vezes, é numa compreensão muito simples do seu som, ou do que você se propõe a fazer na vida, às vezes tá num detalhezinho executivo, às vezes tá num acordo entre a banda. Encontre onde tá aquela pedrinha que não te deixa acreditar 100% naquilo que você faz e trabalhe pra que isso seja modificado. Exercite isso porque isso pode te levar a uma evolução artística. Eu tive isso, tive que acreditar muito no que eu fazia antes de sair de casa, enxergar minha música como algo relevante. Foi um processo bem doloroso e que valeu muito a pena. Se organize, tente colocar na ponta do lápis o que vai acontecer, quais são todos os custos e tente calcular como isso pode ser feito. Trabalhe bastante online, trabalhe nos eventos, tente assessoria de imprensa local, tente todos contatos que você tem. Avisa seus amigos, chama todo mundo, publica, divulga, espalha. Faça merchandising, faz camiseta, faz caneca, procura fazer coisas que tenham a ver com a sua proposta artística. É muito importante porque isso tá ligado à memória afetiva das pessoas, de repente elas experimentam uma noite muito especial e querem levar pra casa um pedacinho dela. É mais do que justo você fazer um merchandise e eternizar aquilo praquela pessoa. Sem falar que isso, na turnê do Nordeste, correspondeu a um terço da entrada líquida. Já bota uma gasolina, paga um almoço, garante uma hospedagem aqui e acolá. E tenha disposição de sair da sua zona de conforto e de pensar que você vai tirar outras pessoas da zona de conforto também. E o que você faz quando tá fora da sua zona de conforto? Pega seu travesseiro e deita em posição fetal? Ou dialoga? A comunicação é a coisa mais importante. Eu me considero uma comunicadora, depois eu sou cantora. E vale muito a pena, gente! Se você curte a estrada, vai querer ver sua música ganhando formas, sotaques, entonações, sorrisos e lágrimas. E ir colecionando histórias pra contar, engrossando sua biografia. Vai fundo, eu não faria diferente.