Entrevista | Phil Elverum apresenta disco com apenas uma faixa de 45 minutos

25/08/2020

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Nilo Vieira

Por: Nilo Vieira

Fotos: Katy Hancock/ Divulgação

25/08/2020

Com uma carreira de quase 25 anos, Phil Elverum se consolidou como figura cult da música folk contemporânea. Nas letras, transmite existencialismo surreal, as narrativas são em fluxo de pensamento, os dedilhados soam serenos ao violão, as camadas de distorção sempre foram marcas registradas, mas atingem novo ápice em Microphones in 2020.

O disco, composto apenas pela canção homônima de quase 45 minutos, retoma a alcunha de maior sucesso do músico: ele utilizava o nome de Mount Eerie desde 2003, após batizar assim o então último álbum do Microphones. Espirituoso, Elverum conversou conosco sobre o novo trabalho, o mundo da música na pandemia, filmes e mais.

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Como você está, Phil?

Estou bem. Me sentindo bem inspirado e produtivo, na verdade. Isolamento não é um problema pra mim, ainda. A parte mais difícil é a falta de serviços de cuidado infantil, mas sem problemas.

Você não tem sido muito midiático e até expressou certa vergonha sobre autopromoção no Twitter. Ainda assusta tornar sua arte pública?

É verdade, fiz mais entrevistas para este álbum. Com o disco anterior, estava nervoso sobre perguntas sobre a pessoa famosa (a atriz e ex-esposa Michelle Williams) que esteve na minha vida e queria que as canções falassem por si. Com o novo, voltei para meu estado acessível de costume, gosto de estar disponível.

Não é algo intimidador pra mim. O tuíte pedindo desculpas por autopromoção não era vergonha: é reconhecer que vivemos em tempos onde a autoestima narcisista é comum, presidencial, juvenil, em todo lugar e acho que é uma bagunça. Mesmo que seja normal, ainda sinto a necessidade de reconhecer esta repulsa mesmo que use mídias sociais para seu melhor fim – autopromoção e publicidade. Eca! Mas é também parte necessária desse projeto de arte.

Pergunta ingrata: por que Microphones in 2020 não está em plataformas de streaming, exceto Bandcamp?

É porque o Spotify e afins são muito ruins para artistas, essencialmente desonestos e grosseiros. Isso só fica mais nítido quando aprendemos sobre suas filosofias de negócio. Estou tentando achar meios de não participar desse cenário repulsivo. Quero que meus esforços sejam voltados para a comunidade e a saúde, corroer modelos capitalistas ruins e também alimentar minha filha. Não é fácil.

Lançar uma música de 45 minutos como um vinil duplo é curioso também.

Era muito longo para caber em um único disco sem perder qualidade de som, então transformei em três lados. Tinha isso em mente quando estava compondo, e incluí as seções instrumentais oníricas na narrativa para permitir fade out/fade in nas transições de um lado para o outro no vinil.

Vi você se referir a poesia e versos autobiográficos como entidades separadas, e até tem um poema sobre o disco na sua loja online. Por que essa distância?

Achei que o poema era um meio de expressar as intenções de forma mais próxima, e não distanciar. Também tentei explicar meu pensamento de jeitos não poéticos em outros materiais de imprensa, mas creio que o poema vai no coração da coisa. Distância conceitual é o oposto do que quero: me abrir, construir um laço.

Você é fã de Twin Peaks, e podemos estabelecer paralelos entre Microphones in 2020 e a terceira temporada do seriado: são nomes que indicam retornos de grande significado para fãs de longa data, mas não o fazem com fanservice (sem contar que ambos foram concebidos como “uma longa obra contínua” também). Nesse sentido, expectativas te incomodam?

Interessante, não havia pensado nessas semelhanças, mas você está certo. Gostei da integridade artística dos últimos episódios de Twin Peaks, o equilíbrio de olhar para trás e viver num fluxo esquisito de tempo, resistindo à nostalgia barata. “Shaking off the weight of expectations” (sacudindo o peso das expectativas, em tradução livre) é o que digo na canção: sei que estão lá, e tento seguir adiante sem elas.

Você fala sobre se livrar dos seus arquivos, mas há um olhar para o passado nesse projeto…

Sim, certamente existem contradições no que digo e faço. Estive imerso nos arquivos por um tempo, não apenas me livrando mas selecionando, escolhendo o que realmente importa. Claro que não acho que o passado deva ser negado, seria horrível – ele está lá para aprendermos e avançarmos a partir dele. Pode ser uma base sólida, mas muitas vezes se torna um fardo quando carregamos muito dele, ou o seguramos de uma forma autoritária, atribuindo muito significado às coisas, recusando-se a aprender com os erros, perdidos em uma projeção sentimental. Acho que essa é uma forma errática de dizer “é um equilíbrio delicado”.

Tem um filme chamado Trem de Sombras (1997), onde o diretor termina o último filme de um cineasta amador. Ele completa as imagens de arquivo com filmagens novas e, mesmo que essas emulem o passado, creio que é mais sobre fazer as pazes e seguir adiante com a história do que nostalgia. O mesmo pode ser dito sobre o vídeo que você fez para a música.

Interessante, não vi esse filme. Não houve nada teórico por trás das minhas sequências de foto além de seguir intuição artística.

Tem uma parte ali que soa como uma pequena história: você aparece como fantasma, depois uma presença sólida e desaparece. A natureza é a única constante em tudo. Há versos na música sobre o sol e a lua, abordando tanto a eternidade como o vazio neles – um dentro do outro, talvez?

É, suponho que sim. Terror pela natureza não é uma sensação que tenho, e não é minha intenção transmitir isso. É mais sobre uma vastidão indiferente, que imagino que possa soar assustadora mas não é como me sinto. Estranhamente, é confortante e enriquecedor reconhecer a impermanência de tudo.

Nesse sentido, estacionamentos são mencionados como um grande vazio mais de uma vez nas letras também.

Sempre tento me orientar a apagar as fronteiras entre “natureza” e “não natureza”, creio que é uma distinção inútil. Humanos alteram nossas paisagens e as formas rígidas que criamos se destacam, envenenamos o ar, água e terra, mas é tudo caos se agitando. Abordo o “vazio” sob a perspectiva zen, o oceano fértil e vazio oculto abaixo de tudo isso.

O Tigre e o Dragão (2001) é citado como inspiração para uma nova guinada da sua arte. Eu não lembrava como nem mesmo as cenas de luta ali não são filmadas como brutais digo, além do aspecto sobrenatural dos movimentos, há uma finesse na coreografia. A agressão mostrada mais como reflexo. Diria que levou isso para sua música?

Concordo, é dança, tão bonito. Não sei se isso se aplica a minha música. A mudança que aconteceu em mim foi sobre reorientar as criações em algo mais profundo. E, pra ser claro, é até pra ser engraçado que falo desse filme, porque não é algo tão profundo. Mas tinha 22 anos e atingiu o ponto certo.

Você fala da “Freezing Moon” do Mayhem também. O black metal possui essa catarse inerente, mas é como uma meditação acerca das paisagens invernais ao mesmo tempo. Isso te influenciou na época? O que anda ouvindo do gênero?

Não, só foi influenciar mais tarde. Lembro de ler o livro Lords of Chaos ali por 2001, mas só ouvi a música anos depois. Mas quando ouço músicas como “Samurai Sword”, por exemplo, percebo que estava tentando criar blast beats e os timbres mais distorcidos possíveis – efetivamente metal. É o que me aproximou do gênero, o extremismo do som. Os figurinos são absurdos, e charmosos de certa forma. Não continuei explorando, é um gênero muito vasto. Ainda fico nos meus favoritos: Xasthur, Liturgy, Krallice, Wolves in the Throne Room, Ulver.

Como foi o processo de editar a música?

Não foi muito difícil, só precisei de paciência, conviver com ela por quase um ano – sempre pensando sobre e movimentando as peças.

Pode falar mais sobre a foto de capa?

Minha amiga Mirah e eu estávamos excursionando juntos na minha perua lá por 2000, dirigindo na manhã do Novo México até o Texas. Trovoou na noite anterior e haviam grandes poças no deserto. Estacionamos perto de uma casa abandonada, e a Mirah tirou a foto. Acabou ficando melhor de ponta cabeça. Talvez tenha usado como foto promocional naqueles tempos, não consigo lembrar. Mas para este disco do Microphones vinte anos depois foi perfeito: olhando pra trás, Narciso, procurando pelo vazio do céu, arquivo, novo.

Você fez livros de poesia, fotografia e tem interesse por cinema. Qual a importância desses outros meios? Vai investir em filmes depois desse álbum visual?

Sempre pensei que adoraria fazer filmes um dia, mas não sei como seriam nem como faria. Sei que só consigo trabalhar sozinho, e isso não funciona para cinema… também não estou interessado em contar dramas humanos ou seguir atores, é outra limitação. Mas, quem sabe? Gosto de considerar todas as possibilidades para expressão criativa. Também gostaria de me aprimorar em pinturas à óleo do céu noturno.

Pessoas ainda estão descobrindo seus trabalhos antigos. The Glow Pt 2. tem quase vinte anos e ainda conquista novos fãs. Como se sente sobre?

Fico surpreso com isso. Não sei porque está acontecendo, mas aceito. É bem legal.

Pretende tocar Microphones in 2020 ao vivo, com uma banda de apoio, quando for possível?

Amaria fazê-lo, mas quem sabe se o estado do mundo permitirá. Veremos…

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25/08/2020

Jornalista, quando não está pregando sobre Billie Ellish, edita o blog Bass Doom.
Nilo Vieira

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