Entrevista | Rosa Neon em degradê

06/09/2019

Powered by WP Bannerize

Brenda Vidal

Por: Brenda Vidal

Fotos: Sarah Leal e Mariana Martins/ Divulgação

06/09/2019

Na faixa “Rosa Neon”, a banda já anunciava: “Um verde cairá tão bem em você”. O que eles não sabiam é que o verde que marca a história do grupo não era exatamente relativo à cor, mas sim a Milho Verde – nome que batiza a cidade mineira próxima à Diamantina em que Mariana Cavanellas, Marina Sena, Marcelo Tofani e Luiz Gabriel Lopes se encontraram pela primeira vez.

*

Do encontro, uma sintonia sem igual, uma vontade de “fazer a história acontecer”. Cada um deles já tinha seu corre na cena de música independente de Minas Gerais: Marina Sena com A Outra Banda da Lua; Marcelo Tofani em seu projeto solo; Luiz Gabriel Lopes com três discos solo e uma trajetória com a banda Graveola e Mariana Cavanellas com a banda Lamparina e a Primavera.

Foi cantando a música “Rosa Neon”, composta por Marina, que o sentimento bateu e eles decidiram fazer o Rosinha ganhar vida. Isso tudo em julho de 2018; desde lá, a banda já lançou oito singles com clipes e ontem, dia 5 de setembro, eles lançaram o disco de estreia, batizado com o nome da banda.

Mas é importante atentar ao fato de que esse feeling da banda é uma algo meio viciante. O projeto dos quatro compositores e cantores só ganhou corpo com a chegada de mais gente. Dá pra dizer que a banda é uma das frentes: o Rosa Neon é um coletivo multimídia, formado pelo produtor musical Rafael Baka, pela dupla de videomaker Vitor Soares e Belle de Mello, além da produção executiva e da fotografia.

Acumulando viagens, fãs e muitos views, o Rosa Neon é uma das gratas surpresas da cena musical brasileira em 2019. Com exclusividade, a NOIZE bateu um papo com Luiz Gabriel Lopes e Mariana Cavanellas sobre o a trajetória e o futuro do Rosa Neon, a relação com Djonga e música Pop. Dê o play no álbum, desça e, ao final da entrevista, confira um faixa a faixa imperdível!

Primeiro de tudo: além de vocês terem um single chamado “Brilho de Leão”, e vejo muita gente definindo vocês como solares, luminosos. Vocês todos são de signos de fogo? 

Mariana: O leonino da banda é o [Marcelo] Tofani. Eu e o Luiz somos terra, a gente é taurino, e a Marina é libra.  

Impressiona o fato de que vocês surgiram “do nada” enquanto grupo e ter se tornado um fenômeno antes mesmo de lançar o primeiro disco, com sons e estéticas muito maduros. Como nasceu a ideia do Rosa Neon e como todo esse projeto foi gestado e estruturado? 

Mariana: Acho que essa sensação de maturidade chega porque cada um já tinha um trabalho solo, já tinha uma experiência anterior. Todos já tinham essa maturidade musical e criativa antes do grupo se formar e a gente fazer as faixas que tão sendo lançadas [no disco]. O processo do Rosa Neon foi bem orgânico, a gente já se conhecida, não exatamente pessoalmente, mas já admirava um o trabalho do outro. A gente seguiu numa estratégia de xeque-mate, que é lançar um clipe por mês. Fomentamos uma equipe de amigos – tanto na produção, quanto na maquiagem, no figurino, na fotografia e no vídeo – pra que fosse viável a gente fazer tudo o que queríamos. Se fosse só nós quatro, não conseguiríamos.

Luiz: O Rosa Neon tem muito a ver com essa configuração da soma de forças, de poderes, de caminhadas e bagagens diferentes. Quando nos encontramos, sabíamos que ali tinha uma coisa que era interessante, uma sintonia. Apesar de sermos nos quatro na banda, e no palco estar ao lado do Baka, que é o nosso produtor musical, a gente tem um coletivo de várias pessoas trabalhando. Acho que é a força do trabalho em conjunto, de gente que tem muito tesão em fazer acontecer. 

Um dos pontos fortes de vocês é a questão visual e estética. Parece que tem um ar brega, mas cool, muito bem executado. Quais são as inspirações e referências de vocês? 

Mariana: Então, o que eu acho mais legal do Rosa é que cada um bebe de um fonte bem diferente da outra, apesar de  dialogar. Tem até uma playlist que a gente fez e que tá no Spotify com 11 referências de cada um. E essa coisa do brega, bom, eu acho que vem bem do Brasil, do cenário brasileiro da Pop music, as cores, as batidas, o pagodão baiano, e o arrocha trazem essas sensações, e ao mesmo tempo é cool porque a gente traz referências do hip hop, de outros lugares. É uma vitamina, uma mistura danada de coisas. A gente consegue transmitir isso até no lançamento de músicas coletivas e individuais né, “Picolé”, “Ombrim”, “Pirraça”, “Embalagem”, em que cada um assumiu o lead, a voz principal. Ali a gente pode ver a personalidade de cada um, a gente quis dizer “Olá, eu sou a Mariana”, “Eu sou a Marina”, “Eu sou o Marcelo”, “Eu sou o Luiz”, e esse é o Rosa Neon. 

Luiz: Por essa diversidade de backgrounds, a gente tem uma soma muito rica eu acho, na hora de construir cada música, cada clipe. As referências são bem amplas, a gente tem essa coisa de pesquisar, de levantar referências pra cada coisa. Uma mistura de prática e teoria, os meninos do vídeo são maravilhosamente bem nerds, os processos foram muito interessantes. Mas tudo isso, assim como as faixas, aconteceu de modo muito orgânico. A gente fez tudo na tora, sem grana, a gente foi fazendo com o que a gente tinha na mão, o disco todo gravado em casa. Nem todo mundo mora na mesma cidade, então a gente cria muito por empreitadas. Mas as referências são muito doidas, vai de Marília Mendonça a Beyoncé, passando por Björk e sei lá, BaianaSystem

E vocês tem uma dupla, o Vito e a Belle, assinando todos os vídeos de vocês. Da onde veio essa decisão de lançar oito singles, todos com clipe? Como o Youtube como plataforma e como o audiovisual podem ser ferramentas importantes pra bandas independentes? 

Mariana: Acho que hoje em dia, a forma de se consumir música já mudou. Acho que a gente não vive mais a sociedade do show, acho que a gente vive a sociedade do espetáculo, e o vídeo é a forma da gente levar o espetáculo até a casa da pessoa, na internet. E o video clipe é a imagem, é tudo o que a gente pensa sobre o nosso som, então com certeza ele completa. Porque pro Rosa só a música não era suficiente, a gente queria a imagem, queríamos levar nosso lifestyle pra casa das pessoas através dos clipes. Rolou essa autonomia com o Vito e com a Belle, e a gente atuou. 

Luiz: O início da banda já veio com essa vontade de que fosse mais do que uma banda, que fosse uma coisa mais complexa, de criação em muitos aspectos, e que pesquisassem em muitos aspectos além da música, apesar dela ser a força motriz. A vontade de fazer os clipes vem do entendimento de que essa é a maneira estratégica de engajar público, de criar uma narrativa de envolvimento com esse público. Mas também foi um desafio nosso, um desafio artístico, de conceber a parada nesse lugar mais 360º. 

Eu lembro de quando assisti ao clipe viciante de “Ombrim” e vi um comentário do Djonga dizendo que o Rosa Neon “era a melhor banda do Brasil!”. Como foi receber esse título de um rapper tão respeitado e como se deu a aproximação com ele até chegar no feat em “Vai Devagar”? 

Mariana: O Djonga é daqui de Belo Horizonte. Ele atualmente é um estouro, mas tava na luta até pouco tempo atrás, era gente como a gente. Ele era conhecido do Marcelo e do Luiz e foi se aproximando da gente, sempre incentivou o Rosa; sempre dizia que a gente era a banda mais foda, que a gente ia virar, que ele ia ajudar. É um grande amigo, um grande orientador. 

Luiz: O Djonga é brother nosso, muito próximo do Tofani também já há muitos anos; é um artista incrível, tem uma visão muito ampla das coisas! Ele tem uma avaliação sobre o mercado da música e sua lógica que eu acho muito interessante, a gente troca muita ideia sobre isso. Ele é um cara muito generoso, sempre esteve próximo do surgimento da banda. A gente mandava as tracks pra ele antes de estarem finalizadas, antes de serem lançadas, às vezes ele dava um palpite. Além disso, gravamos vários vocais pro disco dele [Ladrão (2019)]. O feat foi uma obviedade do processo e ficou do caralho.  

Eu já vi muita gente dizendo que vocês fazem um “Pop inteligente”… existe um “Pop burro”? Como vocês encaram esses lugares do Pop/Brega alternativo? 

Mariana: Eu vou dar a minha opinião pessoal: acho que existe um Pop que serve simplesmente pra entreter e pra deixar a pessoa numa zona de conforto sobre o que ela escuta. E não que ele seja burro, mas ele não sai de uma zona de conforto. E a cultura tem um papel muito sério com a educação, com a evolução da sociedade mesmo, de como a gente pode pensar e agir. E eu acho que o Rosa Neon tem uma base que é muito forte sobre isso, sobre a canção, mesmo que não tenha um caráter político explícito nas letras, acho que essa energia já vem com a banda nos arranjos e na nossa performance. O fato de ter duas meninas no front, tocando guitarra, ja é um ato político. A escola do Rosa Neon vem de um lugar que também flerta com o Clube da Esquina, flerta com Leonard Cohen, enfim, com a referências de nós quatro. Então, eu acho que quando a galera fala que não é um “Pop burro”, é porque é capaz de perceber essa lapidação musical que rola de timbre, de arranjo, e das próprias letras. 

Luiz: Eu não sei direito, acho que o Pop é Pop e, a partir disso, existem horizontes muito amplos pra se construir algum trabalho que tenha essa veia Pop. Acredito que, enquanto construção intelectual, o Pop não é uma coisa muito palpável. Acho que é interessante essa coisa da música Pop que dialoga com outros espaços porque isso faz parte também da nossa multiplicidade nas referências, acredito que exista essa vontade de trânsito, de fazer as bolhas conversarem e permitir uma fluidez maior na fruição das coisas, sabe?

Vocês tão lançando o disco em vinil já! Como surgiu essa decisão? Que outras facetas das músicas já lançadas e do próprio Rosa Neon podem ser reveladas a partir do disco finalizado?

Mariana: Uma novidade é tem duas músicas que são inéditas; elas estão todas organizadas pra você ouvir e pra falar um pouco sobre essa questão do tempo, sobre o ritmo das coisas. A gente fez em vinil porque o vinil é um artefato de carinho; quando a gente tem uma banda que a gente gosta muito, você ter um vinil é estar perto, você pode pegar com a mão, tá na casa, você no futuro pode passar pro teu neto, é aquela coisa. 

Luiz: Acho que o disco proporciona isso de poder ouvir as músicas em uma certa lógica, de lado A e lado B. As nossas músicas se relacionam internamente, porque um disco é uma jornada, uma viagem. 

Vocês já tocaram na Europa, já tem uma base de fãs, já tão aparecendo em line ups de festivais importantes e concretizaram um disco. O que mais vocês querem? Quais são os próximos passos? 

Mariana: É, agora em outubro sai em vinil e a gente também começa a nossa turnê pelo Brasil. Vamos em algumas cidades, faremos alguns festivais, até onde eu posso falar é isso!

Luiz: Acho que a gente quer seguir fazendo o trampo, transformar ele, aproveitar potenciais diferentes de cada um e coletivamente.O laboratório que o Rosa Neon é algo muito rico pra nós. E também temos essa pauta de um posicionamento de música brasileira que tá sendo feita em Minas Gerais, que tenha respaldo e que tenha público, que as pessoas consigam enxergar Belo Horizonte no mapa da música. Eu acho que teve muita invisibilidade sobre o que é feito aqui em detrimento de coisas que tão no eixo Rio-São Paulo, acho que o Rosa Neon vem pra mostrar que o Brasil é muito grande!

Faixa a faixa

Capa de Rosa Neon (Foto: Sarah Leal)

1) “Fala Lá Pra Ela”
Mariana Cavanellas
: Essa música teve um processo tão lindo que eu só consigo me cavucar de saudade! Estávamos no Tangará, os quatro, logo no início, ou seja, lua de mel. . . Estávamos ali tomando um vinho, cozinhando coletivamente e inspiradíssimos com a noite que também tava linda. Nessa noite, cada um fez uma parte de “Fala Lá Pra Ela” e então já começamos a bolar a coisa toda, sabe?

2) “Estrela do Mar”
Marcelo Tofani
: É a segunda música que lançamos, mas a primeira que compomos juntos, em Milho Verde, antes de sermos uma banda. Estávamos lá tocando cada um com seus projetos solo/bandas e num dia de folga, resolvemos ir pra uma cachoeira. Cada um tomou um “cabelinho” de doce e o Luiz Gabriel tirou um caderninho e sugeriu de cada um ir escrevendo um verso sem compromisso com uma linearidade, necessariamente. No final, a letra super contou uma “história” sobre o desencontro de pessoas que se gostam, que querem se encontrar, mas que mesmo que as situações da vida cotidiana atrapalhem, elas dão um jeito. Esse momento foi bem mágico, rolou uma sintonia diferente. Olha que eu nem sou um cara muito hippie/esotérico. . . Mas que foi mágico, foi.

3) “Vai Devagar”
Marina Sena
: Eu tava em São Paulo me preparando pra segunda imersão do Rosa Neon, fiz uma melodia e letra, e pensei: ‘essa vou mostrar pros meninos’. Mostrei e terminamos juntos essa música, dessa vez com o toque do Baka na composição. A única coisa que sobrou da letra que eu tinha feito a princípio foi o “meu corpo é uma semente”, de resto mudamos tudo. Quando começou a mudar toda minha letra, fiquei emburrada (risos) mas logo larguei o osso e a gente chegou num consenso. “Vai devagar” é o exemplo que eu sempre dou de como estamos aprendendo a largar o osso nesse processo do Rosa Neon. A ideia do feat com Djonga já estava combinada, só teríamos que decidir a música. Ele mesmo escolheu “Vai Devagar” e aí quando ele entrou, foi um upgrade total na onda da música. Ele fez o que sabe fazer: arrasar!

4) “Brilho de Leão”
Luiz Gabriel Lopes
: É uma letra minha com melodia da Marina. Escrevi como uma carta pra ela, motivada pela saudade que senti após nossos primeiros encontros, que deram origem à criação da banda. Agosto era o mês em que a gente tinha uma nova imersão de trabalho do Rosa, e aí pintou a viagem com o signo de Leão, o sol de Montes Claros, aquelas coisas todas. Gosto muito do beat que o Baka fez, certeiro, classudo, malemolente. Me parece ter sido um passo importante na evolução da estética dessa nossa primeira fase.

5) “Picolé”
Mariana Cavanellas
: Escrevi “Picolé” quando tava tentando entender como é minha forma de amar, em como gosto de namorar, beijar, ter histórias de amor. Já tive aquela fase de emendar uma relação na outra e muita gente taxava isso como loucura, enquanto eu realmente tava me jogando e sendo feliz da vida e me descobrindo em vários sentidos. Eu e Baka desenvolvemos um beat mais pra trás porque queria uma coisa bem a onda de “Poetry , How Does It Feel” da Akua Naru: boa pra fazer um amorzinho! Picolé traz um lado meu que é bem latente que eu quis explorar: o erotismo de uma forma livre, leve e poética. 

6) “Embalagem”
Luiz Gabriel Lopes
: É uma canção de escárnio, feita como provocação aos que se fazem de desentendidos diante de obviedades. “Quem tiver que entender, vai entender”, torna-se portanto algo como um mantra que chama as pessoas à responsabilidade sobre o próprio discernimento. Originalmente, foi composta como uma embolada no violão, mas ao adentrar o universo do Rosa Neon logo ganhou contornos mais pesados e contou com o beat de um produtor português incrível que é o Ha Kwai. O arranjo tem influências do kuduro, do trap e da música marroquina.

7) “Pirraça”
Marcelo Tofani
: Parece meio doido, mas eu queria escrever uma música que fosse a minha cara e ao mesmo tempo uma mistura de Justin Timberlake com Marília Mendonça, Dilsinho e Fresno. Sem falar que eu roubei uma harmonia do Lulu Santos (risos). Saiu uma canção de amor sofrência com um verso meio R&B/sertanejo e um refrão de pagode. Quando fomos produzir (com o Gabriel Moulin) e batemos tudo no liquidificador. A roupagem veio em reggaeton! Gravamos quase tudo no quarto da minha mãe em Santa Luzia, cidade próxima de Belo Horizonte. Essa é pra dançar chorando. Ou chorar dançando.

8) “Ombrim”
Marina Sena
: Eu compus no auge do calor Montes-Clarense que, bom, quem conhece sabe! No calor é onde eu me encontro mais, me faz sentir mais bonita e mais gostosa, sou uma amante e fã real do sol. Na nossa primeira imersão, onde compomos “Fala Lá Pra Ela”, eu mostrei “Ombrim” e todo mundo já quis lançar no Rosa Neon, porque realmente tinha tudo a ver com a estética que a gente tava propondo, parecia que tinha sido feita para o Rosa, mesmo sendo composta antes de existir. O beat pagodão arrastado timbrado de Baka complementou a personalidade da música e encaixou certinho.

9) “Rosa Neon”
Marina Sena
: Eu compus a muito tempo atrás, eu tava escutando muito Tame Impala, Connan Mockassin, tava numa fase bem psicodélica, tive um sonho louco e quando acordei compus essa música. No primeiro contato de nós quatro em Milho Verde, eu mostrei essa música e a gente cantou junto, ficou tão bonito que já saímos dali já com uma intensão na mente: montar uma banda com o nome da música.

10) “Cê Não Tem Dó de Mim”
Marcelo Tofani
: A gente tinha ido pra São Paulo fazer um show e aproveitou pra fazer as gravações de “Ombrim” por lá. Enquanto o nosso produtor musical, o Baka, ajeitava algumas coisas, a Marina tava tocando uma progressão de acordes e ela e Mariana começaram uma melodia. Eu e Luiz nos juntamos a elas e a música veio toda muito rápido. Acho que menos de meia hora. Ela é a única do álbum que é “acústica”, mais orgânica e sem beats. Crua, como veio ao mundo. Tem um momento do show, no bis, que a gente toca ela sentado na beira do palco e é bem bonito.

Tags:, , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , ,

06/09/2019

Brenda Vidal

Brenda Vidal