Quem não conhece, chegue pra cá. Quem já conhece, também tá convocado. Abram alas porque o lançamento do dia é feito por um povo com nome, sobrenome e muito orgulho de onde vem. É música de Montes Claros. Música do povo do norte de Minas Gerais. É som do sertão mineiro. Pedindo licença ou não, A Outra Banda da Lua abre caminhos hoje para seu disco homônimo de estreia.
Formada por Marina Sena (também do Rosa Neon), Matheus Bragança (baixo e voz), Edson Lima (violão, guitarra e backing vocal), Mateus Sizílio (bateria), e André Oliva (guitarra e percussão), a banda explora uma sonoridade brasileiríssima, um rock que mostra que contemporâneo e rural não são universos antagônicos. “Somos de certa forma sertanejos (do sertão mineiro) e carregamos com a gente esse tempero por natureza que, aliado às referências universais da música que cada integrante traz para a banda, resulta nessa sonoridade. Como diria Guarabyra (uma das referências do Rock Rural), é muito mais um estado de espirito que propriamente um gênero musical”, amplia Matheus Bragança. A produção do álbum é assinada por Rafael Carneiro, do Guella Music, e o registro sai pelo selo Under Discos.
O território inspira resistência na banda, até mesmo porque fazer música fora da capital Belo Horizonte não deixa nada mais fácil. “De fato é um desafio produzir musica autoral fora de um grande centro, mas, ao mesmo tempo, é um aprendizado constante que nos obriga a estarmos sempre conectados e antenados nas ferramentas que hoje a tecnologia nos proporciona. Com a internet e redes sociais, mesmo que ainda seja difícil, é possível disseminar a nossa música. É um processo lento e gradual, mas aliado à possibilidade de circulação, torna-se minimamente viável a possibilidade de quebrar essa barreira. E acreditamos que a música e outras manifestações artísticas que não estão dentro desse ‘eixo’ são no fundo o cerne de tudo que gira”, defende Bragança.
Gestado desde o início da banda, há mais ou menos quatro anos, o disco que chega hoje, dia 7, aos streamings é resultado pouco mais de dois anos de gravação. Bragança comenta: “Foi um processo cheio de idas e vindas, mas chegamos num resultado final que nos agrada bastante e, apesar de que quem nos acompanha há algum tempo já conhecer algumas composições, o álbum traz algumas novidades e surpresas que trabalhamos dentro de estúdio”. Hora de viajar pelo universo de A Outra Banda da Lua, né? Solte o player abaixo, ouça e confira na sequência uma faixa a faixa exclusivo.
1. “Serra do Mel” (Mateus Sizilio)
Mateus Sizilio: Composta a princípio em forma de poema, declamado pelo grupo Baru Sonoro, a musica “Serra Do Mel” é, sobretudo, um grito de alerta. Ela foi criada em um momento em que a serra no entorno de Montes Claros estava sendo loteada ilegalmente para a construção de um grande condomínio. Com A Outra Banda Da Lua, a música ganhou uma roupagem mais rockeira e se tornou nosso primeiro single.
2. “Desentoado” (Tino Gomes/Charles Boavista)
Matheus Bragança: “Desentoado” é uma música dum grupo de Montes Claros que nos influenciou bastante e que teve bastante relevância no cenário regional na década de 70, o grupo Raízes. E essa canção tem uma representatividade muito forte do que é ser do norte de Minas. “Eu sou fruta do norte/No curral sou boi de corte”, isso diz muito sobre a história do sertão mineiro. Durante muito tempo e até hoje, na verdade, essa região, apesar de toda riqueza cultural de seu sofrido povo, sofre de um isolamento e esquecimento, faz parte daquilo que não se encaixava nas “Minas” então sobrou aos “Geraes” os pastos e a seca. E essa cultura ainda persiste muito em todos os âmbitos, essa música traduz esse sentimento muito bem e mostra que apesar da dor, o norte de minas traz também muita força e muita luta. Não a toa é única releitura no disco, versão um tanto progressiva que nos gostamos bastante, que remete desde à ancestralidade do tambor dos catopés até a modernidade de um groove funkeado com guitarras e efeitos.
3. “Na Roça” (Mateus Sizilio)
Mateus Sizilio: A inspiração para compor “Na Roça” veio da vivência na fazenda dos meus avós. Desde a infância, quando brincava com meu irmão, tia e primos subindo em árvores, comendo fruta do pé, biscoito quentinho da Dindinha e tomando leite no curral às 6 da manhã, tirado pelo meu avô. Outra influência foi uma oportunidade que tive, anos mais tarde, de conhecer, em uma comunidade alternativa, um novo olhar de como era possível trilhar um caminho fora da correria da cidade e do consumismo exacerbado. Senti como um chamado para uma vida mais saudável e autossustentável.
4. “Cavalaria” (Marina Sena)
Marina Sena: “Cavalaria” foi composta há uns três anos, eu tinha acabado de me iniciar na capoeira e tava completamente apaixonada por tudo, aprendi sobre alguns toques, incluindo a Cavalaria, e consegui encaixar muito naturalmente nessa música uma mistura da cultura da capoeira com a paixão que eu tava sentindo por Bragança (baixista da A Outra Banda Da Lua) na época, rs.
5. “Lua” (Marina Sena)
Marina Sena: “Lua” foi feita logo no início da A Outra Banda da Lua, como uma declaração de amor para a banda que tanto me libertou e possibilitou que eu fosse essa mulher que sou hoje. A música fala de amor próprio, de sensações corporais e da coragem que acompanha esse processo.
6. “Novo Baile Perfumado” (Edssada/Matheus Bragança)
Edssada: Essa surgiu completa. Veio assim de vez mesmo. Letra, melodia e fui harmonizando. Andava lendo Rosa Luxemburgo em Reforma ou Revolução? (1899), então, no decorrer da leitura relembrei de cenas do longa pernambucano Baile Perfumado (1996) dirigido por Lírio Ferreira e Paulo Caldas que resumidamente conta as proezas do libanês-brasileiro Benjamin Abrahão Botto que conseguiu se inserir no meio do bando de Lampião e registrar por meio de fotografias e vídeos o que se passava na caatinga dos sertões nordestinos. As belezas e mazelas durante a revolução do cangaço. No meio dessa ebulição de pensamentos e influenciado por isso tudo, me veio a letra buscando um caminho talvez menos violento e usando outras armas que nem são palpáveis. Alegria, gentileza, a sincronia e devir das coisas por meio da simpatia. Nota-se o ultimo verso “…nesse Baile até Maria vai dançar…” o grito e ato libertário para as pessoas (Mulheres, Negros, LBGTQ+) que há tanto tempo sofrem e até perdem suas vidas por causa de um gigantesca opressão ainda presente nessa ainda sociedade patriarcal enraizada e infeliz que o próprio bicho homem construiu. A canção vem pedir isso tudo diferente, livre, por isso “O novo Baile Perfumado”. Em sua estrutura musical predomina a clave rítmica do Ijexá. Posteriormente, mostrei o que tinha para Matheus Bragança e ele inseriu um tema dele no refrão, onde deu muito mais suingue e dinâmica para música. Daí, então, veio a voz linda de Marina acentuando melhor a melodia. No Guella Music, a magia aconteceu.
7. “Sangue no Olho” (Marina Sena)
Marina Sena: “Sangue no Olho” foi composta na época em que Dilma [Rousseff] sofreu o impeachment, através de um golpe de estado que teve início com a inconformação do candidato Aécio [Neves] por não ter vencido as eleições e com o apoio de toda a direita, chefiados por Sérgio Moro. Quando Dilma sai, entra na presidência o seu vice, Michel Temer, que representa tudo que há de pior tanto esteticamente quanto na prática na política brasileira, um velho rico branco e colonizador. Essa música foi feita como um grito pra dizer que “aqui não, violão!”
8. “Carrim de Picolé” (Mateus Sizilio)
Mateus Sizilio: Música inspirada na esperança de um dia acordar cedo e fazer música todos os dias na beira de um rio; brincadeira! A canção é uma crítica ao sistema vigente, às pessoas acomodadas, que não reagem à monotonia. É também uma mensagem de otimismo para não deixarem de sonhar e irem atrás dos seus sonhos. Composta originalmente como samba, e quando foi apresentada à Outra Banda da Lua, tornou-se um rock psicodélico progressivo a partir de um processo criativo bem experimental onde se deu vida a um arranjo com trechos instrumentais longos, passagens e reviravoltas dentro da musica.
9. “Mês de Cores na Avenida” (Edssada\Karla Celene Campos)
A aura magica e também os ventos que tomam Montes Claros no mês de agosto onde as guardas e ternos de Catopês, Marujos e Caboclinhos aparecem ocupando a cidade para render homenagens a Nossa Senhora do Rosário, São Benedito e o Divino Espírito Santo. No miolo de tudo e todos, bem na igrejinha de nossa Senhora do Rosário, acontece o levantamento dos mastros e toda a mística que sente quem está próximo. Esse manifesto ancestral abre uma porta de reconexão com nós mesmo e nossos antepassados. Dentro desse contexto, “Mês De Cores Na Avenida” surgiu em meados de 2011 inicialmente com a harmonia trabalhada ali no campo harmônico de Sol menor (Gm). Então, escrevi a letra que em algum momento de apresentação com a Orquestra Catrumana do Groove Solto, grupo em que eu fazia a direção musical e tocava, a educadora e poetisa Karla Celene Campos assistiu e disse que tinha uma poesia que se encaixava com a mensagem da música. A reafirmação do congado como ferramenta de empoderamento, força e fé do povo. A Karla me enviou a poesia e encaixei na estrutura e, assim, ela ficou pronta. Anos depois, já com A Outra Banda da Lua, sugeri que rearranjássemos ela, e assim fizemos junto do Rafael Carneiro (Guella Music), que já estava na lida da nossa produção musical e programou o timbre diferente pro meu violão que fez soar algo como um bandolim. Fizemos uma colagem na música com trechos de registros de destinos anos das festas de agosto em Montes Claros. Além disso, ela ganhou uma nova roupa com lindo arranjo melódico de contra baixo elétrico por Bragança, e Marina abriu voz em cima da minha base vocal; André, ainda como convidado da banda, desenhou melodia no violoncelo. Ainda contamos com coro somado por nós todos juntamente com Caio Bastos e Fábio Parrela. Essa música tem uma representatividade muito forte pro povo do norte de Minas Gerais.
10. “Menino do Lago” (Mateus Sizilio/Adriano Lelis)
Mateus Sizilio: “Menino do Lago” é uma música que tenho uma ligação especial, para mim é um hino de amor ao meu primeiro filho, Ariel Sol. Foi composta com o sentimento de querer para nossos filhos uma vida mais leve e em comunhão com a natureza. Tive o imenso prazer da colaboração do amigo Adriano Lélis que também acabara de ser pai. Em 2016, logo no início da banda, apresentei esta canção para eles, que de pronto gostaram , e cada um usou sua criatividade nos arranjos. Edssada arranjou no sitar indiano acompanhando a melodia mântrica e criou uma surpreendente introdução no violão de aço juntamente com Victor Hugo Manga (ex-integrante) na flauta transversal e Matheus Bragança no baixo.