Nem querendo é possível escapar da música pop. Nos últimos 50 anos, ela esteve presente na maioria dos canais de TV, nunca deixou de tocar nas emissoras de rádio, serviu de trilha sonora para os mais variados anúncios e chegou ao ponto de conseguir se impregnar na memória afetiva de boa parte da população mundial.
São comuns as declarações de amor e de ódio à música pop desde que o termo surgiu impulsionado pelo sucesso massivo dos Beatles, mas, com desenvolvimento da indústria musical de lá para cá, talvez hoje esteja menos claro do que nunca o que é, afinal, a música pop. Qual é o fio condutor que une a obra do quarteto de Liverpool à da Anitta? Como se constroem as sonoridades da música pop?
Graduado em Composição, mestre em Musicologia e doutor em Música pela USP e coordenador do programa de pós-graduação em Canção Popular da Faculdade Santa Marcelina, Sergio Molina buscou responder esse e outros questionamentos sobre o tema em seu livro Musica de Montagem – A Composição de Música Popular no Pós 1967. Sua pesquisa publicada agora pela É Realizações Editora foi vencedora do Prêmio Tese-Destaque USP – 2015 e do Prêmio Funarte de Produção Crítica em Música – 2016 e conta com prefácio de Zuza Homem de Mello e apresentação de Arrigo Barnabé.
Nela, Molina defende que, através do uso da tecnologia, o álbum Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band (1967) revolucionou o noção do que é a composição musical, tornando-se um marco histórico para a produção de canções populares no Ocidente. Ainda que a música concreta francesa já experimentasse desde os anos 1940 a criação por meio de cortes, colagens, sobreposições e fusões, foi a partir dos Beatles que essas práticas foram incorporadas à música popular e a partir daí, tudo mudou.
Abaixo, conversamos com o professor Sergio Molina para entender mais sobre essa tal de música pop.
1) De acordo com sua pesquisa, como surge o conceito “música pop” e como ele pode ser definido? O que é a “música pop” e como nasce essa ideia?
Só é possível pensar em “música pop” depois dos Beatles, especialmente no pós-1967 com o lançamento do álbum “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”. Nessa época a música passou a utilizar processos criativos que se aproximavam da Pop Art, ou seja, já se desenvolviam no campo das artes visuais. Se jazz, blues e rock são gêneros musicais diretamente associados a um ritmo específico, o pop, por sua vez, não se define enquanto ritmo, aposta na convivência das diferenças em contraste, como acontece no álbum do quarteto britânico, por exemplo.
2) Como e por que esse conceito se transforma ao longo do tempo?
Ao longo da década de 1970 e, principalmente, na de 1980, o termo passou também a ser associado ao sucesso comercial…, ou seja, música pop é a música internacional comercial. Nesse sentido, o enorme sucesso de Michael Jackson (“Thriller”) foi determinante. O curioso é, que nesse caso, o pop de Michael Jackson era ainda muito inovador, criando sonoridades até então inexploradas na indústria do disco.
3) Como o cenário musical brasileiro assimilou e traduziu para a sua realidade as tendências do pop internacional?
No Brasil, a assimilação das conquistas dos Beatles em 1967 foi imediata. Caetano Veloso “organiza o movimento” da Tropicália, que de certo modo radicalizava as ideias dos Beatles, adaptando para a realidade brasileira e se inserindo de forma avassaladora nos principais meios de comunicação local. E a força da Tropicália se espraiou a partir dos anos 1970 para toda nossa música popular que até hoje é uma das mais ricas, variadas e criativas do mundo ocidental (mesmo que isso ocorra, hoje, fora dos grandes meios de comunicação de massa).
4) Que papel possui o avanço tecnológico dos instrumentos musicais e dos recursos de gravação nesse processo de evolução musical?
Desde os Beatles, os processos criativos vêm se transformando na medida em que são experimentados, a partir de novas referências tecnológicas. A partir dos anos 1960 a música gravada em fita e com vários canais simultâneos – o que permitia a sobreposição de acontecimentos musicais – passa a fazer parte da “era da obra de arte montável” (W. Benjamim). Portanto, se há uma caraterística comum nessa incrível diversidade que hoje temos é a ideia de “Música de Montagem”, uma música que é criada por cortes, colagens, fusões e sobreposições sonoras.
5) Analisando as características das composições da música pop, você enxerga um equilíbrio entre buscas estéticas de cunho estritamente artístico e o anseio para atender as demandas do mercado ou não?
Dentro do mercado da grande indústria, não. Como as demandas comerciais são a prioridade, exigem a repetição das fórmulas musicais aceitas. A ideia de arte está no extremo oposto dessa linha. Não há arte sem inovação, criatividade e surpresa. Ainda assim, por algumas razões bastante específicas, alguns raros artistas conseguem encontrar um espaço para serem altamente criativos dentro da grande indústria, como é o caso, por exemplo, da islandesa Björk. Mas, existem diversos outros “mercados”, de diferentes alcances e dimensões, circuitos, fora da música “pop” mainstream nos quais a música – muitas vezes de característica “pop”- se sustenta com muita invenção.