A arte como caminho de catarse e elaboração das dores. É tendo como ponto de partida a dolorosa experiência da perda de seu irmão que Rodrigo Vellozo tece o seu quarto disco de carreira: O Mestre-Sala da Minha Saudade, com previsão de lançamento para o segundo semestre desse ano. Hoje, ele lançou o primeiro single “Hiato” (ouça abaixo).
O sucessor de Cada Lugar na Sua Coisa (2018) conta com afagos em forma de parcerias: a direção artística é de Romulo Fróes, o cavaquinho de Rodrigo Campos, as cordas de Marcelo Cabral e a parceria da compositora Alice Coutinho – também autora de A Mulher do Fim do Mundo de Elza Soares -, em “Hiato”. “Conforme os arranjos iam sendo criados, eu sentia muito a presença do meu irmão ali”, coloca Rodrigo, que expande:
“Nesse contexto de pandemia e de luto coletivo, as músicas parecem ganhar outro sentido, como se a arte que surgiu através da minha dor íntima e pessoal pudesse também dialogar com o todo, com esse mundo mudo e solitário em que estamos vivendo”, dispõe. Abaixo, ele expande o universo do álbum em duas perguntinhas – desça e leia, nem tem como dizer que não tem tempo!
Rodrigo, “Hiato” é uma canção que reflete um processo de dor que é o luto. Como foi trabalhar criativamente sobre um tema tão dolorido, sensível e confessional?
“Hiato” faz parte do meu novo álbum que foi feito de uma forma muito instintiva e urgente – depois de toda a tragédia de perder um irmão, meu melhor amigo. Estávamos morando juntos, tínhamos muitos projetos e fiquei sem saber mesmo o que fazer. Entendi que a arte que eu estava produzindo não fazia mais tanto sentido, era preciso achar outro caminho. Do encontro com o Romulo Fróes nasceu esse disco. A letra da Alice Coutinho descreve muito do que eu estava precisando dizer, mas não conseguia. Nesse sentido, cantar é catártico. É sobrevivência mesmo. Foi a maneira que eu achei para conseguir tocar a vida e tive muita sorte de encontrar pelo caminho parceiros como o Romulo, a Alice, o Rodrigo, o Marcelo, Allen Alencar e todos os envolvidos nesse álbum. Para além da criação, o carinho e a parceria também foram fundamentais.
2) Compartilha com a gente: o disco é preenchido por quais caminhos sonoros e líricos?
Um dos momentos mais especiais da minha carreira foi ensaiar esse disco e entrar no estúdio com o Romulo, Marcelo, Allen e Rodrigo. É um disco sem instrumento de percussão. Um disco de contraponto, de vozes e ambiências. Toquei piano na última faixa e um Rhodes em outras duas, mas as bases do trabalho são as guitarras, cavaquinhos, baixo synth, baixo acústico e cordas. O samba também está ali, forte e bem presente. Mais do que propriamente caminhos harmônicos, buscamos caminhos estéticos que emoldurassem as narrativas das canções, o texto. Era como se o disco fosse dele, do meu irmão, como se soasse como as coisas que ele ouvia (Radiohead, Björk, Max Richter…), apesar de eu nunca ter comentado. Ao ouvir, essa estética do disco ajuda a me aproximar um pouco do meu irmão e enfrentar a saudade.