Há já um lugar comum pra definir a artista Duda Brack: ela é “uma das cantoras mais viscerais da nova música brasileira”. Digite na busca seu nome mais a palavra “visceral” e você verá que as ocorrências já compõem uma cacofonia. O rolê em si faz sentido, mas leva o trabalho a correr pelo menos três riscos: fazer a voz de Duda (ou seja, os ouvidos para ela) tender para o caricato; monumentalizar a expressividade (o mais sendo mais), que é um valor relativo, ao se relacionar com tantos outros, mas que tanto faz a arte se avizinhar, alienando-se por completo, do entretenimento; e, por último e mais importante, deixar de tocar em outros elementos, os quais podem mesmo ser muito mais valiosos.
Se coubesse a mim defender uma leitura, um traço mais importante da música da artista estaria nos jogos estéticos criados pela abertura da identidade, ou seja, pela pluralidade de lugares poéticos visitados. Se você só colocar seus dois álbuns pra tocar e ver primeiro um disco de rock visceral e depois um de pop moderninho cheio de vísceras, você perde a chance de captar movimentos muito mais interessantes neste álbum e na arte.
Um gesto que sinto presente no trabalho da artista, por exemplo, é o de propor uma espécie de saturação dos elementos, a qual, chegando à borda, leva a uma transcendência das famosas “caixinhas”, criando algo mais abstrato e inteligente – não redutível a este ou aquele aspecto. Caco de Vidro (2021), o segundo álbum da cantora, explicita isso. Agora que causei, vou me explicar.
Para compor um jogo um artista deve: mudar velozmente, paralisar momentaneamente imagens e sentidos, dar perdidos, seduzir, criar regras de festim, construir em segredo para depois mostrar o artifício da construção, etc. E deve fazer isso de modo a seu trabalho mostrar consistência. A pluralidade já se anuncia no que seria um método: é como se o gesto artístico quisesse plasticizar pulsões livremente, para além de criar imagens grandiosas e estanques.
+ Exclusivo | Em faixa a faixa, Duda Brack estilhaça ainda mais seu “Caco de Vidro”
Este segundo trabalho de Duda é o disco que dá sequência a É (2015), trabalho que consolidou um público e de quebra fez um tremendo sucesso entre a crítica chamada especializada. Essa repercussão pra mim se explica porque o álbum parece encarnar um teorema absurdo do tipo “E se Secos e Molhados encontrasse o stoner indie rock, que filha sairia?” Ou, dito de outra maneira: partindo de uma concepção inusitada e contando com a voz singular de Duda, explorando a impressionante organicidade da banda (minimal e, ao mesmo tempo, capaz de transformar clichês) e selecionando muito bem canções de compositores novos, É cumpre muito bem o que quer que queira.
Caco de Vidro, por sua vez, sensivelmente encara a questão clássica do 2º disco: a artista procurará repetir a forma da estreia bem sucedida, extraindo dela novos milagres, ou irá romper esta trilha para mostrar que pode construir outros universos, como se fossem o primeiro? Estamos aqui mais para essa segunda hipótese pura. E chamo de “pura” porque as variáveis concretas da feitura de um trabalho artístico trazem, sempre e não só nesse caso, buracos muito mais embaixo.
Ao criarmos duas opções para um impasse pode muito bem ser (e em geral é) que este seja um dilema artificial, que exclui “n” formas de leitura e olhares tão ou mais significativos. A saída está em não nos apegarmos neuroticamente a encurralamentos e passarmos a criar, abandonar e recriar, como se este fosse o próprio movimento de fazer e interpretar arte.
Seguindo a ideia de que há uma cisão entre É e Caco de Vidro, para início de conversa, este 2º álbum deixa os fetiches apaixonantes da guitarra distorcida e da concepção de banda. Ele aponta, ou abre, sua mira para a diversidade de ritmos e linguagens, passando por cumbia, pagode, gafieira, funk, mpb, rock, pop, experimental, etc. Também há mais dinamicidade e pluralidade na concepção dos arranjos – em, por exemplo, “Contragolpe”, “Toma essa” e “Man“. Também diferentemente de É, aparece no disco releituras de canções, com as escolhas vindas de um cânone refinado. São as composições de Alzira Espíndola e Silvio Rodríguez, “Man“ e “Sueño con serpientes”.
Por tudo isso, o aspecto conceitual de Caco de Vidro pode ser visto como se mostrando bastante à frente para a atenção do ouvinte, pois são evidentemente múltiplos não só os caminhos sonoros, mas também os literários e metalinguísticos (as camadas de leitura).
O álbum abre com o funk “Esmigalhado” que destoa de saída tanto do trabalho anterior, quanto dos timbres e dinâmicas usuais de seu gênero, fazendo-o soar nada mais nada menos que cool. A canção adota o minimalismo das letras do funk, mas, incorporando indeterminação, subverte-o para o caráter alegórico (não representativo).
A faixa também nos apresenta a nova roupagem do trabalho, a de um pop alt eletrônico. Ela mostra que esmigalhada resta, já de início, uma dívida de continuidade com o primeiro disco. Sobra apenas como que um teatro de acusação: brincando um pouco, “Sai daí, rapaz!” pode ser um verso visto, entre muitas outras coisas, como algo dito para o fantasma da identidade.
O ouvinte pode inferir sarcasmo aqui, mas, ao mesmo tempo, o humor está servindo mais a uma vontade de corpo, ou seja, de explosão de espanto diante do inusitado, do que um elogio do intelecto. Algo que se confirma nos trechos de videos de “Esmigalhado” ao vivo dos ainda poucos shows dessa turnê, onde Duda deixa a imagem de diva indie carregada para mostrar a surpresa de pele, Brasil, quadris em movimento.
As canções seguintes, “Saída Obrigatória” e “Tu”, são duas grandes conquistas de Caco de Vidro. Pra mim, elas evidenciam uma artista que sabe que é o trabalho extenso que dá definição ao que se quer da matéria do som. Estas duas faixas estão entre as que mais brilham para mostrar que passos Duda deu desde que nasceu como cantora. Foram 6 anos de distância entre um rebento autoral e outro, um tempo incomum para os trampos musicais nos tempos de hoje.
(Uma fonte confiável me revelou que a cantora, virginiana, é mesmo sempre a última a abandonar o estúdio, resistindo a bater o martelo para a versão final de uma canção. Este afeto pela reelaboração sinto que transparece no resultado do disco em pauta.)
Uma das grandes forças já em É vem do frescor e da convicção da escolha de compositores. As canções trazem o gosto do novo na criação, as letras são contundentes, os arranjos abraçam a causa e trazem definição. Em Caco de Vidro a cantora mantém essa escolha de “inéditas de amigos”, como direção principal do repertório e, sim dos sins, passa a compor ela mesma. Por exemplo, a música dessa faixa 2 – que traz letra de Chico Chico.
Como dito, “Saída Obrigatória” e “Tu” são faixas muito bem escolhidas para se seguirem ao susto de “Esmigalhado”. Elas trazem diversidade musical, riqueza literária e plasticidade sonora. Com letra de André Vargas e música da irmã, Júlia Vargas, “Tu” traz um grande momento poético-literário entre todas as canções de Duda. Marcada pela aliteração trava-língua do t, os sentidos explícitos ou hesitantes compõem um cenário rico para a visualização (através de uma canção) de uma história amorosa. Em seu começo ouvimos (na transcrição que tirei da busca):
Pipa avoada, onde tu ia, tô
Tu ia à toa, onde tu ia, ia tu
Doía que tu ia, que tu é ator
Tô tatuada onde tá tua dor
Doía que tu ia, que tu é ator
Tô tatuada onde tá tua dor
Outra das escolhas incomuns do disco está na quarta faixa, “Carta aberta“, onde há a leitura de um texto, o qual foi escrito pela artista para uma relação pessoal e que só aqui pode ter encontrado seu destino – por não ter sido enviado. A prosa traz uma profundidade algo blasé (como personagens femininas da Nouvelle vague) e começa a desenhar mais explicitamente um dos temas pilares de Caco de Vidro: o de gestos críticos em prol da atitude política da mulher, o feminismo.
Com orquestrações, arranjo detalhista e pouca percussão, a versão à canção de Alzira Espíndola, “Man“, dá sequência a esta narrativa feminina. Ela foi apontada pelo compositor (também gaúcho e amigo da artista) Ian Ramil como a “Since I’ve been loving you” do disco. Eu diria que a faixa tem, claro, algo dessa música, mas somado a outro algo de Friends, pra ficarmos só no Led Zeppelin III. Man se tornou o terceiro clipe de Caco de Vidro, mas conta o começo da estória narrada pelas imagens visuais. Na letra de Alzira, a afirmação “[Sou] uma mulher” se segue ao mesmo dito em inglês, “I am a woman, man”, o que pode funcionar como uma sátira da incomunicabilidade entre os gêneros.
Uma hora depois do lançamento deste álbum, cometi a felicidade de enviar, como seguidor instagrâmico, a seguinte brincadeira para Duda, admiradora que é de Quentin Tarantino: É é Pulp Fiction, Caco de Vidro é Kill Bill volumes 1 e 2. De um lado, o peso, a psicologia, a sujeira, o orçamento modesto. De outro, a apoteose da vingança feminina, a subjetividade colorida e viajante do mundo, a ação no mundo. E trata-se dos dois volumes, pois, no fim, é Bill que tem de recolher suas vísceras.
Antes de “Macho rey” e “Toma essa”, porém, e se pensarmos o álbum a partir de uma narrativa linear, faixa após faixa (o que não deve ser uma necessidade), passamos por uma das duas canções mais socialmente politizadas, “Ouro lata” (a outra sendo “Contragolpe”), e uma das duas canções mais existenciais ou puramente íntimas, “Sueño con serpientes” (a outra sendo a faixa-título).
“Ouro lata” é uma das maiores realizações do álbum. É a única faixa inteiramente composta por Duda, traz os feats de ninguém mais, ninguém menos que Ney Matogrosso (dono do selo pelo qual o álbum é lançado e artista amigo e parceiro da cantora) e BaianaSystem (pra mim a maior banda brasileira da atualidade). A letra é inspirada no livro As veias abertas da América Latina, de Eduardo Galeano, tratando, através de metáforas do fazer musical, da constante dependência econômica de nosso país, e a canção é a mais tocada em seu Spotify. Este arranjo simples e incrivelmente expressivo feito pelos baianos, as alternâncias de vozes da linha melódica entre os dois cantores e o percurso que equilibra cotidiano e alegoria da letra compõem uma espécie de “receita para canção”.
A sétima canção, “Sueño con serpientes”, foi composta pelo cubano Silvio Rodríguez, um dos expoentes artísticos do período revolucionário de seu país. A escolha é, em si, ousada. Mais que ela, porém, é a interpretação da cantora aqui. Um crítico imaginário de sua voz, adivinho, poderia a considerar vez em quando over demais, indo para regiões vocais não tanto confortáveis e antecipando auges de maneira… hmmm, visceral. Eu devolvo, sem querer soar laudatório, mas já soando, que o que mais se pode gostar no canto da artista vem justo dessa atitude violenta ou inusitada de seus registros e abordagens.
É o que acontece aqui. A interpretação de Duda é arriscada, ao tecer vocalizes e falsetes inusitados em meio a uma canção já consagrada na voz de Mercedes Sosa, com ou sem Milton Nascimento. Sua genealogia, portanto, não é brincadeira. Conheci as primeiras versões da artista durante a quarentena, em lives em que ela se acompanhava pelo violão em casa. A versão fez par, pra mim, com A cura de Lulu Santos, registrada recentemente em um álbum tributo e arrancando elogios do próprio compositor. Comparando com esta outra (plácida) interpretação, acredito que a agressividade aqui seja uma escolha.
A violentação do cânone, artística e não despolitizada, é uma das questões que mais interessam em arte. Foi através de Duda que conheci a cantora baiana Illy, autora de, entre outras “profanações”, uma versão ska para Como nossos pais, em um álbum tributo a Elis Regina. O disco em si gerou o nariz torcido de um crítico do Globo, em um texto que reprovo profundamente. Meu ponto é claro, se bem que completamente minoritário: se os artistas jovens deverem apenas reverência mimética aos “deuses” das gerações passadas, tudo está perdido. A experiência do presente se anula, pois a música consagrada seria incomparável. Prefiro, de longe, os cantos doidos de Duda e Illy do que esta concepção conservadora da arte.
A canção “Macho rey” é o rock do disco. Composta pelo já citado Ian Ramil junto a Juliana Cortes, ela traz, além de agressividade, humor – bem ácido. Sobretudo o arranjo e a interpretação contribuem para uma atmosfera Sgt Peppers presente no disco, os movimentos desta canção compondo uma espécie de fanfarra em alegoria. O rock, que era o tom de todo o É, é chamado para carnavalizar-se, o que se acentua ante o mencionado caráter de crítica ao machismo, presente no tema literário.
A letra é uma compilação de referências para a criação de um homem grotesco, um Frankenstein para a questão feminina. A composição deste arquétipo bizarro se dá primeiro através de múltiplos signos de uma exterioridade aliciante (o “sorriso asa de avião” versus o discurso “descarga de caminhão”, o “peito inflado, faraó” junto à “corrente de ouro à luz do sol”), para que se caia na revelação de uma intimidade frustrada e masoquista do herói. Isto toca belamente, a exemplo, um signo contemporâneo em “Quem vê não diz que ele se achou um nada/ Quando leu Eliane Brum”.
O ápice literário e musical da canção se dá na repetição do verso “Seja homem, não”, construção típica do português brasileiro (acredito) que conjuga uma afirmação contraditória, a do imperativo “seja homem”, com a estrutura, ao fim, de frase negativa. Duda gravou uma outra composição de Ian no projeto Iara Ira, a épica “Coquetel Molotov”. A canção traz certo parentesco com esta “Macho rey”, na aparente enumeração da letra que deixa ver hiatos, contradições, mudanças de perspectiva, etc e com um tema de crítica ao modo de construção de certas subjetividades.
Acompanhando mais de perto o trabalho de Duda há cerca de dois anos, vejo que seu gosto musical é dos mais plurais – ela própria explicita isso em entrevistas. A faixa seguinte, “Toma essa”, foi a responsável por explicitar, antes do lançamento do novo disco, o desbunde ao pop para os que esperavam o sucessor de É. Lançada como terceiro single e segundo clipe (o primeiro clipe foi “Pedalada“, que não entrou no disco, o segundo single foi “Contragolpe“), a música apresenta sopros e percussões em arranjo suntuoso e rítmica latina.
Se pudermos pensar em referências-mãe para o percurso de Duda até aqui, eu traria, para início de conversa, duas cantoras gringas do indie dos anos 90: se o canto da artista pode nos remeter a uma filiação toráxica-equipamental com PJ Harvey, este jogo com a multiplicidade estética e a recriação pode nos lembrar a inspiração de Björk. O que você ouve nos discos da islandesa é a matéria do som passando por uma betoneira e saindo de forma irreconhecível, graciosa, estranha e única. Acho que, mesmo não sendo tão experimental, as veredas de Duda parecem ter um tanto a ver com isso. Quanto a Polly Jean, bom, as chamadas vísceras estão em seu lugar.
O gosto refinado da cultura alternativa, no entanto, chega em Caco de Vidro também a outro lugar, a um amor autêntico, que não é meramente comentário hipster, endereçado aos ritmos e linguagens mais populares da música brasileira. Não há cinismo imparcial, há desbunde. É como se a ou o fã de Sonic Youth, tomando consciência da colonização de seu gosto, chorasse ouvindo Exaltasamba. Um milagre. A proposta, ao que vejo um tanto tropicalista, é a de abraçar o brega recalcado pela cultura classe média emergente, desfiando a emoção aberta vinda de pulsões espontâneas.
Literariamente, como já dito, “Toma essa” trata da crítica e da desforra diante de um, muito comum, estereótipo masculino opressor. Seu clipe, o mais incrível da saga, traz uma incrível alegoria. Uma boate parece se tornar um terreiro, no qual se trava o enfrentamento entre entidades e a “ética” de um boy lixo. Também visual e corporalmente é aqui que Duda rompe com o trabalho anterior. A diva indie se torna diva-diva e dança, atua e deseja, como que metendo o pé na porta diante da exigência de autorização social para tanto.
O que seria tido, diante de canções como essa, como virada leviana e vendida por um público conservador, como se vê, para além da superfície mostra compromisso artístico e multiplicidade. Necessário enfatizar que os gêneros e linguagens visitados passam pela transformação de um filtro criado por artista e banda (com destaque para Gabriel Ventura, co-assinando a produção musical), ou seja, pelas torções e distorções do pop contemporâneo.
A canção-título, “Caco de Vidro”, é uma das minhas preferidas do álbum. Ela é também uma das faixas que mais desequilibra tanto o esperado por Duda, quanto o disco em si. A cantora intensa, roqueira, aqui é algo mais. Há aqui um clima de bolero à la Angela Ro Ro. Também uma labareda quieta, um comentário da interioridade. O lance de intérprete. A canção carrega um canto que traz com naturalidade seu sentido, que se mostra vivo, para muito além de dever algo ao arregaço e ao exibicionismo.
Composta por André Vargas, a canção traz uma das letras mais bonitas do disco. Trata-se daquele encontro com o poético literário que é o mais próprio da canção: as palavras e imagens são extremamente simples, mas, uma vez cantadas, fazem como que o sentido mais autêntico da linguagem acontecer. “Vem cá que eu divido/ Um caco de vidro/ Me corto/ Pra te cortar” são versos que parecem mesmo uma fala da cantora famosa diante de seu público apaixonado, como que dizendo que o que se poderia oferecer de verdade seria isso, um caco, o peso da fatalidade. Aquilo que só poderia ser presentificado em algo mínimo, sem valor… e cortante.
Acabo por tecer muitos elogios a todo disco, mas tenho que dizer que, se fosse escolher uma, “Contragolpe” seria pra mim a mais emblemática realização de Caco de Vidro. Politizada, com arranjo extremamente ousado, barroco e contemporâneo, ao mesmo tempo experimental e “easy-listening”, a faixa seria a minha escolhida para mostrar a tese inicial desse texto. No entanto, dentro de um disco de infinitos jogos, pautados pelas cisões de gêneros e pelas plurais concepções de arranjo, onde se esconde e satiriza a identidade (ao menos como a conhecemos), a atenção e a sensibilidade devem se manter em vigília.
Para o artista do jogo, a afirmação artística se torna algo virtual: ela é indefinível, vendo um ponto você pode estar vendo também seu contrário. Trata-se, na verdade, de uma luta pela desfetichização da arte. Acho que quando Duda medita, já em É, “Se eu solto pipa contra o vento”, verso da canção “A casa não cairá”, de Caio Prado, expressa algo muito forte da sua própria persona artística. Os artistas demasiadamente líricos ou contemplativos são estes que soltam pipa contra o vento. Ela, que nessa leitura livre os mimetiza nesta frase, faz soar aquilo que transparece desde seu primeiro disco: sarcasmo, ou seja, uma voz tanto dos tremores do corpo, quanto do humor da inteligência.
A artista a quem já nos acostumamos a ver dramatizar uma personagem diabólica e contrafeita, aquela que cantava na abertura de seu primeiro disco os versos “Sou um trator/ Um monte de lixo… velho” (fazendo brilhar essa hesitação), penso eu que na verdade sempre esteve menos para gritos e caras à la Janis Joplin ou Amy Winehouse e mais para a expressão espontânea de uma filiação aberta, mas inteligente, à música popular brasileira e mundial. Nisso, Gal talvez seja uma grande referência condensadora. Mas como não falar, ao lado dela, de Art Popular, Led Zeppelin, Itamares e Fionas, Marílias e Caetanos, e os contrários deles, girando tanto, e tão sedentos por justiça, no meio de tudo isso?
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