Entrevista | Troca de perguntas entre Dingo Bells e Tuyo

24/08/2020

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Isabela Yu

Por: Isabela Yu

Fotos: Natália Arjones/ Divulgação

24/08/2020

Em processo de composição do terceiro disco, a banda Dingo Bells está usando o momento sem shows para revisitar o catálogo do grupo, que tem dois discos lançados Maravilhas da Vida Moderna (2015)  e Todo mundo Vai Mudar (2018). Essa pesquisa rendeu o EP Acústico Dingo Bells, que será lançado nos próximos meses com sete novas versões e uma inédita. 

“O lançamento do acústico surge desse momento de olhar o passado, justamente quando não se sabe muito bem o que vai ser do futuro”, explica o guitarrista e vocalista Diogo Brochmann. As canções ganharam “arranjos mais orgânicos e introspectivos”e foi a maneira que os músicos encontraram para celebrar a história da banda. A primeira faixa revelada foi a conhecida “Dinossauros”, que ganhou contornos ainda mais sensíveis e emocionantes com a participação da Tuyo e também um clipe assinado pelo músico Pedro Pastoriz

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O quarteto gaúcho já havia convidado o trio curitibano para participar de um show da Dingo Bells em São Paulo no ano passado. A identificação foi imediata: “São umas pessoinhas muito especiais, transpiram emoção e dá muita vontade de ficar perto deles. A coisa bate forte mesmo, a gente canta e se emociona de um jeito parecido”, conta o baterista e vocalista Rodrigo Fischmann. Para comentar a parceria inédita, convidamos as bandas para uma descontraída troca de perguntas: 

Tuyo para Dingo Bells 

Como vocês justificam a contemporaneidade do Maravilhas da Vida Moderna (2015) e a perspectiva de que ele provavelmente continuará contemporâneo em 2030?

Diogo Brochmann: Poxa, isso seria legal. Se acontecer, diria que tem a ver com as temáticas que escolhemos para as letras. O ritmo da tecnologia, o avanço das conexões e a capacidade das máquinas. Esse não é o ritmo do ser humano, que paradoxalmente é o inventor de todas essas coisas. Esses dias, me falaram da “Lei de Moore”, que quantifica um pouco essa sensação. Segundo ela, a capacidade de transistores possíveis de serem colocados em um micro chip dobraria a cada 18 meses – e essa teoria é de 1965! Um ritmo bizarro. A nossa capacidade de entender o mundo não dobra a cada 18 meses, é impossível acompanhar. Os dilemas humanos possuem outro ritmo. Claro, se modificam na medida em que a nossa situação no mundo se altera, mas em grande parte se mantém os mesmos, e são sobre essas dúvidas e sentimentos que gostamos de escrever sobre. Tomara que isso dure e siga conectando com as pessoas de diferentes tempos! 

O contraste entre a estética “disco pra cima”/enérgica de vocês e a complexidade filosófica da lírica é um plano ou é o subconsciente? 

Fabricio Gambogi, voz e guitarra: A música feita coletivamente expressa coisas próprias de cada grupo. No nosso caso, gostamos muito de conversar, de nos perguntar sobre assuntos do existir e como é estar nesse mundão doido, então talvez aconteça naturalmente esses questionamentos transbordarem nas letras. Musicalmente, a gente procura colocar e misturar na Dingo Bells tudo o que nos move e achamos que pode funcionar na estética e na parte técnica. Os quatro se encontram no ponto de gostar de soul, R&B, funk, samba rock… Então acho que é natural que as músicas tenham uma certa energia, seja na sonoridade – mais rock em alguns momentos –, ou nos vocais em outros, enfim. Acho que o que quero dizer é que esse casamento letra e música tem um pouco de consciente, mas um bom tanto de inconsciente também. Dá pra encarar como um certo contraste entre letra e música, sim, mas talvez também dê pra pensar simplesmente como “o som da Dingo Bells”. É isso que a gente, naturalmente, acaba fazendo quando se junta pra fazer música. 

A tese do último disco fala sobre a convicção da mudança. Em 2025, que mudanças já são possíveis prever na obra da Dingo Bells? 

FG: Será que é possível prever alguma coisa? Talvez o mais provável seja a gente juntos, produzindo mais um disco, selecionando repertório, espero que fazendo shows… Estamos trabalhando em um novo material, e me parece ainda ser cedo para dizer o que está acontecendo, rsrs… Vamos ver o que surge: estamos no processo de conhecer melhor nossas próprias músicas e entender suas sutileza. Sobre o que vai acontecer com o som ou com o jeito que a gente atua, não sei dizer, mas sei que a gente ama o que faz, esse projeto, e o que ele desperta em nós e nas pessoas que vão conhecendo o que a gente faz. Continuar juntos e produzindo música, botando o coração em tudo isso, talvez seja um belo objetivo para 2025.

Dingo Bells para Tuyo 

Definitivamente, esse ano não merece receber o cartão no grupo de WhatsApp da família que diz que o presente se chama presente porque ele é um presente. Apresentando, 2020! Como a criatividade de vocês se adaptou em meio à pandemia? 

Hahahah realmente, está difícil de achar o meme perfeito pro ano trágico que estamos vivendo… A verdade é que a gente tem sido sacudido de um jeito novo em lugares muito antigos. Está evidente de que a circunstância pandêmica tem trazido pautas antigas como machete inédita – quem está na base da pirâmide morre mais e mais rápido. A crise, o caos e o desespero estão presentes na nossa lírica desde que a gente entendeu que conseguia escrever música, então dá pra entender que tem muito registro para vir. Pra que ninguém conte por nós o que só a gente pode contar, o lance é escrever agora. 

Como vocês abordam a passagem do tempo nas composições da Tuyo?

Nossa percepção mora nas transformações que o tempo opera sobre os nossos corpos. Não tanto sobre envelhecer, mas sobre o sumiço e a aparição, essa oposição , sabe? O tempo – e os sujeitos – que operaram sobre ele empurraram a gente pra outros lugares. Em que lugares os nossos corpos ainda causam desconforto, onde eles se multiplicam sem parar. As reflexões sobre o tempo sempre foram estabelecidas por protagonistas em lugares  distantes dos nossos, então dá para observar que, abordar a passagem do tempo, a partir do nosso corpo, é o método que altera por completo como ele foi concebido repetidas vezes. A mesma sentença, quando dita por outros lábios significa coisas completamente novas.

O que a Tuyo do presente busca no passado para levar pro futuro?

Essa é aquela pergunta mutante, toda semana ela pode ter uma resposta diferente <3.️ Hoje a resposta é o risco da franqueza, um risco que a gente segue na vontade de correr, que vem da antiguidade. O risco que a gente segue correndo vem de escolher não simular, não temperar o sentimento, de entregar a crueza das coisas. Talvez um dia a gente devolva esse mecanismo lá pro passado e escolha outro elemento essencial para explorar, mas hoje tem feito sentido. Abrindo a boca pra falar sem simulação, sem rodeio, porque não dá tempo de mentir.

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24/08/2020

Isabela Yu

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