Letrux está de volta e com disco novo. Lançado nesta sexta-feira, 30/6, Letrux Como Mulher Girafa vem sendo gestado desde 2020, e tem produção musical de João Brasil. A parceria da artista com o DJ é de longa data, inclusive, Estilhaça (2015), terceiro disco do Letuce, também tem a mão dele. Tanto o Climão (2017), quanto o Aos Prantos (2020) foram trabalhados em conjunto com Arthur Braganti e Navalha Carrera.
“São artistas excelentes e MUITO criatives, sou muito grata, não seria ninguém sem Arthur e Navalha. Mas como era o terceiro disco, achei que era uma boa hora de mudar. João é uma das pessoas mais positivas e alegres que já conheci na vida. Ele produziu o terceiro disco de Letuce – e por coincidência da vida, o chamei para produzir o terceiro disco de Letrux. Ele sempre chega no 3! Ele me trouxe muita alegria depois da melancolia da pandemia, e facilitou as minhas ideias. Às vezes sou confusa, e ele sabia, simplesmente sabia o que eu queria”, divide a artista em entrevista à NOIZE.
O registro dá um passo além na construção do universo letruxiano, ao longo das dez faixas – e mais seis vinhetas –, é possível mergulhar nele, porém, dessa vez, habitado por humanos e animais. “Quantas noites não voltei de um bar ou uma festa porque não aguentava mais o assunto dos humanos, e chegando em casa liguei no Discovery Channel ou no Nat Geo, e ali aprendi que na língua da baleia azul cabem 50 pessoas. Ou que as golfinhos fêmeas são consideradas promíscuas (risos), apenas porque escolhem o macho antes de realmente completar o coito”, divide Letrux.
A brincadeira com as girafas vem das piadas da infância, por ser uma mulher com 1,85m, mas acima de tudo, é uma reflexão sobre se reconhecer enquanto um bicho que habita a natureza. Ainda que a imersão seja profunda, a poética das músicas segue fiel ao DNA de sua criadora: deliciosa de acompanhar, divertida pois é possível reconhecer pequenas transgressões, como incluir áudios de bichos em algumas faixas, e relacionáveis por tratarem de experiências humanas compartilhadas.
A banda, que a acompanha há alguns anos, e que gravou o disco, estará nos shows de lançamento – Arthur Braganti nos teclados, Navalha Carrera na guitarra, Thiago Rebello no baixo, Jessica Zarpey na percussão e Lourenço Vasconcellos na bateria. Nos próximos planos, estão as apresentações nos dias 7 e 8 de julho, no Teatro Prudential, no Rio de Janeiro, depois em 13, 14 e 15 no Sesc Pompeia, em São Paulo. O registro conta ainda com participação de Lulu Santos, em “Zebra”, e Thiago Vivas em algumas composições e na faixa de encerramento. Leia um bate-papo sobre o novo disco:
O livro “A Revolução dos Bichos”, de George Orwell, foi uma inspiração para o disco. O que mais te chamou a atenção nesse livro? E como ele entrou para a história do disco? Existem outros livros que te ajudaram a materializar o disco?
Li esse livro em abril de 2020 e fiquei com aquela cara de exclamação. Durante toda a minha vida, alternei entre ser vegana e carnívora. Minha mãe é vegetariana, meu pai é churrasco fellings. Cresci com esses dois lados, minha mãe com 12 opções de legumes e folhas num único almoço (sinto falta disso hahaha) e meu pai com a melhor picanha, aquele esquema. Depois que li o livro, percebi o quanto sempre fui obcecada com animais. Quantas noites não voltei de um bar ou uma festa porque não aguentava mais o assunto dos humanos, e chegando em casa liguei no Discovery Channel ou no Nat Geo, e ali aprendi que na língua da baleia azul cabem 50 pessoas. Ou que as golfinhos fêmeas são consideradas promíscuas (risos), apenas porque escolhem o macho antes de realmente completar o coito. Ficava (ainda fico) fascinada. É tudo tão simples e ao mesmo tempo tão complexo sobre bichos, uma riqueza de detalhes e regras, e também há as exceções. Morcego e baleia serem mamíferos é algo que panca minha cabeça. Durante a gravação do disco eu estava lendo “Escute as feras”, outro livro boladísimo que recomendo com força. Há ainda o filme “Microcosmos”, documentário belíssimo sobre insetos filmado de um jeito estonteante, há uma cena de lesmas transando que é das coisas mais curiosas que já vi na vida.
As músicas de “Letrux como mulher girafa” foram feitas em paralelo aos shows do Aos Prantos e Línguas e Poesias? Ou teve algum momento de imersão?
Algumas foram feitas na pandemia mesmo, enquanto não tinha nada, nem previsão de volta. “Formiga” foi a primeira, e logicamente ela é a mais triste (mas eu AMO!), fiz em agosto de 2020, aquela bad enorme, sem ministro da saúde, aquela merda diária, acho que por isso saiu tanto a palavra “shit” na música. Depois lapidei, editei palavras, mas a música nasceu ali. “Louva deusa” também nasceu em 2020. Depois em 2021, frases e melodias foram sendo anotadas nos meus cadernos e rascunhos do gmail, rá! Me encontrava com Arthur Braganti às vezes e fazíamos imersões, ele brincando no piano, eu brincando com a voz, ele queria porque queria uma música sobre “Hienas”, ele é muito engraçado, e fizemos (amo também essa!). “Aranha”, por exemplo, nasceu depois de ver a exposição da Louise Bourgeois em Berlim, quando fui a primeira vez, fizemos show lá em agosto do ano passado. Então as faixas surgiram em diferentes situações, mas o embrião já estava se formando em agosto de 2020, a gestação da girafa é longa.
Vi o seu show no Blue Note com o Línguas & Poesias e você cantou “Birds”, do Electrelane, e no novo disco, você também canta em inglês. Como esse show influenciou o novo trabalho?
O Línguas e Poesias me ajuda a aprimorar meu canto, sinto. Porque cantar minhas próprias músicas de alguma maneira é um pouco mais fácil, aquilo é meu, eu compus assim, criei isso, me sinto “dona”, então flui. Mas quando sou intérprete, sinto uma pressão maior, claro. Normal. Electrelane é uma banda de umas minas inglesas que faz parte de uma época da minha vida muito bacana, quando comecei a brincar com música. “Birds” é uma pérola, amo cantar essa no show, faço a 4 mãos com meu parceiro Thiago Vivas. Não sei se esse show influenciou o novo trabalho, são coisas paralelas, esse show me ensina a cantar melhor e acho que a cada disco minha voz melhora, felizmente. Então acho que nessa parte ajudou.
Especialmente sobre “Birds”, o que mais gosta nessa música? Como intérprete, o que uma música precisa ter para você ser arrebatada por ela?
Acho que essa música tem dinâmica. De vez em quando gosto de músicas mais mântricas, repetitivas, tipo “Louva Deusa” é mais assim. Mas também amo quando a música começa lenta e depois ganha um frenesi no final. Ou vice versa, isso me interessa: variação de tempo, mudança de dinâmica. Mas pra eu ser arrebatada mesmo a letra tem que ser boa. E pode ser super simples (como ‘Birds’) é, mas aquele poder de síntese absurdo, ou quando é super prolixa, tem que ter um elã que me abrace por completo.
Voltando para o novo disco. Qual foi a última música a entrar para o álbum? Vocês deixaram algumas ideias de fora?
Deixamos todos os intervalos de fora, são embriões que podem vir a vingar no futuro, quem sabe? Acho que algumas outras gracinhas não entraram. Nem nos intervalos. São muitas ideias até chegar ao final de um disco. O processo de edição é quase mais elaborado do que o de criação. Acho que a última música a entrar pro álbum foi “Abelha”. Aos 45 do segundo tempo lembrei que o Lucas Vasconcellos e eu fizemos essa música, e ela nunca entrou em nenhum disco de Letuce. Pensei “é agora!”. Chamei Arthur e Navalha Carrerra para deixarem com uma cara mais letruxiana e voilá. Tinha que ter abelha, bicho importantíssimo, e ainda é uma homenagem, de alguma maneira, à Maria Bethânia, abelha rainha. E também gosto muito das minhas parcerias com Lucas, tinha que ter.
Em que momento o João Brasil entrou como produtor musical? Quando se incia a parceria entre vocês?
João e eu tivemos uma banda em 2005, chamada “Ménage à Trois”, tocávamos em raves, principalmente. Chegávamos sóbrios nos chill outs, 6h da manhã, todo mundo alucinado e a gente ali, trabalhando. Se divertindo, mas trabalhando. A gente morria de rir porque a polícia chegava e achavam que a gente tinha droga e a gente ali bem novinho, querendo brincar de trabalhar, querendo fazer música, querendo se inserir no mercado. Foi uma época lúdica e divertida. Arthur e Navalha produziram magistralmente o Climão e Aos Prantos. São artistas excelentes e MUITO criatives, sou muito grata, não seria ninguém sem Arthur e Navalha. Mas como era o terceiro disco, achei que era uma boa hora de mexer. João é uma das pessoas mais positivas e alegres que já conheci na vida, é uma coisa de louco. Ele é zen budista, a pandemia fez isso com ele hahaha! Ele produziu o terceiro disco de Letuce (Estilhaça) também e por coincidência da vida, o chamei para produzir o 3 disco de Letrux. Ele sempre chega no 3! Ele me trouxe muita alegria depois da melancolia da pandemia, e facilitou minhas ideias. Às vezes sou confusa, e ele sabia, simplesmente sabia o que eu queria, foi um prazer nosso processo criativo.
O disco tem vários detalhes: seja os áudios dos intervalos ou sons de leões e gaivotas. Quantas versões cada música chegou a ter?
Os intervalos são presentes que ofereço ao meu público, que é sempre tão interessado na minha vida particular, percebo. Gostam de saber o que estou lendo, qual praia fui, me perguntam mil coisas na DM sobre minha vida, então compartilhar rascunhos é oferecer um presente, de alguma forma. Porque é tudo tão íntimo, sem edição, nada, bem cru. E também pras pessoas perceberem a saga que é criar um disco. São mil ideias, mil formatos, mil possibilidades, até você chegar ao fim, você passa por uma jornada imensa. As músicas finais não chegaram a ter muitas versões. João e eu trabalhamos muito na pré produção, e o Paullo Emmery, que mixou e masterizou, arrasou muito. Então eram detalhes que voltavam e eram ajustados. Os sons dos animais foi piração minha e do João, a gente ria muito ouvindo os sons dos bichos no YouTube e pensamos “temos que colocar isso”.
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