Exclusivo | Biografia do Planet Hemp conta como foi a 1ª turnê da banda

10/12/2018

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Ariel Fagundes

Por: Ariel Fagundes

Fotos: Divulgação

10/12/2018

Vindo do fundo do underground carioca dos anos 1990, o Planet Hemp acabou se tornando uma das bandas mais importantes da música brasileira. A partir do dia 13/12, chega às livrarias de todo país Planet Hemp: Mantenha o respeito a primeira biografia completa que aborda a história do grupo desde o início até a última ponta.

Escrito por Pedro de Luna e lançado pela editora Belas Letras, o livro traz um farto material fotográfico e é recheado de histórias inacreditáveis. A obra já está em pré-venda pelo site www.livrodoplanet.com.br e uma série de eventos de lançamento estão agendados.

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No dia 11/12, haverá um evento no Rio de Janeiro; no dia 12/12, em Niterói; no dia 13/12, novamente no Rio; no dia 15/12, em São Paulo; no dia 19/12, em Vitória; e, no dia 22/12, mais uma vez em São Paulo. Mais informações nos links ou na página do livro.

Abaixo, trocamos uma ideia com o autor Pedro de Luna sobre como foi fazer essa documentação importante. Na sequência da entrevista, você confere ainda, com exclusividade na NOIZE, um trecho inédito do livro em que de Luna conta a história de como foi a primeira turnê que o Planet Hemp fez no Nordeste.

(Foto: Divulgação)

Como nasceu o projeto desse livro?

Quando eu lancei o meu primeiro livro, “Niterói Rock Underground 1990-2010”, em 2011, o Planet Hemp já estava lá. Fui escrevendo outros livros, como o “Brodagens” e o “coLUNAs”, mas sempre cruzava com os hempers. Sempre pensei em biografá-los, mas precisava esperar o tempo e a oportunidade certa, pois sabia que não seria nada fácil.

Eu já tinha material de acervo e alguma pesquisa, quando entrei em contato com o empresário da banda para saber se gostavam da ideia, mesmo sabendo que poderia lançar uma biografia não autorizada. O primeiro contato aconteceu em janeiro de 2017, mas a resposta só veio em setembro, acompanhada do celular do Marcelo D2. Eu já estava rascunhando algumas coisas nesses meses de espera, mas a partir do OK formal comecei um processo solitário, duro e caro, correndo contra o tempo, que compensou cada segundo dedicado a ele.

Também acho importante registrar como o livro foi parar na editora gaúcha Belas-Letras. Eu já estava organizando as coisas da biografia, quando o meu amigo Marcelo Viegas entrou em contato. Ele fazia uma pós em Publishing e conheceu o Gustavo Guertler, que lhe encomendou uma coleção de livros musicais. Viegas começou a fazer uma lista de nomes e, quando listou o Planet Hemp, a primeira pessoa que ele pensou fui eu. Quando ele me ligou, casou a fome com a vontade de comer. E aqui estamos nós, com o livro à venda nas melhores livrarias do Brasil, e nos eventos de lançamento país afora.

Skunk e Marcelo D2-no primeiro show do Planet Hemp, 24 de julho de 1993 (Foto: Divulgação)

Como foi o seu processo de produção? Quanto tempo levou? Que desafios você encontrou?

O processo foi complexo por que as coisas corriam em paralelo. Eu já estava escrevendo quando comecei a realizar as dezenas de entrevistas. Com os integrantes e ex-integrante) fiz questão de fazer ao vivo e gravado, apesar da agenda complicada deles. Sempre que possível eu fiz pessoalmente, inclusive com empresários, jornalistas, músicos, equipe técnica e pessoas de gravadoras. Com outros, tive que fazer por e-mail ou Whatsapp, como é o caso do Seu Jorge e do Mario Caldato, que moram nos EUA.

Foi tudo ao mesmo tempo agora. Enquanto escrevia, entrevistava, fazia transcrição, pesquisa e corria atrás de material ilustrativo. Fui na casa de todo mundo atrás de fotos, cartazes, reportagens, credenciais, o que fosse. Acho que consegui montar um acervo gigante e raro, onde nem metade dele entrou no livro. Como a publicação seria em PB e já estava grande, selecionei cerca de 60 imagens que contam bem a história da banda nesses 25 anos de vida.

Uma das entrevistas da qual fiquei feliz por ter feito foi com o produtor Carlos Eduardo Miranda. Estive com ele em novembro do ano passado e, em março desse ano, o véio Miranda nos deixou. Apesar de gravada num restaurante, pode ter sido a última entrevista dele em áudio.

Outra grande tarefa a que me propus, e que foi de suma importância, foi reconstruir a cronologia completa da banda, listando os principais shows e acontecimentos por dia, mês e ano, em ordem cronológica. Eu nunca vi isso em nenhuma biografia de artista brasileiro, e acredito que vai facilitar e muito a vida de jornalistas, biógrafos e pesquisadores.

Como comentei antes, foi o meu livro mais difícil, uma missão hercúlea, mas que valeu a pena. Tenho certeza que a Planet Hemp: mantenha o respeito tem tudo para figurar entre as melhores biografias da música brasileira.

Aracajú, 1996 (Foto: Bruno Montalvão/Divulgação)

Na sua avaliação, qual é a importância histórica do Planet Hemp para a música brasileira?

O Planet Hemp teve (e tem) a coragem de falar o que a maioria dos artistas não tem. Sempre colocou o dedo na ferida expondo as mazelas, a repressão e o abismo entre ricos e pobres, governantes e governados, que infelizmente continuam existindo duas décadas depois. Pela sua ousadia, pagaram o preço. Correram inúmeras vezes da polícia, tiveram shows cancelados, seus produtos foram apreendidos e, importante, foi a única banda que passou vários dias na prisão. O episódio de Brasília foi há 20 anos e continua sendo um marco, pois uniu artistas, parlamentares e os fãs da banda.

Reduzir o Planet Hemp à uma banda que canta a legalização da maconha é pouco. Mais que um grupo de rap e rock, o Planet virou uma causa, um arauto pela liberdade de expressão, que mais uma vez se vê ameaçada pelo crescimento do conservadorismo e da extrema direita em todo o mundo. E contraditoriamente, num momento em que a cannabis é cada vez mais bem aceita em países como EUA, Canadá, Uruguai, Portugal e tantos outros. Ou seja, a hemp family de hoje é ainda maior e mais global do que nunca!

Por fim, precisamos lembrar que da geração do rock nacional dos anos 1990, o Planet é um dos últimos bastiões. O Rappa deu um tempo, o Charlie Brown Jr acabou depois da morte do Chorão e do Champignon, o Rodolfo já não canta com os Raimundos, a Nação Zumbi segue o seu caminho, porém sem o Chico Science. O Planet também teve suas mortes (Skunk e Speed), teve suas baixas com a saída de grandes artistas como, por exemplo, Black Alien, o DJ Zé Gonzales, Apollo Nove, Ganjaman e o guitarrista Rafael Crespo, mas continua aí se reinventando e se mantendo relevante para a cena brasileira.

Salvador, janeiro de 1996 (Foto Sora Maia/Divulgação)

Leia abaixo trecho exclusivo do livro:


Capítulo 19
A PRIMEIRA TURNÊ PELO NORDESTE

Se os primeiros meses de vida do Usuário foram difíceis, em 1996 as coisas melhoraram consideravelmente. Logo na primeira sexta-feira do novo ano, o Planet Hemp começou os trabalhos no Garage, com Beach Lizards, Tornado, Funk Fuckers, Cabeça e Piu-Piu & Sua Banda. Ensaiaram ao vivo o set list e arrumaram as malas para a primeira turnê pelo Nordeste, organizada por Marcello Lobatto. Na época, o cachê da banda era de mil e quinhentos reais, trezentos para cada um.

O primeiro show da banda em Salvador ocorreu no dia dez de janeiro, no Zaragata (antigo Sabor da Terra), no Jardim dos Namorados. O local, na orla da capital baiana, já foi demolido. Além do Planet, tocaram Jorge Cabeleira e os locais do The Dead Billies. O evento só foi viabilizado porque o produtor cultural Rogério “Big Bross” sugeriu ao Rui Mascarenhas, da Uivo Produções, que topou fazer o show. O amigo da banda trabalhou na logística, na recepção e ainda fez a direção de palco.

Nessa primeira aventura pela boa terra, os cariocas se hospedaram no Albergue do Porto, um hostel no Porto da Barra. Assim que se instalaram, Bacalhau pediu um beck ao cicerone e ganhou uma sacola de supermercado cheia do soltinho. Afinal, todo mundo da cidade quis dar uma preza para a banda. Como era maconha solta e não prensada, parecia uma quantidade enorme, mas era algo próximo a cinquenta gramas. Ao ver o baterista impressionado, Big soltou essa: “Mermão, tem que fumar tudo! Vocês não são o Planet Hemp?”. Nesse mesmo dia, o produtor local foi de ônibus com D2 até o Mercado Modelo e o vocalista andou pela rua numa boa, sem ser reconhecido.

À noite, os pernambucanos do Jorge Cabeleira subiram ao palco loucos de ácido, mandaram um bonecão de Olinda para os presentes e tocaram “California Über Alles” (Dead Kennedys), deixando o público no ponto. A polícia baiana sequer sabia da existência do Planet Hemp e o show parecia em Kingston.

Nesse momento da turnê do Usuário, o pano de fundo era um desenho do Tantão, no qual nem havia ainda o nome da banda. Só depois é que virou o desenho do Speto, com as caricaturas. Marcelo entrou no palco distribuindo baseados pra galera e a loucura começou. Os seguranças não queriam deixar as pessoas darem mosh e todo mundo estava se acotovelando, até que o próprio D2 pulou e pediu para liberar geral. Teve até um cidadão que subiu de cueca no palco para pular.

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No dia seguinte, o Planet Hemp subiu para Aracaju, onde reencontrou o velho amigo Bruno Montalvão, que produziu nessa noite o seu primeiro show, em parceria com Gabriela Caldas, que também era amiga de alguns integrantes. O local escolhido foi o Batata Quente, na Orla de Atalaia. A expectativa era enorme, já que o público sergipano estava ansioso para ver ao vivo uma das bandas mais polêmicas do momento, num palco pequeno, na beira da praia e bem de perto. À tarde, durante a passagem de som, os produtores perceberam que não daria para montar um camarim decente no local do show, e improvisaram um na casa da própria Gabriela, não muito distante dali.

(Foto: Acervo Pessoal Pedro de Luna/Divulgação)

As horas se passaram e, quando o Bruno buscou a banda, por volta das dez da noite, começou uma briga na porta do show entre as torcidas do Sergipe e do Confiança. Um torcedor foi baleado. Quando a Van com a banda chegou, estava a maior confusão, com muita polícia e correria. Uma batata quente mesmo! O produtor entrou com a banda e começou a negociar com a polícia, para que não cancelassem o evento. Foi acertado que dois policiais acompanhariam o show, mas não prenderiam ninguém fumando maconha. O show deveria continuar e continuou.

Meia hora depois, com a banda no palco, a festa começou. Na metade da segunda música, boooommm!!! Um disjuntor de energia explodiu, cortando a luz no bairro todo. O público sedento gritava, acendia fósforos, isqueiros e até uma fogueira foi improvisada. Então, aconteceu o inusitado. A banda desceu do palco e foi interagir com os fãs, enquanto esperavam pelo reestabelecimento da eletricidade. Nesses quarenta minutos de espera, o Planet Hemp conversou, bebeu e fumou com a galera. Foi um acontecimento maior do que o show em si. Depois, a banda voltou para o palco e tocou com muita raiva e vigor. Foi histórico, quem estava lá lembra até hoje daquela noite.

Como as despesas foram altas e o ingresso barato, o “lucro” foi de aproximadamente mil reais para a banda e nada para o Bruno. O produtor argumentou com Lobatto que precisava receber alguma coisa pelo seu esforço e, depois de muita discussão, D2 lhe entregou uma nota de cinquenta reais. “Foi o meu primeiro show e saí no lucro!”, comemora Bruno. Ao final, ele levou o Planet Hemp de volta para o hotel, na Ilha de Santa Luzia, no munícipio de Barra dos Coqueiros.

Na manhã seguinte, durante o café da manhã no hotel, o Formigão tomou suco de manga e, depois, leite. Poucos minutos depois, foi dar um mergulho no mar e começou a passar mal. O baixista ficou verde e a galera teve que tirá-lo de dentro da água. Sentou na areia e começou a vomitar todo o suco de manga. Depois disso, nas internas o apelido dele ficou “Manguinha” por um bom tempo.

Em julho do mesmo ano, o Planet voltou a Aracaju para um show no Espaço Emes, com abertura da banda local Snooze. A apresentação dos cariocas teve a participação do Fúria no beatbox e de “uma misteriosa modelo mascarada” que fez um strip-tease quase completo.

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O terceiro show da turnê aconteceu no Mauritzstadt, no Recife. É difícil precisar a grafia correta do bar, pois quando os holandeses ocuparam a capital pernambucana batizaram de Mauritsstadt (Cidade Maurícia) em homenagem ao conde Maurício de Nassau, mas o público local chamava de Mauristad. Enfim, o importante é que mais uma vez foi foda demais. O ingresso do show era uma folha de talão de cheque preto e branco com folhas de cannabis. O Planet tocou com duas bandas locais, Eddie e Os Cachorros. No camarim, um fã apertou um baseado gigante, com uns dez centímetros de largura. Bacalhau até fotografou como prova da preza.

Aracaju, 1996 (Foto: Bruno Montalvão/Divulgação)

De lá, o Planet Hemp seguiu até Fortaleza. A banda havia tocado um ano antes no (já extinto) Clube Massapeense, na Praia de Iracema. Foi lá que os DJs Rubens Barrocas e Fernando Vilela conheceram a banda e a convidaram para uma segunda apresentação, na capital do Ceará. Rubens era amigo do irmão mais novo de Fernando, que tinha uma loja de discos chamada Céu. No réveillon de 1990, os dois ficaram sócios numa barraca de praia chamada Biruta, na Praia do Futuro, e começaram a trazer bandas para tocar lá. Debutaram em grande estilo, com Chico Science & Nação Zumbi, em 1994. Nada mais apropriado do que os doidos do Planet tocarem num local com esse nome.

Nessa época, o coletivo Seres Urbanos fazia todos os cartazes e as filipetas para a divulgação das festas e dos shows. Eles também tinham feito um fanzine, adaptando as letras das músicas da banda local Dago Red, e sugeriram que cada vez que uma banda de fora tocasse no Biruta, fizessem um zine semelhante. O conteúdo foi composto basicamente por fotos, texto editorial, um pequeno texto sobre a banda e letras de músicas transformadas em quadrinhos.

Weaver Lima cuidava dos quadrinhos e o Galba dos textos. Era um mimo para as pessoas que frequentavam os shows no Biruta e uma maneira simpática de divulgar as bandas que lá tocavam. O zine Undergraff #05 teve tiragem de quinhentas cópias, que foram distribuídas gratuitamente para as primeiras pessoas que entraram no show. As músicas quadrinizadas foram “Legalize já”, “Futuro do país” e “A culpa é de quem?”.

O show, como sempre, foi memorável. Ainda mais na praia, num local bacana, repleto de baganas. Certa vez, antes de um show, Marcelo declarou que considerava a maconha de Fortaleza a melhor maconha do mundo. E o iogurte achocolatado Chandelle a melhor coisa para a larica. É importante notar que, quando ele disse isso, já tinha ido a uma edição da Cannabis Cup, na Holanda. O fato é que nessa entrevista o D2 valorizou o produto nacional, da mesma forma que, no show em Amsterdã, o Planet Hemp entrou na divulgação oficial do evento com o nome de “Planeta Maconha”.

Aracaju, 1996 (Foto: Bruno Montalvão/Divulgação)

A partir desse primeiro show, o Planet virou local do Biruta. Em uma das passagens por lá, a banda pediu um bolo de maconha, só que a pessoa fez a guloseima usando galhos e sementes. O cara teve uma boa intenção e o doce ficou até gostoso, com cara de brownie, mas os galhos… Noutra oportunidade, os músicos emendaram do show direto para uma festa na praia. Às sete horas da manhã, Formigão saiu da praia sem camisa, quase pelado, doidão de cachaça, com uma garota magrinha e desdentada de um lado e uma anã do outro. A galera começou a rir e elas o deixaram na porta do hostel, porque ele não conseguia chegar por conta própria. O baixista dizia que adorava Fortaleza porque era o único lugar em que ele conseguia arranjar umas meninas para namorar.

Rubens e Fernando contaram que nenhum show do Planet Hemp no Biruta deu lucro, mas o prejuízo também não foi tão grande. Como eles divulgavam apenas na própria barraca, evitando a grande mídia, quando as autoridades ficavam sabendo, o show já estava rolando. Eles tinham um fichário e, quando alguém dava “carteirada”, eles anotavam o nome, o batalhão etc. Como vários policiais iam lá sem farda para curtir, a barraca era um território livre para fumar a ganja.

O único problema era quando grupos rivais se encontravam do lado de fora, como no caso dos enfrentamentos da comunidade da Cidade 2000 com a do Castelo Encantado. Como se não bastasse as pessoas dos dois bairros saírem na porrada, elas também tentavam quebrar os tapumes para entrar de graça no show. Certa vez, tiveram que chamar o Batalhão de Choque, que chegou dando tiros para o alto e dispersou a galera. Quando a briga acabou, o Planet estava tocando “Porcos fardados”. Nessa hora, um dos policiais virou-se para Fernando e disparou: “Esses baitolas são foda, a gente vem aqui ajudar e os caras cantam isso”.

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Nos anos seguintes, o Planet Hemp passou a encerrar as turnês nordestinas em Fortaleza, passando uma semana por lá. A banda ficava numa pousada próxima ao Biruta, aproveitando o tempo para jogar futebol e curtir a praia. Eles se apresentavam gratuitamente na festa de Rubens e de Fernando na terça-feira e tocavam por cachê no sábado. Numa dessas terças, o DJ Zé Gonzales assumiu as picapes e o D2 pegou o microfone. De repente, foram chegando outros integrantes: o Apollo, o percussionista Negalê, a banda toda. Começaram a improvisar ali mesmo, no chão, no meio da galera. Foi um dos grandes shows do Planet no Biruta e até hoje as pessoas lembram com entusiasmo desse episódio.
Apollo nunca se esqueceu do que aconteceu depois: “Acabou o show, o Black ficou ali, no camarim, conversando com três minazinhas incríveis. Então, ele começou a mandar um rap. Depois de vinte minutos, sobrou uma mina só. Daí, ela vazou e ele continuou lá, cantando sem parar [risos]”. O tecladista lembrou que, enquanto o Raimundos tinha ônibus de dois andares, o Planet era pura contenção de custos: “Uma vez, a gente chegou para tocar num ônibus escolar infantil, com banco pequenininho, para crianças [risos]”.

Salvador, janeiro de 1996 (Foto: Sora Maia)

Numa dessas “temporadas” em Fortaleza, os contratantes colocaram todo mundo numa casa de praia enorme de frente pro Biruta, carinhosamente batizada de Pensão Hospício. A crew tinha dois dias de folga, e day off é pior do que trabalho, porque todo mundo ficava bem louco, com ressacas monstruosas. Numa delas, o Formigão e o D2 estavam deitados em duas espreguiçadeiras, tentando se recuperar para o show que aconteceria naquela noite. Só que à tarde uma equipe da afiliada da TV Globo chegou para entrevistar a banda.

O D2 já estava acordado e pediu para a equipe entrar sem alarde. Ele pegou a sua espreguiçadeira e a colocou silenciosamente ao lado do Formigão, que dormia pesadamente de óculos escuros. Com o cenário pronto, o Marcelo pediu para o cinegrafista filmar os dois juntos na entrevista. Luzes ligadas, câmeras gravando, o vocalista começou a responder às perguntas do repórter.

A entrevista seguiu tranquilamente quando, no final, o repórter pediu para o D2 deixar um recado para os fãs. Ele convidou todos para irem ao Biruta e bateu com força no braço do baixista: “Manda um recado pra galera, Formigão!”. Ele acordou tão assustado, com a câmera apontada para ele e o microfone na cara, que respondeu em tom de raiva: “A culpa disso tudo é da Rede Globo. Vai todo mundo tomar no cu, seus filhos da puta!!!”. Levantou-se e saiu andando batendo o pé, enquanto todos desabaram de tanto rir.

Outros momentos marcantes no Biruta aconteceram durante a turnê do segundo disco, Os cães ladram mas a caravana não pára, no qual o Planet Hemp expressou a gratidão aos cearenses gravando uma música chamada “Biruta”.
Na época, o palco ainda era de costas para o mar, enquanto o camarim ficava de frente para o mar e de costas para a rua. Num certo momento, o Rafael começou a fazer um solo bem longo e o D2 correu para o camarim. Quando o Fernando entrou, o vocalista estava lá, curtindo a mesma visão da plateia com o mar verde à sua frente. Noutra vez, quando o palco passou a ficar na lateral do camarim, a stripper que acompanhava a banda subiu e ficou só de calcinha. A galera queria invadir o palco e os seguranças tiveram muito trabalho. Hoje, Rubens não é mais sócio de Fernando no Biruta, mas a barraca continua firme e forte em seus vinte e sete anos de vida.

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A primeira turnê nordestina chegou ao fim em Natal (RN), num domingo, com abertura do Brutal Brain. No voo de Fortaleza para lá, a mala do Kleber foi extraviada e ele ficou apenas com a cachaça Sapupara que levou a bordo. Bom, melhor do que nada! O show foi agendado para o Casarão da Ribeira. Apesar de ser um prédio histórico, o local estava caindo aos pedaços, com paredes esburacadas, banheiros fedidos e apenas dois ventiladores de teto. Para subir ao tablado de cinquenta centímetros de altura, a banda passou pelo meio do público. No meio da apresentação, D2 acendeu um baseado e ofereceu para a galera. Tinha tanta gente ali em cima, que a banda sumiu. E, claro, o beck nunca mais voltou para a mão do vocalista.

(Foto: Acervo Pessoal Pedro de Luna/Divulgação)

Anna Lira foi a produtora do evento. Na época, o Marcello Lobatto ofereceu o show para um produtor, que não se interessou e passou a bola pra ela, que trabalhava com bandas independentes, mas não conhecia o público do Planet. Ela teve apenas dez dias para divulgar e correu atrás panfletando, colando cartazes e conseguindo matérias (nem sempre positivas) nos jornais locais.

O local era realmente sem estrutura, porém, o aluguel era baratíssimo. Não havia saída de emergência nem camarim, e o palco, pequeno e baixo, foi montado especialmente para eles. No fim do show, os músicos ficaram por lá, tomando cerveja e fumando com o público. A partir desse evento, o Casarão da Ribeira virou point.

A produtora estava no início de carreira e foi acusada por um cidadão em um jornal da cidade de aliciar menores a fumar maconha. Outro colunista armou um barraco, porque ela não deu ingressos para seus amigos assistirem ao show de graça, e publicou outra matéria detonando Anna no jornal, com inverdades sobre a organização. Esse show foi marcante em sua vida, e não apenas pelas polêmicas: “O Lobatto chegou a me perguntar quanto eu tinha gastado pra fazer o show e simplesmente dividiu o lucro. Os meninos não eram exigentes. Eram ótimos. Sempre muito simples”.
Nesta gig, o Planet se hospedou numa pousada de um amigo da Anna, na Praia do Cotovelo, em Parnamirim. Um pouco distante, mas muito confortável. As refeições também aconteceram em restaurantes de amigos nas praias do Cotovelo, Ponta Negra e dos Artistas.

Algum tempo depois, ela fez um segundo show da banda em Natal, dessa vez num prédio onde antigamente funcionava uma delegacia. Rolou uma tarde de autógrafos no shopping e o evento foi um sucesso. A estrutura tinha melhorado: camarim, palco alto, som excelente, saída de emergência e casa cheia. Tanto a Na Moral quanto a Sony enviaram uma carta apoiando e elogiando a “produção impecável”, que foi publicada num jornal local. “Lembro da calma do D2, com uma cabeleira linda, e do sorriso de BNegão.”

Novas amizades, shows bons e fartura de maconha. Após essa primeira investida bem-sucedida pelo Nordeste, o Planet Hemp voltou sempre que possível.

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10/12/2018

Editor - Revista NOIZE // NOIZE Record Club // noize.com.br
Ariel Fagundes

Ariel Fagundes